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Carta de senador dos EUA expõe influência do país em golpe contra Cristina Kirchner

Ted Cruz enviou um documento ao Departamento de Estado dos EUA afirmando que vice-presidenta argentina socava "os interesses estadunidenses"
Stella Calloni
Diálogos do Sul Global
Buenos Aires

Tradução:

O chanceler Santiago Cafiero considerou a última sexta-feira (26) como uma prova de que a perseguição judicial contra a vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner está “impulsionada por interesses ideológicos que nascem fora da Argentina”, ao reagir à carta enviada pelo senador republicano Ted Cruz ao Departamento de Estado dos Estados Unidos pedindo que a sancione, assim “como aos seus familiares mais próximos” por presumidos “atos corruptos” e por “socavar os interesses estadunidenses aqui e na região”.

A publicação do chanceler está acompanhada de capturas de tela de publicações no Twitter feitas por Ted Cruz, nas quais acusam Fernández de Kirchner de “cleptocrata”, o que foi celebrado pelo deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

“Um mais ignorante que o outro”, tuitou Cafiero sobre os legisladores, e agregou: “Cuidemos da nossa democracia. Todas e todos com Cristina”.

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Isto sucede a semana em que o embaixador dos Estados Unidos na Argentina, Marc Stanley, pediu a Horácio Larreta, chefe de governo de Buenos Aires, da coalizão direitista Cambiemos, que fizesse uma coalizão sem importar as posturas políticas para as eleições de 2023 na Argentina. 

“Eu lhe diria que o façam hoje mesmo. Não creio que a Argentina tenha que esperar as eleições de 2023 para fazê-lo (…). Este é o momento de fazê-lo. Espero que este país não espere até 2023”, disse Stanley, expressões que foram consideradas dentro do oficialismo da Frente de Todos como sugestão para um golpe de Estado

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Em sua petição, feita na quinta-feira (25), Cruz acusou à vice-presidenta de estar implicada no falecimento em 2015 do promotor Alberto Nisman, que foi achado morto em seu apartamento nas vésperas de apresentar provas que supostamente mostrariam como ela pactuou com o Irã para ocultar sua participação no atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina, em Buenos Aires, em 1994.


Morte de Nisman

A morte de Nisman é um acontecimento trágico utilizado pela coalizão Cambiemos, e pela ultra direita israelense, representada pela Delegação de Associações-Israelitas Argentinas, contra a ex-presidente e também contra o peronismo.

“Os adversários estadunidenses e, em particular a China, a Rússia e o Irã, exploram a corrupção endêmica, incluída, e especialmente a corrupção impulsionada por movimentos de esquerda no hemisfério ocidental, tratam de avançar em suas agendas geopolíticas e erodir os interesses estadunidenses”, argumentou Cruz.

Sua demanda se apoia nas palavras dos opositores direitistas da aliança Cambiemos, que convivem com o chamado Partido Judicial que deixou armado o ex-presidente dessa coalizão, Mauricio Macri (2015-2019), provocando uma onda de repúdio em momentos que marchas multitudinárias seguiam se sucedendo em defesa da também ex-presidenta argentina, durante dois períodos (2007-2015).

O reclamo do legislador Cruz sucede depois que, sem apresentar nova prova, os promotores Sergio Luciani e Diego Mola reabriram um processo fechado por falta de provas no caso da Obra Pública, na província de Santa Cruz, como parte da perseguição política contra a ex-presidenta e a ex-funcionários de seu governo, aplicando a judicialização da política. 

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Os promotores pediram a condenação da ex-presidenta a 12 anos de prisão, inabilitação e proscrição, no passado 17 de agosto, em uma longa alegação, sem provas e utilizando alguns parágrafos de outros dos 12 processos falsos abertos contra Fernández de Kirchner durante o governo de Macri.

Isto provocou a indignação de todos os setores do peronismo, que saíram às ruas de imediato. Desde então as mobilizações crescem dia a dia e se fazem multidões em todo o país. A condução nacional do peronismo chamou a um estado de alerta e mobilização permanente. 

As marchas evidenciam um assombroso despertar do peronismo, até em províncias com governações não oficialistas, como sucedeu na província de Jujuy, onde há tempo não se via marcharem milhares de pessoas, que também pediam a liberdade de Milagro Sala, a dirigente social que, como uma vingança, o governador radical Gerardo Morales, de Cambiemos, mantém presa desde janeiro de 2016, sem nenhuma prova.

Ted Cruz enviou um documento ao Departamento de Estado dos EUA afirmando que vice-presidenta argentina socava "os interesses estadunidenses"

Reprodução – Twitter
“Partido judicial pediu 12 anos de condenação, por cada ano dos melhores 12 anos que teve o povo argentino"




“Nunca vi a polícia da cidade de Buenos Aires agir diante do assédio que sofri”

“Eu só lhes peço que não abandonemos nossas convicções e sobretudo o indiscutível amor à pátria que nos une”, disse no sábado (27) a vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner ante milhares de manifestantes que permaneciam rodeando o edifício onde ela vive, nesta capital , que foi isolado por cavaletes e cordões policiais ordenados pelo governo da capital, do opositor Horacio Rodríguez Larreta, o que foi qualificado como uma provocação que poderia produzir uma espiral de violência, mas que foi contida pela direção do governante Frente de Todos.

Depois de um dia tenso, a aparição da vice-presidenta destacou que em todo o país se produziram grandes marchas em repúdio à tentativa da promotoria a condená-la a 12 anos de prisão, inabilitação e proscrição em um processo carregado de irregularidades e provas falsificadas, o que levou a um levantamento popular quando milhares de manifestantes encheram as ruas desta capital e de outras partes do interior do país, o que surpreendeu a oposição.

Fernández de Kirchner emocionada, como aqueles que a escutavam, recordou que o único lugar onde se produziram cenas violentas neste dia de marchas multitudinárias em todo o país em sua defesa, foi em Buenos Aires. “O partido judicial pediu 12 anos de condenação, por cada ano dos melhores 12 anos que teve o povo argentino”, exclamou em referência às administrações de seu falecido esposo Néstor Kirchner.

“Desde esse dia, se produziram ao longo de todo o país manifestações espontâneas de compatriotas, também aqui. Só aqui, na porta da minha casa, houve violência provocada pelo que eu chamo de ódio à alegria, porque odeiam o amor e a alegria do peronismo que sempre foi assim”, disse.


Atos de violência

A também ex-presidenta recordou todos os atos de violência que antecederam estes momentos, entre os quais destacou a chegada do direitista Mauricio Macri ao governo em 2015 e o que sucedeu durante a pandemia, quando saiam grupos da aliança conservadora a queimar máscaras e desafiar as quarentenas. 

Destacou que durante todo esse tempo “nunca vi a polícia da cidade de Buenos Aires agir diante do assédio que sofri, como uma cidadã que tenho direitos como todos, e depois dizem que os peronistas somos violentos (…) não querem se responsabilizar sobre aquilo que querem: exterminar o peronismo. E tentaram tudo, até o desaparecimento de milhares de compatriotas”.

Pediu à oposição, “nunca repitam a história, há demasiado sangue derramado na Argentina para que continuem ameaçando com balas, gás de pimenta à nossa gente que, recordo sempre, se expressou com alegria, sem agravos nem insultos”. Ao finalizar seu breve discurso, os milhares de manifestantes começaram a se dispersar, mas muito mudou no ambiente político nestas horas diante da decisão popular de não abandonar a rua. 

Os graves incidentes desta jornada, que por um momento fizeram pressagiar uma tragédia, se produziram quando uma manifestação multitudinária avançou para o edifício onde vive a vice-presidenta, cujo domicílio havia ficado isolado pelos grandes cavaletes e o cerco de segurança mandado por Rodríguez Larreta, o que deixou alguns feridos, entre eles um jornalista e policiais, além de detidos. 

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Ao lugar foram deslocadas umas 35 caminhonetes policiais, carros hidrantes, um ônibus para levar possíveis detentos, inclusive a infantaria. Isto apesar de que todas as marchas que se mantêm há uma semana aqui e em todo o país, foram pacíficas.


Uma manifestação multitudinária e pacífica

Os manifestantes que se haviam convocado em várias praças, ao ficarem sabendo do isolamento da vice-presidenta, decidiram marchar até o domicílio de Fernández de Kirchner, o que se converteu em uma manifestação multitudinária.

Diante dessa situação, os dirigentes do oficialista Frente de Todos, deputados e outros, como o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, chegaram ao lugar para tranquilizar os manifestantes e impedir que caíssem no que consideraram “uma provocação” do chefe de governo da capital.

Rapidamente tentou-se parar os manifestantes quando se produziu um forcejo com os policiais da cidade, que usaram gás de pimento, jatos de água e golpes. 

Se isto não tivesse sido assim, um enfrentamento de sérias consequências era inevitável pois os policiais com escudos formaram um cordão atrás dos cavaletes, que foram arrancados, e estavam preparados para agir com toda a violência. Dirigentes de organizações populares prevendo uma “emboscada” para criar violência se localizaram junto a outros na primeira fila, para organizar as quadras e quadras de manifestantes. 

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“Hoje amanheci com minha casa literalmente sitiada”, foi a expressão de Fernández de Kirchner quanto despertou e viu que haviam instalado cavaletes para impedir a chegada de manifestantes que há uma semana estão nas ruas de todo o país em protestos massivos, mas pacíficos.


“Causa de Vialidade”

Isto sucedeu depois de conhecer a condenação a doze anos de prisão, inabilitação e outras medidas ditadas por parte de dois promotores na chamada “Causa de Vialidade”, Sergio Mola e Diego Luciani, recusada por sérias irregularidades e prova falsas em um julgamento armado durante o governo do ex-presidente Macri, com quem mantinham e mantêm ambos os juízes uma relação de amizade, que lhes impedia de atuar em um caso como este. 

A promotoria impediu a também ex-presidenta de fazer uso de direito à defesa, ao haver-se agregado irregularmente novas supostas provas no processo. Isto a levou a apresentar por televisão à Argentina e outros países as provas que surgem do mesmo processo e que foram ignoradas pelos promotores, com fotografias e assombrosos documentos e testemunhos que demonstravam a responsabilidade de Macri e seus funcionários mais próximos na armação de processos falsos e uma trama mafiosa, ajudados pela chamada “justiça macrista”. 

A instalação dos cavaletes foi a gota que transbordou o campo da impunidade do sistema judicial. Fernández de Kirchner repudiou de manhã o operativo de segurança armado ao redor de sua casa pelo Governo da cidade.

Recordou que no momento de conhecer-se o decidido no teatro alegado da promotoria, sua casa foi rodeada de grupos opositores tão violentos que utilizam alto-falantes e microfones que amplificavam “insultos, agravos e promessas de morte”, disse a vice-presidenta diante do que não houve nenhuma ação policial. 

Em troca, quando começaram as vigílias organizadas na última semana por aqueles que se solidarizavam com a vice-presidente diante de uma condenação sem qualquer prova, produziu-se uma insólita repressão contra os manifestantes que chegaram para se solidarizarem nos primeiros momentos desse difícil dia diante de sua casa. 

Em referência a Larreta, Fernández de Kirchner disse que “nunca foram nem serão democráticos” remarcando que na Frente de Todos “ninguém cultua a violência, ainda menos ela”. Também disse que o canal TN, do grupo Clarín, mostrava sua casa ao vivo o tempo todo enquanto falava o promotor Luciane, “como instigando essa oposição violenta”, que há tempo a ameaça de morte. 

Pediu que se revise de que forma funcionam os meios, porque “era quase uma convocatória”, e essa lógica dos insultos não pode suceder mais na Argentina. Advertiu também que a lógica dos cavaletes “é a mesma do Partido Judicial”, enquanto os policiais da cidade filmavam os manifestantes de sacadas das casas vizinhas. 

O presidente Alberto Fernández disse esta noite que é imperioso que cesse esse assédio à vice-presidenta Cristina Kirchner, e repudiou “a violência institucional desatada pelo Governo da Cidade”, responsabilizando Rodríguez Larreta pela ação da Polícia.

Stella Calloni, colaboradora da Diálogos do Sul em Buenos Aires.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Stella Calloni Atuou como correspondente de guerra em países da América Central e África do Norte. Já entrevistou diferentes chefes de Estado, como Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales, Luiz Inácio Lula da Silva, Rafael Correa, Daniel Ortega, Salvador Allende, etc.

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