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ToggleComo a coisa caminha neste governo me lembra muito 1961, 1964, 1965 e 1968, ou o pacote de abril de 1977, ocasiões em que, diante da ingovernabilidade, perpetraram um golpe. A atual conjuntura tem um agravante que diferencia bem pra pior das vezes anteriores: há também um desgoverno quase absoluto.
Nos casos anteriores, a governabilidade era impedida por incompatibilidade entre o governo e o Congresso ou entre o governo e os interesses das transnacionais comandadas de Washington. Fernando Collor (1990-1992) e Dilma Rousseff (2010-2014 e 2014-2016) constituíram repetições de fatos históricos, salvadas as particularidades conjunturais. Tanto Dilma como Collor ganharam a eleição, tomaram posse na Presidência mas nunca assumiram o poder.
Algo parecido ocorre agora. O poder do Executivo é demasiadamente difuso.
Socialista Morena
Jair Bolsonaro
Quem governa?
Bolsonaro, definitivamente, não. Destituído da menor capacidade para isso, só atrapalha. Ademais, tudo o que tem feito é prejudicial para o país, como manter ministros como Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, ou Damares Regina Alves, advogada e pastora neopentecostal, no ministério das Mulheres e Direitos Humanos, que conversou com Jesus no alto de uma goiabeira. Isso sem excluir o mais novo ministro Abraham Weintraub, que foi para o conturbado ministério da Educação, mas é um financista, ligado aos Chicago Boy’s e ao escritor Olavo de Carvalho.
O ministro da Educação anterior, Ricardo Vélez Rodríguez, o bateu todos os recordes ao realizar 15 trocas de cargos em menos de um mês. E ainda teve a insensatez de só nomear gente incompetente. A penúltima a assumir a Secretaria Executiva. Jolene Lima, chegou dizendo que o ensino deveria ser fundado na palavra de Deus, o primeiro matemático, o que inventou tudo. Para ela, as crianças deveriam começar o aprendizado pela Bíblia, com o livro Gênese, que, segundo ela, explica tudo. Só faltou dizer que a terra é plana. Tudo isso às claras, em entrevista a uma TV Evangélica.
Aliás, para desgraça do povo brasileiro, o único com discurso coerente no Executivo é o neoliberal da Escola de Chicago Paulo Guedes e, assim mesmo, porque repete as cartilhas do Consenso de Washington, que estão sendo exigidas para o ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Pouco antes de completar os 100 primeiros dias de gestão, esse governo que nada tem a declarar, usou mais uma vez a estratégia diversionista ao publicar vídeo comemorativo do Golpe de 1964 afirmando que “o Exército nos salvou”. Salvou de quê, cara pálida?
Até agora Bolsonaro não conseguiu aprovar nada no Congresso, apesar de ter enviado tão somente 16 propostas. Não aprovou a que pretendia estender o tempo de guarda de informação sigilosa, por exemplo, nem a MP que mudou a composição ministerial, extinguindo, fundindo e criando os super-ministérios da Justiça e da Economia, foi ainda apreciada. Significa que tudo pode voltar como dantes. O governo não tem interlocutor nem líderes no Congresso.
Um governo deve ser para todos
Rui Costa, governador da Bahia pelo PT, vê esse governo, como todos nós, com certa perplexidade. “Deveria governar para todos, mas trouxe a beligerância da campanha para o ato de governar”, asseverou.
Um leitor do Estadão assinalou, com grande acerto que, “ou os ministros querem desestabilizar o governo ou carecem, como o presidente, das qualidades político-administrativas necessárias”.
Na mesma linha, se pronunciou o vice-presidente da Câmara de Deputados, Marcos Pereira (PRB/SP): O presidente “tem que descer do palanque, a campanha já acabou, tem que tirar o Carlos (Bolsonaro) do twitter e governar para 210 milhões de brasileiros, não para os 55 milhões de eleitores”.
Não obstante, até o que eles cantam como vitória, como a PEC aprovada na Câmara, que desvinculava o Orçamento, ao contrário de favorecer o super-ministro da Economia, Paulo Guedes, seu idealizador, tirava do Executivo mais poder do que tinha. A decisão sobre o como e onde gastar ficava com o Congresso. Não obstante, os gastos obrigatórios, que não podem ser desvinculados, continuavam imexíveis, como a folha de pagamento, os gastos com a Previdência e, claro, o pagamento dos juros e principal da dívida. A proposta acabou sendo flexibilizada no Senado.
É preciso aproveitar as oportunidades, adiantar-se aos fatos. É essa compreensão que está faltando às oposições, principalmente as que se julgam de esquerda, ou as que querem ser e até poderiam ser de esquerda. Só pode ser de esquerda hoje quem for contra o modelo, contra a ditadura do capital financeiro e do pensamento único.
Todas as condições estão dadas para derrubar o governo e chamar novas eleições. Se as forças populares não se adiantarem, o golpe virá da própria direita entreguista, oxalá seja menos burra.
* Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul