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Neste 30 de outubro, Dilma venceu. Venceu a injustiça e a disputa pelo curso da História

Há pouco mais de seis anos, Dilma Rousseff proferia seu discurso de despedida após ter seu impeachment aprovado pelo Senado
Glauco Faria
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

“Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment. Mas o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática.”

Era um 16 de agosto, há pouco mais de seis anos, que Dilma Rousseff proferia seu discurso de despedida após ter seu impeachment aprovado pelo Senado por 61 votos a 20, uma decisão, como disse ela própria na ocasião, que entraria “para a história das grandes injustiças” ao interromper um mandato por um crime de responsabilidade que nunca existiu.

Dilma estava serena. Como esteve em tantos momentos de sua trajetória. Não apenas como presidenta ou na sua luta contra a ditadura civil-militar. Talvez muitos a tenham conhecido de fato quando, em 2008, enfrentou o senador Agripino Maia (do então PFL), que a acusou de ter mentido quando foi interrogada e torturada no regime autoritário brasileiro

“Qualquer comparação entre ditadura e democracia só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira. Eu tinha 19 anos e fiquei três anos na cadeia e qualquer pessoa que ousar dizer a verdade a seu torturadores pode colocar a vida de seus pares em risco”, disse a então ministra-chefe da Casa Civil no depoimento à Comissão de Infraestrutura do Senado. “Eu me orgulho de ter mentido. Mentir na tortura não é fácil.”

Há pouco mais de seis anos, Dilma Rousseff proferia seu discurso de despedida após ter seu impeachment aprovado pelo Senado

Sara Sulamita / Levante Popular da Juventude
Hoje, ela venceu. Um triunfo que representa o de outras muitas e muitos. E também daqueles que virão

Aquele foi um dos momentos em que a então ministra não só defendeu sua história, como a de milhares de pessoas que sofreram com torturas e perseguições em um período em que democracia era bem menos que uma palavra vazia. O embate também era ilustrativo das feridas nunca fechadas pelo que aconteceu no país, e que voltariam a sangrar quando um ex-capitão pronunciou seu voto a favor da abertura do processo de impeachment de Dilma em 2016.

No voto de Bolsonaro que homenageou um torturador e a própria tortura, a maior parte da sociedade assistiu ao espetáculo tenebroso inerte, entregue a um clima de ódio que o próprio deputado aproveitaria para pavimentar seu caminho à Presidência dois anos depois. Era o retrato de um país que nunca se encontrou de fato com sua transição mal resolvida.

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Quando foi perguntada sobre o que sentiu naquele momento, em 17 de abril, Dilma mais uma vez foi certeira: “O voto do deputado Bolsonaro é cruel com o Brasil. Extremamente cruel. Por incrível que pareça, é a maior pergunta em todas as minhas entrevistas internacionais. Porque não entendem como é possível na casa, que é a Casa da democracia, alguém votar pela ditadura. Pela tortura, e pelo que um torturado é capaz de produzir em alguém. São práticas que não podem ser consideradas de serem passíveis de serem homenageadas, de serem objeto de orgulho. E a maior pergunta para mim é: por que foi possível?”

Na mesma entrevista, questionada sobre a serenidade que sempre demonstrou em momentos difíceis, ela sintetizou: “Não é necessário chorar para sofrer”. 


Volta por cima

Após o golpe que a apeou do governo, Dilma ainda seria derrotada na disputa pelo Senado em Minas Gerais nas eleições de 2018, as mais atípicas da história, quando o antipetismo era a tônica. Continuou na vida pública, mesmo sem candidatura, mas ocupando o espaço político e não se esquivando do debate em um momento difícil para o PT e para o campo progressista, período em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava no cárcere.

Chegado o período da campanha eleitoral, os ditos analistas políticos diziam que, para vencer as eleições, Lula teria que “esconder” Dilma. Mas em seu primeiro evento público oficial em São Paulo, em um comício no Vale do Anhangabaú, o ex-presidente exaltou sua companheira de partido.

“Às vezes a extrema direita condena um dos nossos e nós acreditamos em parte da mentira contada”, falou Lula. “Inventaram uma mentira contra ela, inventaram uma pedalada. Imagina o que é uma pedalada da Dilma contra as motociatas que esse genocida faz hoje”, pontuou, referindo-se a Bolsonaro.

Ao som dos aplausos do público à ex-presidenta, Lula disse ainda que o povo de São Paulo havia a “absolvido”. “Você foi inocente porque deram um golpe em cima de você.”

O sentido da História está sempre em disputa. E quem faz política não pode abrir mão disso. A vitória de hoje é uma demonstração de que a condenação não só de Lula, mas também de Dilma, impedida por um crime de responsabilidade que não cometeu, não encontra mais eco no senso de justiça de boa parte da população.

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A ex-presidenta foi cercada por apoiadores ao votar quando votou em 2 outubro, no primeiro turno em que o grito da vitória ficou preso na garganta. Durante muito tempo alvo de ataques baixos, da misoginia que atinge mulheres brasileiras há séculos, em especial aquelas que ingressam na política ousando passar dos limites estabelecidos por um país patriarcal, ela estava alegre, leve. Provavelmente com a sensação de quem sabe que trilhou um caminho oposto a de seus algozes, tanto aqueles dos anos 1960 quanto os de hoje. Pode sair às ruas com a cabeça erguida, o que muitos deles não podem fazer.

Hoje, ela venceu. Um triunfo que representa o de outras muitas e muitos. E também daqueles que virão.

Glauco Faria | Brasil de Fato


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Glauco Faria

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