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Cannabrava | Inelegível, mas continua em campanha e ditando pautas

Calá-lo, impossível. Mas se pode sim cercear seus movimentos metendo-o no cárcere. Não faltam atributos para que seja julgado, condenado e preso
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Inelegível nas presidenciais de 2026, porém, Bolsonaro permanece em campanha, reproduz seu comportamento durante os quatro anos do governo, inclusive usa os verbos como se ainda estivesse no cargo. Foi treinado para isso. 

É presidente de honra do PL e continua fazendo política. Em Goiás visitou o governador Ronaldo Caiado (União) e, discursando em carro de som, foi chamado de mito. “Sou o ex mais amado do Brasil”, bazofiou.

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Continua candidato. Percam as esperanças os que pretendem ser seu sucessor, ocupar seu lugar como candidato. Está escrito nos manuais de guerra psicológica, o candidato é ele, e disso não abre mão. Não importa que esteja impedido de disputar, o que importa é estar em campanha.

Calá-lo, impossível. Mas se pode sim cercear seus movimentos metendo-o no cárcere. Não faltam atributos para que seja julgado, condenado e preso. Basta com pegar o relatório da CPI da Covid-19 para condená-lo a mais de 100 anos. O que falta é vontade política.

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Por excesso de vontade política colocaram o Lula na prisão, sem culpa, julgado por tribunal incompetente para julgar, e o mantiveram fora de um pleito em que iria ganhar. Ditadura chinfrim.

Falta vontade política também no Tribunal Penal Internacional. Estavam atentos para julgar Putin pela guerra movida pela Otan contra ele, mas não estão aptos para julgar o Bolsonaro por crime de lesa humanidade cometido contra os povos originários.

Calá-lo, impossível. Mas se pode sim cercear seus movimentos metendo-o no cárcere. Não faltam atributos para que seja julgado, condenado e preso

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Apoiadores de Bolsonaro aguardam sua chegada no Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília (DF), em 30 de março de 2023

Esses, que o chamam de mito, são um retrato de parte da população que prefere estar fora da Lei ou sob a Lei de um deus qualquer. Gente que precisa dele em campanha. E a mídia hegemônica, porta voz do deus mercado financeiro, precisa também que ele se mantenha em campanha.

Em Roma, Itália, o ministro Alexandre Moraes foi xingado de bandido, vendido, comunista, no aeroporto internacional por pessoas que são proprietárias de Clube de Tiro que perderam totalmente a influência com a troca de governo. E foi Moraes que lhes roubou o “mito”. 

A PF foi acionada para investigar, mas isso está fadado a dar em nada. Vale registrar para ilustrar a tese.

A direita continua na ofensiva. São eles que pautam a mídia e, como a mídia pauta a mídia, repercute.

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O censo mostra um interior urbanizado e rico por conta do agronegócio. Cidades com o maior poder aquisitivo constituem bolsões de riqueza cercados por uma outra cidade, a dos excluídos, em que vigora a pobreza e a miséria. Hoje, esse panorama que era próprio das capitais se reproduz por todo o país.

Um Brasil de ricos, analfabetas funcionais a exibir seus carrões, indiferentes à miséria que os cerca. Um Brasil bandido que prefere estar fora da Lei, cercado por 70 milhões na insegurança alimentar, 21 milhões passando fome, 100 milhões na informalidade.

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O discurso de que os comunistas querem acabar com a propriedade privada, alimentado pela teologia da prosperidade, pega. Absurdo que pega e ecoa através das mídias locais. Jornais impressos e principalmente emissoras de rádio e televisão, em cada um dos mais de seis mil municípios, propriedade dos coronéis da política ou de agrupamentos religiosos complementam o cenário em que a direita deita e rola. E o governo continua a perder a batalha que se trava com os meios de comunicação.

Reforma tributária

A questão tributária afeta a todo portador de CPF ou CNPJ, indistintamente, mas a proposta de reforma tributária só foi discutida por uma elite de parlamentares, prefeitos e governadores. O povo ficou fora. Inclusive aquele povo reunido em organizações como associações ou sindicatos não se mobilizou para interferir no processo.

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Aprovada a toque de caixa na Câmara Federal, em que se impõe a vontade ditatorial do presidente da casa, agora está no Senado onde tramitará até setembro ou mais. É tempo suficiente para que a sociedade se organize e reivindique participação. 

Poderia ser organizada uma Conferência sobre Reforma Tributária, onde a população discutisse o que melhor lhe convém ali na base dos municípios, estados, até uma conferência nacional. 

Diz a Constituição que o poder emana do povo e por ele será exercido. Nada como uma conferência organizada desde a base da sociedade para exercer a democracia. Doce ilusão. A elite não vai abrir mão de decidir sobre o que lhe afeta o bolso diretamente.

Está mais do que na hora da sociedade se organizar e exigir ser ouvida através das Conferências. Recentemente houve uma conferência de Saúde, por que não convocar outra para Educação? Para o Orçamento?

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A prática do Orçamento Participativo, que deu certo, foi abandonada precisamente pelo que tinha de bom. Está na hora de retomar as Conferências Comunitárias, uma maneira de educar o povo sobre as questões nacionais que importam a cada um.

Valorizar os municípios. Ali na base da sociedade, onde as coisas acontecem. No município, o povo determina as prioridades para mais ou menos investimento.

Conferência indígena

O cacique Raoni Metuktire está convocando uma Conferência para definir nova fase da luta pelos direitos dos povos indígenas. Pretende reunir 500 pessoas, os caciques das várias etnias, ministros de estado, intelectuais dirigentes de entidades sociais, na aldeia Piaraçu, sua aldeia em Mato Grosso, de 24 a 28 de julho.

Será o maior evento jamais realizado na história. Os convidados dormirão em redes, tomarão banho de rio, haverá casas de palha para os acostumados com privacidade. Os dois últimos dias estarão abertos para não indígenas. O presidente Lula está convidado, e segundo Raoni comparecerá.

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Nós sempre estivemos no Brasil, queremos que o Congresso, os poderes nos estados e municípios reconheçam isso, diz Raoni. A luta pelos direitos é uma luta pelas terras, pela proteção das florestas e pretende ter um pensamento unificado entre as múltiplas lideranças.

É importante porque em agosto haverá a reunião de cúpula do clima das Nações Unidas no Amazonas e os indígenas pretendem ser ouvidos. Os direitos dos povos indígenas não podem ser negociados nessa coalizão governamental. Uma justa preocupação.

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O Marco Temporal, PL 490, foi aprovado na Câmara em 30 de maio em represália à decisão de Rosa Weber, presidente do STF, de colocar em pauta a inconstitucionalidade do marco temporal que poderá ser julgado até setembro. O PL determina que os indígenas só têm direito às terras que estavam ocupadas ou disputadas em 5 de outubro de 1988, promulgação da Constituição em vigor.

O STF tem que confirmar os direitos dos povos originários e encerrar o assunto, sair dessa barbárie que foi para os indígenas o governo dos militares, encerrado em 1 de janeiro de 2023. Enquanto isso, o projeto 490 agora vai para o Senado, como projeto 2903, pode ser piorado ou mesmo arquivado.

O governo de Lula oferece um outro cenário, bem mais favorável para os povos originários, com o fato inédito da criação do Ministério dos Povos Indígenas, entregue a Sonia Guajajara, ela mesma uma indígena e que reorienta a Funai para retomar a remarcação dos territórios. Outro passo adiante foi a entrega do Ministério do Meio Ambiente para Marina Silva, ambientalista reconhecida mundialmente. Como disse Raoni, não pode ser colocado na mesa de repartição da difícil governabilidade de coalizão.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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