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Com ministro “mais neoliberal do mundo”, não há como Brasil ter preço justo na gasolina ou nos alimentos

“Somos um país que não planeja nada — vivemos mais esta crise anunciada”, destaca o professor de Economia Paulo Feldmann, em entrevista exclusiva
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Privilegiar o mercado interno é comum na Europa e nos EUA. Países estabelecem cotas a ser vendidas no mercado interno. A Social Democracia fixa a “Segurança Alimentar” como prioridade para qualquer país que defenda seus princípios. “Este é o governo da incompetência total”

“Vivemos uma disparada nos preços de alimentos no país”, trombeteia a mídia hegemônica por terra, céu e mar. Mas não só: a alta dos combustíveis e da conta de luz assalta o bolso dos brasileiros e é terreno fértil para estimativas e prévias de inflação até o final do ano. 

A informação acaba funcionando mais para prevenir o contribuinte de modo que ele se prepare: “o pior ainda pode estar por vir” do que de fato para criticar a política econômica em curso. 

Especialistas e opinólogos esmeram-se ao mostrar números e interpretações de fatos e suas virtuais consequências, sem apontar as causas que levaram a tamanho descontrole de preços nos produtos básicos da alimentação e do consumo cotidiano do brasileiro. 

Se o velho temor do passado — de que o país poderia virar um imenso canavial — depois da eleição de Bolsonaro, a cada dia que passa, o Brasil se torna cada vez mais o país agrário sonhado pelos  neoliberais.

O gigante adormecido abandonou o ensino, a ciência e a tecnologia para se dedicar à agroindústria, quando muito. Produtos com alto valor agregado? Deixaram tudo para a Europa e os EUA. Nada mais (a)normal, portanto, que tudo dependa da agricultura. 

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Ainda mais quando há uma procura enorme por produtos agrícolas no mercado internacional, como vem acontecendo. É a velha relação oferta e procura: quando a produção é direcionada ao mercado externo, os preços tendem a subir para as famílias brasileiras.

Mas a Agricultura Familiar não é a responsável maior pela oferta de alimentos no Brasil? Para responder a essa e a outras questões motivadas pela drenagem da renda do trabalhador provocada por esse governo, conversamos com Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), da Universidade de São Paulo (USP); quatro universidades húngaras : Széchenyi University, Corvinus, Miskolc e University of Pécs. Faz parte da Academia de Ciências da Hungria como Membro Pesquisador Internacional e é pesquisador da Universidade Fudan, em Xangai, China. 

O professor esclarece que “a agricultura familiar vende sua produção para a grande empresa. Soja, milho, trigo… E não pode se dar ao luxo de ignorar o mercado externo. Grandes protutores compram tudo e, por essa razão, começam a reduzir a oferta aqui dentro”.

“Nem todo pequeno produtor vende para o grande, mas são poucos”, assegura. A oferta é pequena. Alguns não conseguem vender para os grandes e comercializam internamente. Mas a procura é enorme, o que leva os preços às alturas, como explica.

Segurança Alimentar

Se o produtor não coloca a produção no mercado interno, a procura se torna muito grande, gerando um problema sério para o país. Para o economista, o governo Federal não deveria permitir que a produção nacional fosse voltada para o exterior, deveria preocupar-se com o abastecimento do mercado local. 

Para isso, no entanto, precisaríamos ter um governo criativo, inteligente(!), capaz de evitar o desabastecimento, como estamos observando: um dos caminhos poderia ser o aumento nas taxas de exportação diz ele. A relação é direta: “menor exportação, maior oferta no mercado doméstico”, aponta Feldman.

Os grandes produtores estão tendo ganhos gigantescos, em dólar, com o mercado mundial aberto. “Isso é fruto da competência nacional, da aplicação de ciência e tecnologia no campo, fruto do trabalho da Embrapa e outros centros de estudo. Isso tudo gerava dólares, quando as grandes empresas traziam esse capital para o país” avalia Feldaman. 

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O problema seriam os empresários que aplicam o dinheiro no exterior — razão pela qual faltam dólares para investimento no Brasil.

Nesse aspecto, as coisas vão mudar, prevê. De três meses para cá, assinala, o governo Federal vem aumentando juros. Para a agricultura, aplicar no país só se tiver juros muito altos. Afinal, há muito risco na atual administração do país. Não se sabe o que pode acontecer logo adiante. 

“A saída é aumentar os juros para atrair investidores. A prática de privilegiar o mercado consumidor interno é comum na Europa, França e Holanda principalmente, assim como nos EUA.” 

Segundo o professor da USP, os países estabelecem quotas a ser vendidas no país. Maior exemplo disso seria a Social Democracia, que estabelece claramente a “Segurança Alimentar” como prioridade para qualquer país que defenda seus princípios.

Guedes: imbatível neoliberal 

Teoricamente, o Brasil reúne todas as condições para defender a soberania alimentar: “o país poderia controlar a oferta de produtos agrícolas, se houvesse um governo responsável”, dispara. 

De acordo com ele, Paulo Guedes é “o maior liberal do mundo”, ninguém o supera, nem nos EUA. “Ninguém mais tem essa visão neoliberal no mundo”. Por isso, “infelizmente, não há a menor possibilidade de Paulo Guedes fazer as intervenções que teriam de ser feitas para evitar o desabastecimento”.

Por trás das barbaridades perpetradas na economia do país, os neoliberais sempre têm a explicação pronta: “deixa que as forças do mercado resolvem”. 

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O fato é que o governo poderia intervir. O que sequer é cogitado, não está na pauta. Ele aponta: “somos um país muito populoso, mais de 210 milhões de habitantes; com 60% da população muito pobre. Tal segmento só conseguiria consumir comida, que anda faltando no mercado interno, o que eleva os preços tornando-os muito caros”. A inflação da cesta básica anda na faixa dos 30 a 35%.

“A classe C acabou no Brasil. Na época das administrações do PT, ela foi inflada, chegando a 50% da população”, recorda Paulo Feldman.

Para ele, a notícia de que inflação passa de 10%, como veiculado pela mídia, é uma média geral, mas para a base da pirâmide social, ela está na casa dos 30% ao ano. 

Ela subiu ainda mais devido à seca e, principalmente, pela falta de planejamento. “Há 2 anos a seca já estava aí, os reservatórios mais importantes para o abastecimento do país estão muito baixos e sem previsões de melhorias nos anos seguintes”. 

Como sempre, faltou intervenção do governo. O custo da energia só poderia aumentar: “Mas não tem planejamento governamental — somos um país que não planeja nada — vivemos mais esta crise anunciada”, destaca.

“Somos um país que não planeja nada — vivemos mais esta crise anunciada”, destaca o professor de Economia Paulo Feldmann, em entrevista exclusiva

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Com a privatização, em pelo menos 10 anos, a Petrobras vai gastar todo o ‘lucro’ com a venda do ativo em pagamento de aluguel do gasoduto.

Economia desgovernada

Infelizmente, não dá para o país voltar a funcionar no ano que vem. Tanto que o próprio Ministério da Economia já aceita um crescimento do PIB para 2022 em apenas 1%. Esta é uma notícia péssima para o país, que vive grande alta no desemprego. 

A tendência é que o governo Bolsonaro não consiga vencer a inflação. Aí a solução sempre é aumentar os juros para segurar a alta, restringindo ainda mais o consumo da população. 

“Talvez as pessoas não tenham se dado conta, mas há muito tempo não tínhamos uma inflação de 10%, como nos últimos 12 meses”, lembra. Na época da Dilma [Rousseff] — com as pautas bombas do Congresso de Eduardo Cunha — o índice chegou a 14%. A economia do país praticamente parou.

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Desde as últimas semanas de setembro, o governo começou a falar da dívida de R$ 90 bi em precatórios — o reconhecimento judicial de dívidas que o ente público tem com o autor da ação, seja ele pessoa física ou jurídica. “Trata-se de um problema seríssimo, que preocupa muita gente. A primeira alternativa da equipe econômica seria aumentar impostos”, avalia o economista. 

Neste caso — segue o professor de Economia — o governo mais uma vez mostrou sua falta de panejamento: “A primeira versão do Orçamento para 2022 não previa pagamento de precatórios. Os técnicos dormiram no ponto até que alguém finalmente acordou e trouxe o tema para a pauta”. 

O fato, diz, é que a Economia está sendo muito mal conduzida. Além disso, fizeram o projeto de uma Reforma Tributária que não mexe um centavo dos mais ricos. A proposta também diminui a arrecadação fiscal do governo, além de propor isenções para a classe média — afinal, é época de eleições.

Privatização e Prejuízo

A economia só tenderia a piorar no ano que vem, vaticina. A conta está tão ruim que os rumores de que Bolsonaro não saia candidato à reeleição ganham força dia a dia. 

“Vários seguidores já defendem abertamente e trabalham por uma Terceira Via”, observa ele. Mesmo os EUA não estariam tão interessados na reeleição do capitão. 

Para o economista, o governo é tão incompetente que não conseguiu privatizar quase nada do que se propôs. Prova disso foi a demissão, em 11 de agosto de 2020, do secretário especial de Desestatização e Privatização e Salim Mattar Ministério da Economia por “insatisfação com o ritmo de privatização”.

Feldmann não deixa por menos: “Este é o governo da incompetência total. O orçamento de 2021 chegou só em março. Vendemos ativos de Petrobras, Eletrobrás e Distribuidora BR — uma das maiores besteiras. Trata-se do motivo principal para o aumento da gasolina para o consumidor”. 

A própria Petrobras admite que a gasolina sai por R$ 2,00. Mais R$ 1,50 de imposto. Como o preço no posto estão em torno de R$ 7,00, a distribuição leva R$ 3,50 — quase 100% em cima do custo de produção.

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A Federação Única dos Petroleiros, FUP, está contestando, na Justiça, a privatização da Transportadora Associada de Gás SA (TAG), vendida pela Petrobrás por US$ 8,6 bilhões para o grupo francês ENGIE e o fundo canadense CDPQ, em 5 de setembro — à revelia da decisão cautelar do Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Até há poucos meses, neoliberais do governo e sua base no Congresso deitavam falação sobre as supostas vantagens da internacionalização dos preços, que tornariam o Estado mais ágil para administrar a nação. 

Eficiência Energética Lamentável

A Petrobrás gasta cerca de R$ 3 bilhões ao ano para utilizar os gasodutos da antiga subsidiária, a TAG, vendida por cerca de R$ 36 bi. Pior: a petroleira vendeu seu ativo, mesmo sabendo que iria aumentar a produção — e que iria precisar ainda mais dos gasodutos para distribuir petróleo e gás, observa Feldmann.

“Dessa forma, com a privatização, em pelo menos 10 anos, a petroleira vai gastar todo o ‘lucro’ com a venda do ativo em pagamento de aluguel do gasoduto, que antes fazia parte do seu patrimônio. E vai continuar gastando, já que sua distribuição passa pela TAG.”

Já a conta de luz — nova vilã da inflação — poderia ser 25% menor se governo investisse em eficiência energética. Segundo o professor, estudo concluído em 13 de setembro, organizado por cinco entidades da sociedade civil — Instituto Clima e Sociedade (ICS), Fórum de Energias Renováveis, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Mitsidi Projetos e Projetos Hospitais Saudáveis — revela ainda que esse aumento na eficiência representaria 25,3% dos 5.500 MW médios, que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estima serem necessários para evitar o apagão. As informações são da “Newsletter Projeto #Colabora”, de jornalismo independente sobre desenvolvimento sustentável. 

Para Kamyla Borges, doutora em planejamento energético pela Unicamp, citada no documento, “a eficiência energética não tem a ver com consumir menos, mas com consumir melhor”. Ela sustenta que “o governo trava o desenvolvimento quando decide não investir em eficiência energética”.

“Comparada com outros países, a posição do Brasil, quando se trata de eficiência energética, é ainda mais lamentável. Em países desenvolvidos, a eficiência energética já é considerada uma fonte de energia, assim como a água, o sol, o vento e os combustíveis fósseis. Sua implementação é considerada fundamental para o crescimento da nação. No Brasil, tal política foi terceirizada para as empresas distribuidoras de energia que, no geral, têm pouco interesse em tratar do assunto”, reitera o professor.

Para recuperar o tempo perdido, o documento das entidades sugere medidas a serem adotadas pelo governo. Entre elas, a retomada do horário de verão, que poderia representar economia de 2% a 3%. E a inclusão da eficiência energética, além da realização de leilões de eficiência energética, especialmente em Roraima — planejado há três anos e que até hoje não saiu do papel. 

Para o físico José Goldemberg, um dos revisores do trabalho citado, o Brasil precisa parar de pensar em energia apenas do ponto de vista da oferta, com grandes obras, equipamentos caros — sem falar nos casos de corrupção. Há muito o que ser feito na área da eficiência energética, mas para isso é preciso ter um pouco mais de eficiência na gestão do país. Neste capítulo estamos cada vez mais próximos de um apagão.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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