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Cuba observa sem sobressaltos a vitória de Trump

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Talvez pelo costume de tratar com onze presidentes de Estados Unidos, de Eisenhower à Obama e enfrentar ameaças nas 15 campanhas eleitorais nos últimos 56 anos, o triunfo de Donald Trump não provocou trauma para os cubanos.

Luís Manuel Arce*

A promessa de Obama de fechar a prisão de Guantánamo, um centro de torturas que o mundo inteiro repudia, não foi cumprida.

Também porque havia em Cuba uma avaliação bastante exata das potencialidades dos dois candidatos, suas formas de expressar e de se projetar, bem como do que cada um poderia significar para o futuro das relações internacionais, incluindo o processo de reconciliação bilateral.
É justo admitir que neste último caso, o Partido Democrata foi o que deu o passo histórico de restabelecer as relações diplomáticas e abrir as embaixadas em Havana e Washington. Considerando o avanço nos trabalhos da Comissão bilateral, pela lógica era de se esperar que a renovação do mandato com Hillary Clinton, o caminho para a normalização total das relações fosse mais expedito que com os republicanos.
Por pura lógica e experiência acumulada, essa possibilidade não significava que Cuba abrisse ou fechasse as portas e esse ou aquele candidato e centrasse suas expectativas no que mais interessava: ganhasse quem ganhasse o processo iniciado em dezembro de 2014 continuaria se desenvolvendo naturalmente.
Nesse sentido entende-se que Cuba advogara junto ao governo de Barack Obama para que no uso de suas prerrogativas presidenciais eliminasse do bloqueio todo o concernente à Casa Branca e deixasse para o momento seguinte os quatro ou cinco pontos do âmbito do Congresso por serem leis. Contudo isso ocorreu a meias.
Embora nos primeiros momento da vitória pairava a palavra surpresa, o amplo inventário de erros da administração democrata, em política interna e externa, notadamente o mau manejo da crise econômica desde 2008, e ampliação dos teatros de guerra, na Síria e na Líbia, deixa claro que Trump mais que vencedor é beneficiário do fracasso do velho establishment.
A maioria dos analistas agora vêem lógica no ocorrido em 8 de novembro nas urnas. Também coincidem que se a polarização tivesse disso entre Trump e Bernie Sanders – antípodas no establishment nos dois partidos – o multimilionário das imobiliárias seguramente teria fugido da raia.
Um e outro encarnavam a mudança que as classes trabalhadora e média reclamam desde que a globalização neoliberal começou a naufragar em fins do século passado e se agravou com a crise iniciada em 2008, quando já não havia mais dúvida de que a crise é sistêmica e que a acumulação de capitais a converteria em irreversível se nenhum presidente a detivesse, para o que seria imprescindível a desregulamentação financeira e a revisão a fundo dos tratados de livre comércio, entre outras muitas ações.
Porém e sobretudo, os Estados Unidos teriam que abandonar a economia virtual ou especulativa e regressar à economia real, produtiva, geradora de riquezas y de empregos, corrigir a deslocalização de empresas que destruiu o velho parque industrial, como ilustra o fato de que desde 1994 migraram dos estados industriais 15 fábricas por dia deixando seis milhões de trabalhadores sem emprego.
Cuba esteve entre uma candidato cujo esposo, sendo presidente, fundiu em concreto armado o bloqueio ao regulamentar leis como a Torricelli e Helms Burton, que deixaram a Casa Branca de mãos atadas e puseram nas mãos do Congresso, complicando tudo, e outro, muito fogoso, imprevisível, na aparência arbitrário e potencialmente um exterminador com licença para aniquilar o que não seja de seu agrado.
No caso de Cuba, Obama aplicou, em meio de seu segundo mandato, variantes positivas mas não se atreveu a aprofundá-las como poderia ter feito com o uso mais amplos de suas prerrogativas. De forma consciente construiu um muro com reboque fraco, pois em seu foro íntimo nunca deixou de pensar em acabar com a revolução cubana através de ações diplomáticas e repressão econômica.
Sua promessa de fechar a prisão de Guantánamo, um centro de torturas que o mundo inteiro repudia, não foi cumprida.  Deixou-se pressionar por um establishment enfermo, cujas debilidades negou-se a ver, o deliberadamente se subordinou a ele, mas que, por outro lado, foi a bandeira utilizada pela campanha rebelde de Trump.
Pior ainda, ao manter aberta Guantánamo, Obama alimentou especulações de que o Partido Republicano, que abriu essa prisão com os Bush do poder, a ampliará com Trump no poder como se fora uma Alcatraz do século XXI, o que poderá ser um grande desafio para a humanidade.
Obama adotou algumas medidas para atenuar os efeitos do bloqueio, mas nenhuma delas o suficientemente substantiva para blindar o processo de reatamento total das relações e preservá-lo de qualquer tentativa de despedaçá-lo.
Com Trump, reverter as relações bilaterais é uma possibilidade que não pode ser obviada ainda que seja difícil mas gera expectativas.
A posição pública de Trump com relação a Cuba foi pouco clara e inclusive ambivalente, pois primeiro aprovou o reatamento e logo,  desqualificá-lo com declarações negativas, no final da campanha, quando disputava votos na Flórida. Apesar disso não conseguiu o protagonismo que desejava dos grupos reacionários da colônia de origem cubana, o que o libera de compromissos.
Em Cuba, como em outras partes do mundo, em particular no México e na América Central, há inquietude pelas expressões xenofóbicas e racistas de Trump, porém, até o dia 20 de janeiro de 2017, quando assume a presidência, suas palavras continuarão sendo palavras e suas ideias verdadeiras somente tomarão forma a partir desta data.
Com relação a Cuba há especulações de todo tipo, porém o concreto é que estamos diante de uma pessoa que se projeto imprevisível, pragmática, aparentemente com ideias empresariais supra políticas.
Pela lógica deveria pesar o que já se avançou nas relações com Cuba pelo importante universo que ela ocupa na realidade estadunidense, sobretudo no comércio e investimentos, e o  horizonte que se descortina com o fim do bloqueio.
Contudo, há que ver se a lógica se impõe nesse movimento político que apenas começa a esquentar os músculos e no qual o mais importante, o mais urgente, não está na região americana mas sim na Europa e na Ásia.
Na realidade a presidência de Trump poderia inaugurar para Estados Unidos e o mundo uma crise maior que por inércia apontaria à construção de um novo equilíbrio de forças no planeta que repercutiria  de maneira muito forte na periferia.
O analista panamenho Guillermo Castro estima que Trump poderia marcar o primeiro passo em uma mudança de época que não significaria que tudo será melhor, nem muito menos, mas com a novidade de que não haveria volta à trás no processo de transformação do sistema bi partidário em que ele e Sandres representam elementos de ruptura.
Aclara que pode ser que com Trump não ocorra nada substantivo diferente ao que Obama colocou em andamento, mesmo que seu trabalho seja administrar a desintegração do legado dele que, de toda maneira, mostrava cada vez maiores dificuldades para manter-se sem o recursos constante e crescente à violência armada.
Com isso, conclui, veremos muito mais no futuro, sobretudo considerando a extrema dependência estadunidense ao gosto militar, e sua dependência cada vez maior dos subsídios estatais que financiam esse gasto.
Como disse o economista Claudio Kartz, com a vitória de Trump não desembarca uma pomba na Casa Branca.
*Prensa Latina, de La Habana, especial para Diálogos do Sul.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
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