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Foto: Agência Brasil

“Colonialismo químico”: UE inunda América do Sul com agrotóxicos proibidos em solo europeu

"A Europa está enriquecendo às custas dos países sul-americanos", afirma Larissa Bombardi, professora do Departamento de Geografia da USP
Davi Carlos Acácio, Ludmila Zeger
Sputnik Brasil
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

O Brasil foi o país que mais consumiu agrotóxicos em 2022, segundo dados levantados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Além disso, o país se notabilizou nos últimos anos por ser o principal importador de pesticidas proibidos na União Europeia (UE).

De acordo com o estudo encomendado pela Pesticide Action Network Europe (PAN Europe) — uma coalizão de associações da sociedade civil de países europeus intitulada “Pesticidas da UE, proibição de exportação: quais podem ser as consequências?” —, em 2018, o Brasil foi apontado entre os países em desenvolvimento como o principal importador de pesticidas proibidos na Europa.

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A investigação mostra que o Brasil importou, na ocasião, 10.080.462 quilos de pesticidas proibidos na UE, o equivalente a 36%. Entre os 18 países que mais fizeram esse tipo de transação, seis são sul-americanos. Na lista, além do Brasil, estão Chile, Peru, Argentina, Colômbia e Equador.

“A Europa está enriquecendo às custas dos países sul-americanos. Eu vou dar dois dados muito claros disso. O primeiro é de que, nos últimos dez anos, o uso de agrotóxicos na União Europeia diminuiu cerca de 3% e, no Brasil, no mesmo período, aumentou 78%”, argumenta Larissa Mies Bombardi, professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora associada do Centro de Estudos sobre a América, a Ásia e a África (CESSMA) da Universidade de Paris e autora de “Agrotóxicos e colonialismo químico”, publicado em 2023.

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A professora revela também que a América Latina é o lugar do mundo em que mais cresce o uso de agrotóxicos. “Nos últimos 20 anos, o uso de agrotóxicos na América Latina aumentou 143%”, diz.

“Nenhum outro lugar do mundo aumentou tanto assim o uso de agrotóxicos. A Europa enriquece às custas de países sul-americanos, e o Brasil é o principal deles”, completa.

Nova Lei dos Agrotóxicos ou ‘PL do Veneno’?

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou, com vetos, no final do ano passado, a Lei nº 14.785/2023, que ficou conhecida como Nova Lei dos Agrotóxicos. A norma é originária do Projeto de Lei nº 1.459/2022, proposto inicialmente pelo então senador Blairo Maggi em 1999 e modificado na Câmara dos Deputados na forma de um substitutivo.

Em maio deste ano, o Congresso Nacional derrubou parte dos vetos do chefe do Executivo Federal, e a lei passou a ter vigência.

O tema dos agrotóxicos também está diretamente ligado à Reforma Tributária, uma vez que não foram incluídos no Imposto Seletivo pelo governo federal e pela Câmara dos Deputados. Além disso, uma reportagem publicada pelo O Joio e O Trigo, em parceria com a Fiquem Sabendo, mostra que a reforma prevê que os agrotóxicos recebam 60% de descontos no Imposto de Valor Agregado (IVA).

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Eliane Kay, diretora-executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), entende que a lei, resultante de um projeto de lei que tramitou por mais 20 anos no Congresso Nacional, “foi amplamente debatida com a sociedade civil organizada”.

“O texto aprovado reflete o anseio do setor por uma regulamentação mais moderna sem nenhum prejuízo do rigor técnico e da segurança ao trabalhador rural, à população e ao meio ambiente. O uso de defensivos agrícolas e o sistema regulatório brasileiro são rígidos e seguem os padrões de órgãos internacionais”, diz.

Por outro lado, segundo Bombardi, o projeto de lei, que tem recebido a alcunha de PL do Veneno, “rasgou o princípio de precaução que havia na Lei dos Agrotóxicos de 1989”.

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A especialista comenta que, enquanto a lei de 1989 diz que se “uma substância tiver indícios de que possa ser cancerígena, de que possa trazer efeitos sobre a formação dos fetos, de que cause problemas hormonais, essa substância pode ser revista e pode vir a ser banida”, enquanto a Nova Lei de Agrotóxicos diz que há determinações se a substância trouxer riscos considerados “inaceitáveis” de câncer. Para ela, a ideia de risco inaceitável pode abrir precedentes do que pode ser ou não considerado aceitável.

“O que é risco inaceitável de câncer? Do que a gente tá falando? Cria-se uma janela jurídica enorme”, argumenta.

Além disso, a professora e pesquisadora destaca outra mudança: se antes os ministérios da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente tinham equivalência na decisão ou não da aprovação do uso de determinada substância no Brasil, agora, com a nova lei, a competência para registros de pesticidas caberá apenas ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

“Isso também coloca em risco, obviamente, que substâncias que são nocivas ao meio ambiente, à saúde humana, possam ser aprovadas”, salienta.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Davi Carlos Acácio
Ludmila Zeger

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