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EUA não percebem urgência em defender democracia à beira do abismo

De centristas, a liberais e esquerdistas: todos alertam sobre ameaças de novas tentativas de golpes de estado e até guerra civil
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

“Que tipo de tempos são estes onde falar das árvores é quase um delito porque implica silêncio sobre tantos horrores?”
Bertolt Brecht.

O clima se deteriora anunciando um fim da vida no planeta, todos sabem que os políticos dizem que fazem algo, mas todos sabem que não é suficiente, nem perto (para citar Greta: bla, bla, bla).

Ao mesmo tempo, estamos vendo vários poderes nucleares dançando um tipo de coreografia absurda e obscena, com Washington e seus aliados pretendendo ser os guardiões do “bem” batalhando as forças do “mal” em uma dança verdadeiramente infantil.

Por outro lado, se acaba de descobrir que o governo (a CIA neste caso) continua espiando massivamente os estadunidenses muito depois de que Edward Snowden alertou o mundo sobre isso, e por isso, está exilado de seu país.

Democracia Participativa

Enquanto isso, vão mais de 900 mil mortos por Covid-19 e por alguma razão não provoca grande fúria o fato de que a maioria destas mortes eram evitáveis – tudo enquanto os mais ricos incrementaram suas fortunas em 70%  desde o início da pandemia, e agora os três multimilionários mais ricos concentram mais riqueza que 50% da população.

De centristas, a liberais e esquerdistas: todos alertam sobre ameaças de novas tentativas de golpes de estado e até guerra civil

A Fúria de Aquiles – Charles Antoine Coypel / Wikimedia Commons
Este torvelinho da vida cotidiana nos Estados Unidos que os jornalistas estamos obrigados a reportar, não é a nota completa

Tudo normal? 

Mais: as loucuras da ultra direita dominam as notícias, começando com um ex-presidente que violou a Constituição, impulsionou uma tentativa de golpe e incita a violência armada, e que roubou da Casa Branca documentos oficiais secretos que são propriedade pública, alguns dos quais destroçou com suas mãos e outros com que entupiu a privada na Casa Branca – tudo, por ora, sem ter que prestar contas a ninguém.

Esse bufão perigoso, junto com outros políticos mais decentes, continuam nutrindo cada vez mais o cinismo público sobre isso que chamam de democracia.  No fundo, todos sabem – ficou registrado por anos nas pesquisas – que o governo em geral não reflete nem representa os interesses das maiorias, o que acelera essa erosão de credibilidade pública nas chamadas instituições democráticas.

A concentração extrema de poder econômico, e portanto político, que chegou a níveis sem precedentes em um século neste país, levou a que alguns concluam que isto – o “farol da democracia “ – se parece cada vez mais a uma oligarquia. 

“Os que são donos deste país… é um grande clube, e tu e eu não estamos nele” recordava o grande cômico George Carlin. “Os donos deste país sabem a verdade: o Sonho Americano se chama assim porque se tem que estar dormindo para acreditar nisso”.

Life Is Worth Losing – Dumb Americans

Talvez seja tudo um jogo. O presidente e todos seus homens e mulheres, junto com grandes intelectuais e analistas e líderes conservadores, centristas, liberais e até esquerdistas alertam que a democracia estadunidense está à beira de cair no abismo, diante de ameaças de mais tentativas de golpes de estado e até de guerra civil.

Têm razão nos fatos. Mas talvez seja até pior que ao soar este alarme não há por ora uma resposta massiva para defender a democracia – ninguém está saindo para as barricadas. Ainda mais, muitos dos mesmos que alertam durante o dia sobre a crise existencial da democracia não mudam nem os seus planos de cena. Não era uma emergência?

Este torvelinho da vida cotidiana nos Estados Unidos que os jornalistas estamos obrigados a reportar, não é a nota completa, nem necessariamente a mais importante. É claro que há rebeliões, denúncias, atos nobres de resistência e esperança. Todos os dias. Em quase todas as partes. 

Também há beleza em todas as suas dimensões, em bailes, concertos, teatro e outras artes, com convites à solidariedade e à desobediência contra o feio e abraços à esperança. Mas às vezes, reportar essas coisas, embora talvez o mais essencial, pode parecer irrelevante – outra vítima desses tempos? Lembra o lamento de Camus: “Exilamos a beleza; os gregos pegaram em armas por ela”. 

Enquanto aprendemos a ser gregos para resgatar a beleza, não há mais que ficarmos com isso que também disse Brecht: “Quem luta pode perder, mas quem não luta já perdeu”.

Bruce Springsteen – Living in the Future

David Brooks, 13 de fevereiro
Tradução Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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