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Cannabrava | Juventude deve ser protagonista, ouvir e ser ouvida na construção do novo Brasil

O caminho a seguir é o de uma profunda revolução cultural e só a rebeldia da juventude poderá desencadeá-la. Há que fazer as coisas acontecerem
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Vendo tantos jovens e tanta perplexidade entre os jovens é irresistível a tentação de perguntar: o que acontece com a nossa juventude? Onde está essa juventude? O que há com a juventude?

O tempo é de novos paradigmas. A prolongação no tempo do poder das oligarquias nos levou à ditadura do pensamento único. Isso nos obriga a repensar tudo, da filosofia à política, da ciência social às ciências exatas. Tudo se transforma na sociedade do espetáculo, do dinheiro líquido. 

Sem mudanças de paradigma, nada muda, ou seja, o mundo continua sendo a mesma porcaria, as nossas sociedades (latino-americanas) continuam a regredir. Precisamos retomar o caminho da construção de um pensamento próprio — brasileiro, argentino, peruano, mexicano, etc. Sim, retomar, porque já trilhamos esse caminho. Estão tentando trilhar de novo na Bolívia, no Peru, no México.

O caminho a seguir é o de uma profunda revolução cultural e só a rebeldia da juventude poderá desencadeá-la. Há que fazer as coisas acontecerem

Midia NINJA
Levante Popular da Juventude é um dos movimentos que reúne jovens em todo Brasil

Está na hora — afinal já temos quinhentos anos!!! Temos nossa própria cara — de brasileiros, de peruanos — temos uma cultura em pleno desenvolvimento em alguns países com mais tradição em outros com menos, porém, ninguém nega a existência de identidades culturais e nessa diversidade uma identidade latino-americana. Não obstante, apesar disso, somos colonizados. Alienados e colonizados e é isso que garante a continuidade do status quo.

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Li recentemente mais de dois textos publicados em jornais evidenciando preocupação pelo fato de que em nossas sociedades se está perdendo o sentido de comunidade pelo de individualidade. Gilberto Dupas, membro do Centro de Altos Estudos da USP, em artigo intitulado “O indivíduo venceu o cidadão” publicado pelo O Estado de S. Paulo em 7/1/06, alerta para os riscos que isso traz para o desenvolvimento da nação e do estado, pois “a verdadeira política só é viável a partir da ideia de cidadania” e que, citando Margaret Thatcher,
“não há mais salvação pela sociedade. Não existe a sociedade”.

O homem e seu umbigo. Os demais não importam. Podem matar, podem incendiar, podem invadir, o que interessa são meus lucros, minhas sinecuras. Nesse ritmo, não demorará muito para que também o sexo também se faça individual e virtualmente. 

Se isso não é motivo para uma revolução cultural, toda a humanidade estará em risco.

Para viabilizar essa ideia de mudança é preciso que se tenha um ensino que forme uma juventude capaz de olhar crítica e criativamente a realidade. É necessário que se tenha uma universidade que com esse novo olhar (crítico e criativo) pense e invente o modelo de desenvolvimento necessário para o país crescer com independência, soberania e tendo como objetivo fundamental que cada cidadão/cidadã possa realizar-se em todo seu potencial de pessoa humana.

Delírio? Não! Basta que se queira e se inicie a cobrar, se comece a se organizar para que a cobrança resulte. A pressão social tem que se tornar irresistível para que, se produzam as mudanças. Mas também é necessário encontrar, ou melhor, libertar dentro de cada um de nós esse novo ser capaz de produzir as mudanças necessárias.

Temos que repensar a relação das gerações que estão no poder com a juventude. A minha relação como comunicador com a juventude. Há diálogo? Paulo Freire me ensinou que eu tenho sempre o que aprender interagindo com a juventude. Sigo à risca esse preceito. Há reciprocidade? Está a juventude disposta a dialogar com quem acumulou experiências e conhecimentos, principalmente experiência? 

Vivemos em cada centro urbano as realidades de duas cidades, situação essa exacerbada nas áreas metropolitanas.  Essas realidades não só se diferenciam nas paisagens urbanas mas também no ethos  cultural, no ethos moral. 

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Esse segmento privilegiado ainda não se deu conta de que é parte de uma sociedade excludente e que ele próprio é excluído. Excludente porque protagoniza uma realidade que discrimina, que não dá oportunidades para um contingente que é majoritário na população brasileira. Excluído por auto-opção, porque ao ser excludente se marginaliza, vive em fortalezas, anda em carros blindados. 

Excludente por ser predadora, por continuar a ocupação predatória do território nacional. Excluída porque ao destruir a natureza está destruindo a própria condição de sobrevivência de seus descendentes. Porque se auto-exclui da história, da tradição e da construção do futuro.

Eis aí o grande busilis da atualidade: que país queremos? Essa é uma pergunta cuja reflexão nos remete a muitas outras indagações igualmente cruciais. Que democracia queremos? Que política queremos? Que desenvolvimento queremos? Qual o papel da juventude na construção desse novo país? Qual o papel daqueles que sonham com um mundo melhor, daqueles que pregam a paz?

Che Guevara, estimulado pelo pensamento de Frantz Fannon, sonhava com um homem novo, que seria resultado da conquista de um estado revolucionário. Não será inverso o caminho a seguir? O homem novo construir o estado necessário? Ou seriam simultâneos os caminhos. O certo é que sem novos paradigmas não se pode alterar o status quo.

Se é assim, o caminho a seguir é o de uma profunda revolução cultural e só a rebeldia da juventude poderá desencadeá-la.  

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Só a rebeldia da juventude pode conduzir a isso. A desesperança que é comum à juventude de todas as cidades podem ser utilizada como elemento aglutinador, unificador, ou melhor, deve ser utilizada como motivação para transformar essa força negativa em força transformadora. O ensino melhorará se todos exigirem uma escola melhor — a classe média sabe como isso funciona e todos devemos aprender essa lição. A universidade se transformará se todos exigirem uma universidade para pensar o Brasil de um ponto de vista brasileiro. Inúmeras, incontáveis são as manifestações da sociedade civil — fóruns, conselhos comunitários, ONGs e Oscips, sindicatos, partidos políticos, parlamentos — todas contestando o status quo e propondo uma sociedade mais justa e igualitária.  Discute-se de tudo com ampla liberdade e autonomia, e inclusive há muitos que criticam, o que é ótimo. Não obstante, as coisas não acontecem e nada muda. Eis aí a questão: fazer as coisas acontecerem.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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