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Cannabrava | Judicialização da política e politicialização da justiça

O problema é sério demais. A Instituição é inimputável. Como punir a instituição? Só desfazendo-a
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul

Tradução:

Está a ocorrer no Brasil uma judicialização da Política e uma politicialização da Justiça. Tivemos que inventar uma palavra nova para descrever que o que ocorre na Política com o poder judiciário arvorando-se em poder político, ocorre da mesma maneira na política arvorando-se de poder judicial.

Essa ocorrência está na raiz da insegurança jurídica que tanto dano tem causado ao país. Episódios como o “Mensalão”, a Operação Lava Jato, são típicos. Não é normal, mas no momento, de transição do poder dos militares para os civis, isso ocorre obrigado pelas circunstâncias, como necessário, diferente das demais ocasiões em que faz parte das táticas de guerra cultural, guerra psicológica, guerra híbrida, em que a guerra judicial (lawfare) ganha protagonismo.

O Procurador-Geral da República, advogado Augusto Aras, engavetar 107 pedidos de investigação contra o presidente da República, ou o Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, segurar mais de 100 pedidos de impeachment, é política se impondo sobre a justiça, como também o é impor o domínio do fato como teoria para condenar sem provas.

E sabemos todos, comprovados pelos fatos, que sem segurança jurídica não há democracia nem desenvolvimento possível. Por isso mesmo os senhores do imperialismo inventaram uma fórmula nova de golpe de estado, chamada de lawfare, guerra judicial. Utilizando juízes, derrubaram um governo e instalaram outro sem precisar dos generais para dar um tiro.

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O lawfare é precisamente isto. Fazer da justiça uma arma política para impor sua hegemonia, por e tirar governos, desestabilizar, implantar o caos.

O imbróglio político e judicial que estamos vivenciando só se resolve com o funcionamento normal das instituições, respeito à Constituição e aos Códigos complementares, o arcabouço legal do Estado. Depende, portanto, da direita aceitar as regras. Já há setores convencidos de que as regras precisam ser seguidas para que o Estado volte a funcionar. Mas continua a existir setores infensos às mudanças, civis e militares, com prevalência militar, e de algumas denominações religiosas, evangélicas neopentecostais.

Para alcançar a segurança jurídica necessária, a justiça precisa ser igual para todos. Parece um chavão desusado, enfatização do óbvio, mas, chegamos ao estado de insegurança precisamente porque a Justiça foi justa para alguns, leniente para outros, injusta para uns tantos. Ser leniente é ser cúmplice.

Vale recordar alguns dos momentos que antecederam a farsa eleitoral de 2018, que “legitimou” a captura do poder por militares das forças armadas. Não tem como isentar o poder judiciário da responsabilidade de ter mantido Lula fora da disputa, facilitando ao extremo a captura do poder pelos militares através da farsa eleitoral de 2018.

Em 2017, plena campanha eleitoral e bem antes, militares da ativa e da reserva pregavam o golpe, ameaçavam com guerra civil caso Lula vencesse o pleito. Nenhum deles foi sequer indiciado para ser julgado e condenado por vários crimes contidos na atitude. Oficiais de alta gradação levavam Bolsonaro candidato a fazer proselitismo eleitoral dentro dos quartéis e academias e nada acontecia. Se acostumaram, a impunidade tornou-se hábito, prática diária desde a transição de 1988, agravada nos quatro anos de gestão dos militares no Planalto. Apeados do poder, seguem apostando na impunidade, burlando as leis, violando a Constituição.

O problema é sério demais. A Instituição é inimputável. Como punir a instituição? Só desfazendo-a

Agência Brasil
A única maneira de enfrentar as narrativas impostas pela direita é levando a verdade ao povo

Essa certeza de impunidade levou os oficiais das mais altas patentes a envolverem as forças armadas, a instituição armada do Estado, nos intentos golpistas que culminaram com os atos de depredação e terrorismo dos dias 12 de dezembro e oito de janeiro. O problema é sério demais. A Instituição é inimputável. Como punir a instituição? Só desfazendo-a. 

Liquidar com essa instituição nascida para ser guarda pretoriana seria o ideal. Fazer uma nova sob os princípios do direito, para ser guardiã da independência e da soberania. Mas, não havendo condições para isso, o que fazer?

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Punir seletivamente aqueles que mais se expuseram e mais atuaram na mobilização dos demais oficiais é obrigação do Estado. Não o fazer é estimular a continuidade da ilegalidade. Tem que ser ato do comandante em chefe de todas as forças militares ou civis ou policiais, que é o presidente da República. O presidente ordena, os militares cumprem

Paralelamente, trabalhar para que se generalize o sentimento patriota, da pátria soberana de todos. Levar a verdade ao povo. A única maneira de enfrentar as narrativas impostas pela direita é levando a verdade ao povo. O sistema de comunicação e inteligência trabalhando sob a bandeira de libertação nacional.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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