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ToggleNenhum Estado tem hoje a capacidade de abordar sozinho a problemática da mobilidade humana, dada sua natureza transnacional e multidimensional; portanto, a cooperação é a única alternativa possível.
Assim consideraram participantes de um encontro regional destinado a revisar o Pacto Mundial por uma Migração Ordenada, Segura e Regular, realizado na sede no Chile da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Trata-se de um instrumento internacional não vinculante, assinado em 10 de dezembro de 2018, no Marrocos, e adotado pela maioria dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), com exceção dos Estados Unidos.
Os deslocamentos massivos são uma questão preocupante em todo o mundo, mas, nas últimas semanas, ganharam maior notoriedade após as medidas adotadas pelo governo de Donald Trump, que declarou guerra às pessoas que estão em seu país sem a documentação exigida.
A migração na América Latina e no Caribe
O secretário-executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, lembrou que a migração tem acompanhado a história e o desenvolvimento dos países da região, sendo uma dinâmica central das economias e sociedades atuais.
Este é, afirmou, um dos grandes desafios para avançar rumo a um futuro inclusivo e sustentável, em um momento em que enfrentamos uma crise de desenvolvimento caracterizada por três armadilhas: baixa capacidade de crescer, alta desigualdade, pobre mobilidade social e frágil governança.
Destacou, ainda, que todos os países da região fazem parte dos ciclos migratórios, seja como origem, destino, trânsito ou retorno — um processo que se tornou mais complexo, não apenas nos últimos anos, mas especialmente nas últimas semanas.
Segundo estimativas da ONU, em 2024 cerca de 48 milhões de latino-americanos e caribenhos viviam fora de seus países de nascimento, o que representa 16% da população migrante total no mundo.
Salazar-Xirinachs informou que os Estados Unidos são o principal destino, com 26,4 milhões de pessoas, seguidos pela Espanha, com 4,1 milhões — embora seja importante destacar que os deslocamentos inter-regionais continuam aumentando.
A proporção dos que viajam e se estabelecem em outros países da região cresceu de 15% em 2000 para 29% em 2024, o que representa 14 milhões de pessoas, informou o dirigente.
Entre os principais fatores que levam à saída do país de origem estão a pobreza, a falta estrutural de oportunidades para conseguir um trabalho decente, as crises econômicas e humanitárias, os desastres naturais e a violência generalizada.
Por uma migração sem xenofobia
Em relação à situação gerada pelas decisões do governo dos Estados Unidos, María Teresa Ureña, da Rede Jesuíta da Colômbia/Bloco Latino-americano, disse que não esperavam ver tão cedo o ataque frontal que as pessoas migrantes estão enfrentando.
“Não imaginávamos que os hotéis se transformariam em novos centros de detenção e que ter uma tatuagem seria a principal prova em um julgamento sumário para justificar reclusões em locais de segurança máxima”, afirmou a ativista.
Segundo Ureña, os cortes nos programas de cooperação, tanto humanitária quanto para o desenvolvimento, estão afetando as organizações encarregadas de oferecer ajuda às pessoas em trânsito, geralmente de recursos muito escassos.
É preciso reconhecer, segue, que os migrantes fazem parte dos eixos que movem a economia, tanto nos países de acolhida, onde são fonte de mão de obra e colaboram para aliviar o envelhecimento populacional, como nos de origem, graças ao envio de remessas que constituem uma contribuição ao ingresso de capitais.
Daí a importância dos programas de regularização legal realizados em vários países, que são vitais para a aquisição e o desfrute de direitos, como a proteção à infância, às mulheres e às minorias étnicas, bem como o acesso à saúde, à educação e à moradia digna.
Os Estados também têm a obrigação de combater a discriminação e a xenofobia contra quem chega de outros lugares e tenta se integrar à sociedade, disse Ureña, e condenou o uso eleitoral e a polarização das sociedades diante desses fluxos humanos.
Afirmou que a migração não é um risco para a segurança nacional e, quando bem administrada, torna-se uma oportunidade para o desenvolvimento.
A urgência de agir para proteger os migrantes
Amy Pope, presidenta da Organização Internacional para as Migrações (OIM), afirmou que a mobilidade humana é um fenômeno mundial, mas o que se vê na América Latina na última década é algo único e demonstra a necessidade de avaliar o que está sendo feito e para onde devem se direcionar os esforços para proteger as pessoas.
Milhares morreram durante o trânsito por rotas cada vez mais perigosas, sendo abusados, sequestrados e extorquidos por bandos do crime organizado e, não raramente, acabam abandonados por guias que cobram preços excessivos por uma viagem com destino incerto.
De acordo com a máxima responsável pela OIM, nos últimos anos ocorreu um fenômeno em que cada vez mais pessoas viajam em direção à fronteira com os Estados Unidos, passando pelo México, e, diante da falta de acesso, muitos acabam ficando retidos.
Devemos, disse ela, encontrar alternativas e discutir como abordar esse tema de maneira construtiva e flexível, para que os viajantes sejam tratados com justiça durante todo o trajeto.
A funcionária referiu-se a um tema que é central nestes dias: o retorno, que não deveria ser visto como um fracasso, mas como uma oportunidade de reinserção na comunidade de origem, graças a um esforço conjunto das instituições públicas, da sociedade civil e do setor privado.
“Anos de experiência na OIM nos ensinaram que o trabalho é a melhor maneira para que uma pessoa se torne parte ativa da sociedade”, explicou Pope.
Nesse sentido, a vice-presidenta da Guatemala, Karin Herrera, explicou à Prensa Latina que seu país implementou o plano Retorno ao Lar, para oferecer melhores oportunidades àqueles que regressam, começando por uma recepção digna, seja no aeroporto ou nos postos fronteiriços.
Trata-se de um programa que, na realidade, começa nos consulados no exterior, sobretudo nos Estados Unidos, onde são informados sobre seus direitos e quais são as alternativas diante das diferentes situações.
Ao ingressarem no país, é realizada uma pesquisa para identificar suas competências e formação, e, com isso, buscar — por meio do Ministério do Trabalho — que possam efetivamente contar com um emprego, explicou Herrera.
A vice-presidenta comentou à agência que o desafio é unir-se na região para regularizar a migração, mas também em torno da defesa dos direitos das pessoas.
Durante a segunda revisão regional do Pacto Mundial para a Migração, na sede da Cepal, foram abordados temas como inclusão, fatores de impulso e rotas seguras, governança, retorno e readmissão digna, além de cooperação internacional.
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