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Cannabrava | Impunidade estimula atitude golpista

É preciso que se realize uma Conferência sobre Segurança e o papel das forças armadas para resolver de vez a questão militar
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Em editorial sobre “a impunidade dos generais golpistas”, Le Monde Diplomatique de setembro de 2023 lembra que os que deram o golpe em 1964 puniram ou afastaram, “de 1964 a 1970, 53 oficiais generais, 274 oficiais superiores, 111 oficiais intermediários, 113 oficiais subalternos, 936 suboficiais, sargentos, cabos e soldados. Todos acusados de comunistas, de esquerda, de defensores de uma política nacionalista de desenvolvimento e de soberania para o Brasil”.

Depois disso houve a reforma tanto no currículo da Aman – Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, como na Escola Superior de Guerra, a ESG. Tudo isso com assessoria dos Estados Unidos. Alguns dos manuais utilizados eram cópias dos utilizados nos institutos castrenses estadunidenses.

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O General Vernon Walter, adido militar na embaixada ianque, era visto cotidianamente em Palácio como se assessor fosse do general Castelo Branco, o primeiro dos governantes militares do ciclo que duraria 21 anos.

A Doutrina de Segurança Nacional, elaborada na Junta Interamericana de Defesa, amparada em tratados, foi adotada pela maioria dos países de Nossa América, transformando nosso povo no inimigo a ser combatido. A Guerra Fria foi na verdade uma intensa guerra psicológica e de inteligência, que submeteu intelectuais, mídia e até mesmo sindicatos.

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Na Guerra Fria, os Estados Unidos consolidaram a ocupação militar e econômica da Europa e tratou de recolonizar a América Latina, com certo êxito. Desde o golpe contra Arbenz, na Guatemala, em 1954 até 1970, houve uma sucessão de centenas de golpes de estado ou ações desestabilizadoras, a impor governos fiéis e impedir o desenvolvimento soberano dos países ao Sul do Rio Bravo. 

Finda a Guerra Fria entramos em um novo ciclo, do neoliberalismo, em que com novas táticas de guerra se impôs um pensamento único, sistematizado pelo Consenso de Washington. Tendo o dólar como arma, consolida a hegemonia dos Estados Unidos num mundo quase unipolar.

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Nesse período a partir dos anos 1970, mais notadamente nos anos 1980, se vive a ditadura do pensamento único na mídia, nas universidades e nos partidos políticos. Paralelamente se estabelece uma verdadeira promiscuidade entre as forças armadas e os agentes dos Estados Unidos. 

O Tratado Dilma Obama oficializa o que já era de praxe. E a Casa Branca muda de tática. Não mais os militares, agora são as próprias instituições do Estado, cooptadas, a serem utilizadas para a dominação imperial. Lawfare, utilizando o sistema de justiça, e o combate à corrupção, em que a mídia tem papel fundamental.

Assistimos no Brasil a desmontagem do Estado, a destruição das grandes empresas de engenharia, o fim do monopólio da Petrobras e da Vale. Dallagnol e Moro deveriam ser julgados como traidores da pátria, pois estiveram o tempo todo a serviço do Departamento de Justiça, da Secretaria de Estado Estadunidense (Relações Exteriores), da Casa Branca e da Cia, empenhados em subjugar o poder e anular as possibilidades de desenvolvimento.

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Com a Cambridge Analytica, aprimoraram as táticas de guerra cultural e psicológica e promoveram a fraude eleitoral de 2018 que levou de novo as forças armadas para o poder. Quem são os militares que assumiram o poder junto com Bolsonaro? Mais de uma geração de oficiais educada pelos militares que protagonizaram o ciclo de 1964, ou pelo legado por eles deixado. 

O espírito da guerra fria se manteve vivo, vendo comunismo para ser combatido em qualquer manifestação visando desenvolvimento com soberania. Seus heróis são os algozes de nosso povo, os sádicos torturadores. A promiscuidade com o meio castrense estadunidense chegou ao ponto álgido com a participação de oficial de alto comando no Comando Sul dos Estados Unidos e anunciado como aliado fora da Otan.

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No poder durante quatro anos, sem nenhum projeto de nação, os militares se deslumbraram com o ganho de dinheiro fácil. Alguns ganhando até três vezes o teto salarial, fora os ganhos por corrupção. Foram um desastre no combate à Pandemia, e eficientes na condução da gestão da economia, levando a cabo desmontagem do Estado, desestatização, privatização, desindustrialização, desnacionalização, precarização, desemprego e exclusão social. 100 milhões, metade da população, marginalizados, 30 milhões com fome.

A experiência no poder foi enriquecedora, literalmente. Não queriam largar mais. Assim como tinham planejado a captura do poder em 2018, tinham planejado a permanência no poder. Daí a tentativa de impedir a posse do presidente eleito.

Eles tinham certeza da vitória. Tinham os milhões da ajuda assistencial para comprar votos, utilizaram de todos os recursos da guerra psicológica, abuso do poder econômico, o que caracteriza fraude eleitoral. 

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É preciso que se realize uma Conferência sobre Segurança e o papel das forças armadas para resolver de vez a questão militar

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
É preciso que se realize uma Conferência sobre Segurança e o papel das forças armadas para resolver de vez a questão militar

A Frente Democrática formada em torno da candidatura de Lula venceu a eleição e venceu a fraude. Foi uma dupla vitória.

Os depoimentos na CPI sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, bem como as investigações levadas a cabo pela Polícia Federal, deixam claro que toda a instituição estava comprometida com a tentativa de impedir a posse do presidente eleito. 8 de Janeiro foi isso.

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O que levou na última hora o alto comando a desistir da aventura ainda está para ser revelado. Fizeram o que fizeram porque tinham certeza da impunidade. E é essa a questão atual: julgar e punir os responsáveis, independentemente da patente militar.

O clima é favorável para o retorno dos militares aos quartéis. Que lá permaneçam em obediência ao comandante supremo que é o presidente da República e obedeçam a Constituição. Mas, isso não basta.

É preciso que se realize uma Conferência sobre Segurança e o papel das forças armadas para resolver de vez a questão militar que se arrasta desde a proclamação da República.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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