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Cannabrava | Criminosos criaram Estado paralelo no Brasil, com tutela das Forças Armadas

O confronto entre as gangues é que produz desarranjos no esquema. Não é política de Estado acabar com isso
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Criminosos organizados pelo Estado mataram 25 pessoas e deixaram seis feridas na última chacina ocorrida na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 24 de maio. As manchetes do dia davam 22 mortos, um escândalo, e as coisas continuaram acontecendo. Cadê os mortos? Quem são os mortos? Cadê os familiares dos mortos? Cadê os autores da chacina

Alguém foi punido? Não. Certamente alguém será condecorado como herói. 

Um indigenista — o brasileiro Bruno Pereira — e um jornalista inglês, Dom Phillips, desapareceram na selva amazônica, virou escândalo internacional. O crime é o mesmo, as manchetes é que são diferentes. Racismo explícito no tratamento dos fatos pela mídia hegemônica. Precisou um inglês ser morto para que se dessem conta de um Estado assassino. Pois não se pode furtar o Estado da responsabilidade do que ocorre em todo seu território. 

Criminosos organizados criaram um Estado paralelo no país. Essa é a realidade. Dois estados cúmplices que se beneficiam um do outro. Essa é a realidade.

É importante tomar isso em consideração neste ano eleitoral e perguntar aos candidatos, a quaisquer cargos, quais seus planos para recuperar a soberania, ser um único estado com controle total dos centros de decisões. 

Eleição é pra isso. Escolher entre a barbárie, enquistada no continuísmo, ou a democracia possível de ser construída.

Difícil. Simone Tebet, lançada pelo MDB, candidatura a qual se somou o PSDB, pondo um bilionário do clã Jereissati de vice, já é tratada como “a única chance” de melhorar o país. Essa aliança já governou o país, com Fernando Henrique Cardoso e com o ilegítimo Michel Temer, e mostrou do que é capaz. A partir de 2018 os militares no governo não inventaram nada, apenas trocaram o terno pela farda, nem isso, despiram a farda e vestiram terno. E, há que reconhecer, ocuparam todos os espaços. Todos.

Essa aliança é o comando do Centrão. Além da destruição do país, comandaram a destruição dos valores éticos e a destruição da política. Deu no que deu. Mensalão, impeachment, fraude eleitoral, desregulamentação total da economia e do trabalho, entrega das riquezas do país. Temer e Bolsonaro. Oh Deus! Não queira tão mal assim a esse seu querido Brasil. Afinal, você é baiano.

As manifestações de ruas deviam ser para pedir: Não mais mortos pelo Estado!

A zona da tríplice fronteira é ocupada pelas forças armadas e pelo crime organizado. Tudo ali é ilegal: desmatamento, venda da madeira, pesca ilegal, garimpo ilegal. Só tem um responsável, está não só em Brasília, é o Estado. Narcoestado. Até o mercado da fé é ilegal.

O confronto entre as gangues é que produz desarranjos no esquema. Não é política de Estado acabar com isso

Alberto César/ Amazônia Real
Manifestação em frente a sede da Funai em Manaus após a notícia da confirmação dos homicídios de Bruno Pereira e Dom Phillips

A crise é civilizatória, já definira o antropólogo Darcy Ribeiro

Dissemos, aqui neste espaço, analisando a situação de estagflação, que a crise é estrutural, sistêmica, sem solução portanto com o atual modelo e suas regras. Hoje recorro ao professor Darcy Ribeiro: a crise é civilizatória. 

O Brasil foi transformado num narcoestado sob a tutela das forças armadas.

Foi assim na Bolívia, no Peru, na Colômbia, em todos esses casos com a participação dos Estados Unidos. Neste caso, não é uma simples participação, sendo os EUA o maior consumidor das drogas e maior aproveitador do do lucro final das transações, pois tudo se faz através de bancos e em dólares.

Na Bolívia, depois que derrubaram o governo revolucionário de J.J. Torres, nos anos 1970, chegou-se a formar um contubérnio entre oficiais da SS de Hitler e os serviços de inteligência de Israel e dos Estados Unidos. Isso só terminou de fato com a eleição de Evo Morales. Não por acaso o golpe contra Evo foi orquestrado pelos mesmos serviços de inteligência de Israel e dos Estados Unidos, aos quais se aliaram agentes das forças armadas da Argentina e do Brasil, além das igrejas neopentecostais sionistas.

A participação das igrejas neopentecostais com matriz brasileira e das embaixadas de Israel, Estados Unidos e Brasil no golpe foi denunciada por nós na ocasião.

Pastor denuncia participação de Igrejas Evangélicas brasileiras no golpe na Bolívia

No Peru de Fujimori/Montesinos (1990-2000) as bases e aeroportos da força aérea eram portos de embarque do narcotráfico. Marinha, Exército, todos envolvidos ganhando dinheiro com um grande negócio.  Fujimori foi uma criação do capitão Vladimiro Montesinos, um ex-agente da CIA que se transformou num dos maiores traficantes do mundo em sua época. O esquema caiu porque o capitão quis ser mais importante que seu banqueiro. Ai armaram uma cilada para eles, derrubaram o governo e ambos estão presos.

A droga oriunda do Peru nessa época serviu para a Cia trocar drogas por armas que abasteceram os mercenários que travaram a guerra contra a revolução sandinista da Nicarágua. Armas compradas para serem enviadas ao Irã, foram desviadas e levadas para esses mercenários treinados e financiados pela Cia. Tem até filme sobre esse episódio, conhecido como Irã-gate, governo de Ronald Reagan, que autorizou tudo.

No pós Fujimori, baixou o ritmo, mas aumentou a presença militar dos EUA em oito bases, uma delas de alta tecnologia para monitorar a comunicação aqui na Nossa América que é mais dos ianques que nossa. 

A Colômbia, desde sempre, tem sido o que é hoje, responsável pela produção de 90% da cocaína comercializada no mundo. Produz também ópio, a partir da papoula, matéria prima para a heroína, droga pesada, e mais cara. O monopólio da produção dessa droga ainda está em países Asiáticos. Quando os EUA invadiu o Afeganistão colocou no poder um dos maiores produtores de ópio.

Na Colômbia, até há bem pouco tempo, os EUA mantinham 12 bases. Baixou para 8 graças a adoção de alta tecnologia. A embaixada ianque em Bogotá é uma imensa estação da Cia e da NSA que comanda as operações. 600 tropas especiais se encarregam de treinar os mercenários que diuturnamente fustigam a revolução bolivariana na fronteira com a Venezuela.

Na Colômbia, igrejas católicas e evangélicas sempre estiveram ao lado do sistema opressor

Para dar um só exemplo, no dia 7 de junho, despacho da Prensa Latina informava que as forças armadas venezuelanas desmantelaram 250 acampamentos de paramilitares operando na fronteira, nos estados de Apure, Táchira e Zulia.

Não conseguiram derrubar a revolução bolivariana porque o Estado é forte e tem um excelente serviço de inteligência para proteger a soberania do país. Por isso, os EUA e seus lacaios latino0-americanos declararam guerra contra a Venezuela.

No tempo do Brasil Império a região já era rota de tráfico ilegal

E o Brasil? Pelo Brasil passam 80% da cocaína comercializadas no mundo. Essa é a questão. 

Relatório mundial da ONU diz que em 2017 a produção mundial da cocaína bateu recorde de 1.976 toneladas, aumento de 25% em relação ao ano anterior e 50% em uma década. A Colômbia foi responsável por 70%.

Uma tonelada da folha de coca produz 2,24 kg de pasta básica da qual, em 2020, só a Colômbia produziu 1.010 toneladas de cocaína pura, que movimenta algo como 100 bilhões de dólares, segundo relatório anual da ONU sobre Drogas e Crime (Unodc).

O uso da tríplice fronteira como rota do tráfico tampouco é novidade. Sempre existiu, com maior ou menor volume nunca parou. No Império dos Bragança já era corredor do tráfico ilegal de ouro e prata da Bolívia. Dalí do Alto Amazonas vai de barco até a Europa.

Uma coisa é evidente. Não existiria esse tráfico no volume que alcançou sem a participação das agências de inteligência (DEA e CIA e a NSA, as forças armadas do Império e as tropas pretorianas das colônias ao sul do Rio Bravo.

O confronto entre as gangues é que produz desarranjos no esquema vez ou outra. Não é política de Estado acabar com isso. 

Quem são os operadores brasileiros ali na tríplice fronteira?

Todos os dias há notícias de apreensão de quantidades de droga em algum lugar do mundo. Toneladas de uma só vez. A média de apreensões que entre 1995 e 2004 era de seis toneladas por ano, agora é de 50 toneladas. Os jornais escondem. Só vira notícia quando o escândalo já não dá mais pra esconder. Como estão fazendo agora.

Por que agora? Seria, por acaso, por ter o esquema ganhado tal dimensão que começa a atrapalhar interesses, como aconteceu no Peru?

Não dá pra pensar que isso vai acabar. Extrapolam, a coisa fica muito evidente, põe em risco aqueles que mais lucram, os verdadeiros chefes. Desmontam um esquema surge logo outro no mesmo ou noutro lugar. Nas últimas décadas a produção de cocaína tem aumentado a cada ano.

Tropas de Israel vigiam fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai

Quem são os operadores brasileiros ali na tríplice fronteira? Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, Primeiro Comando da Capital, PCC de São Paulo e Cartel do Norte, de Manaus, totalmente dominada pelo Comando Vermelho.

Veio à tona agora, que são dois os cartéis internacionais que estão operando com as drogas nessa rota em parceria com as organizações criminosas brasileiras. Essa vinculação é super importante para alcançar os mercados internacionais. 

Cartel de Medellín, tradicional na Colômbia, principal financiador do narcoestado, com o clã Uribe na cabeça, teve Pablo Escobar como grande produtor, e estendeu seus domínios a Miami, no sul dos EUA

O Cartel de Sinaloa, um dos mais aguerrido no México, atua no Brasil junto com Jalisco Nueva Generación. Lopez Obrador está enfrentando com inteligência os cartéis do tráfico que mantinham o país numa verdadeira guerra civil. Primeiro tratou de desvincular o Estado e as forças armadas do esquema. Em décadas foi o primeiro presidente eleito sem o apoio do narcotráfico. Pegando a coisa pelo lado mais delicado que é o dinheiro e cortando o contrabando de armas. Controlando o fluxo de dinheiro nos bancos.  

Além do tráfico de drogas, tudo o que acontece ali naquela tríplice fronteira é ilegal: pesca ilegal, desmatamento ilegal, venda de madeira ilegal, garimpo ilegal, comércio de ouro ilegal, tudo fora da lei porque é uma área de reserva indígena. 

Em Tabatinga, brasileira com pouco mais de 70 mil habitantes, é vizinha conurbada da colombiana Letícia com pouco mais de 40 mil habitantes, hoje praticamente uma base militar. Na Colômbia sobrevivem pelo menos uns 115 povos originários, 64 dos quais nessa área, que é imensa. País que virou sinônimo para violência, em 2021, segundo a organização dos povos indígenas, Opiac, foram assassinadas 46 lideranças, entre elas 16 indígenas. Entre 2016 e 2021 foram assassinadas 611, nesta região.

Do lado peruano está Santa Rosa, uma pequena cidade, com uns 2.500 habitantes, longe de tudo, na verdade uma ilha no distrito de Yavari, na província de Mariscal Ramón Castilla, departamento de Loreto. E tudo ali navega pelos rios.

Nas lojinhas de Tabatinga você pode comprar ouro garimpado, mas quem comercializa e ganha dinheiro é a empresa FD Gold, de Dirceu Frederico Schiller, amigo do general Hamilton Mourão, com escritório na Av. Paulista em São Paulo. Em 2021 foi pego com 1.370 kg de ouro.

Tudo igual a chegada dos europeus em 1500

Se trata da Terra Indígena Vale do Javari, uma área de 85 mil km2. Muitas nações vivem ali, inclusive algumas isoladas, sem contato com os brancos, mas vítimas da cobiça das igrejas evangélicas que querem catequizar. Um etnocídio cultural também ilegal. Um confronto de caráter eugenista contra os povos originários.

Gente, isso começou em 1.500. O Brasil precisa ainda se configurar como Estado soberano, independente, com controle sobre os centros de decisão. 

Agora revelam que em 2019 enviaram para lá seis agentes da Força Nacional. Acham que meia dúzia de agentes podem dar conta dos cartéis internacionais? É, vale lembrar que foi coisa feita por Sérgio Moro quando Ministro da Justiça e da Segurança, do governo de ocupação.

Inédito: Com advogados indígenas, associação que representa povos originários denuncia Bolsonaro em Haia por genocídio

Mais recentemente, com o escândalo do desaparecimento de dois cidadãos de prestígio internacional, o Comando Militar da Amazônia mandou 140 militares para a região para auxiliar nas buscas. 

O que parece terra de ninguém é área militar de fronteira. Estão ali o 8º Batalhão de Selva, um destacamento de Controle Aéreo e uma Capitania de Portos da Marinha, subordinados ao Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, sob o mando do general Achilles Furlan Neto. 

Este comando conta com quatro brigadas de infantaria de selva; 4º Batalhão de Aviação do Exército, com 12 helicópteros; a 12º Região Militar, Manaus; o 2º Grupamento de Engenharia. Além disso, conta também com o 9º Distrito Naval e com o 7º Comando Aéreo Regional e como se não bastasse, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas sob o comando de um general, Carlos Alberto Mansur. Eles não se movimentaram porque aguardavam ordens superiores.

O general Hamilton Mourão, atual vice e presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, criado pelo governo de ocupação, entre 2006 e 2008 comandou a 2ª Brigada Militar de Selva. Confessou que fracassou no controle do desmatamento. Agora quer ser senador pelo Rio Grande do Sul. Óbvio, quer imunidade, não quer pagar por seus crimes.

São já vários generais do governo de ocupação que deixam o posto para se candidatarem a algum posto. A ideia é continuar a ocupar todos os espaços e assegurar os privilégios, e… pelas dúvidas, ter um cargo que assegure impunidade. 

Paulo Cannabrava Flho, jornalista e editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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