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A falta de compaixão e a destruição dos valores humanos, de Hitler a Netanyahu

A falta de tudo que constitui efetivamente uma psique sadia poderia colocar alguém em desamparo e impotência, não foi o caso do líder da Alemanha nazista
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul
Florianópolis (SC)

Tradução:

No século 21, temos muito o que aprender com a história, com seus personagens e suas ações. Afinal, Netanyahu, Bolsonaro, Trump, toda esta corja sonha com a destruição de seres humanos para com estes preencherem suas psiques maldosas, corruptas e assassinas.


Adolf Hitler, um paradigma

A destruição dos valores reconhecidos como uma espécie de bem comum da humanidade fora alcançada com incrível rapidez pelo nazismo. Pode-se muito bem-dizer que a consciência desta destruição uniu, na mais surpreendente das colisões, praticamente a humanidade inteira para lutar contra a Alemanha de Hitler.

Hitler foi essencialmente descrito por Albert Speer, seu Ministro do Armamento e Intendência: “Ele se considerava o homem mais amado pelo povo em toda a história da Alemanha. Desde Lutero não teria havido ninguém a quem os alemães, em todos os lugares, afluíssem tão espontaneamente”.

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Isto perdurou desde 1933, quando o nazismo chegou pelas urnas ao poder, e um mês após executou o incêndio do Reichstag (Parlamento), até os primeiros meses de 1943. Enquanto não tomou conhecimento da destruição que avançava em seu país, enquanto não permitiu que essa destruição o atingisse, a Alemanha, que em seu delírio era corporificada em sua pessoa, parecia imbatível!

Mas assim que a guerra muda de rumo, com a derrota na URSS e o avanço gradual do Exército Vermelho, Hitler tem que lidar com outra realidade, a das derrotas sucessivas! Como não é permissível que se lhe escondessem nada, será cotidianamente informado sobre os avanços inimigos.

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E quando as grandes cidades alemãs bombardeadas começam uma a uma a cair em ruínas, Speer não foi o único a achar aconselhável, e mesmo necessário, que Hitler as visitasse. Afinal, todos tinham diante de si o exemplo de Churchill, quando Hitler levara o terror aéreo às cidades inglesas.

Quando Churchill se apresentava às vítimas de guerra, que não tinham participação direta no combate, demonstrava não apenas seu destemor, mas também sua assistência e solidariedade.

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Hitler, ao contrário, recusava-se obstinadamente a se deixar ver nas cidades bombardeadas. Ele não teria sido absolutamente capaz de visitar homens que tivessem motivos verdadeiros para tristezas e queixas.

Com que palavras poderia se dirigir a eles? Compaixão não sentia por ninguém, a não ser nos últimos estágios, por si próprio; a quem, pois, teria podido demonstrar convincentemente sua condolência para infelicidade alheia?

A falta de tudo que constitui efetivamente  uma psique sadia poderia colocar alguém em desamparo e impotência, não foi o caso do líder da Alemanha nazista

Foto: Thierry Ehrmann/Flickr
Se há uma fatalidade acima de todas as outras, esta é a crença paranoica na Vitória




Um paranoico no poder

Hitler, como outros paranoicos no poder, não tinha capacidade sequer para fingir sentimentos “mais frágeis” que desprezava, que dirá então para senti-los.

A falta de tudo aquilo que constitui efetivamente psique sadia — as emoções que, sem interesse e cálculo, sem intenção de alcançar sucesso e influência, dizem respeito a outro, ainda que a um desconhecido, — essa privação total, esse vazio terrível ter-lhe-iam revelado em desamparo e impotência. Certamente em nenhum momento, Hitler cogitou se expor a esta situação.

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O ex-ministro e presidiário Speer afirma que Hitler jamais confiou em ninguém, nem mesmo nas mulheres mais próximas, e como não permitia mulheres pensantes por perto, era-lhe fácil aferrar-se em seu desprezo por elas. “Só prestavam para companhia. ”

Tem-se a impressão de que Hitler precisa justamente das fraquezas daqueles aos quais delega poder. Assim, não só os tem mais facilmente nas mãos, e não precisa perder muito tempo à procura de motivos ao afastá-los, mas goza também, em relação a eles, de um sentimento de superioridade moral.


Para o paranoico, apenas os vitoriosos são “homens”!

Se há uma fatalidade acima de todas as outras, esta é a crença paranoica na Vitória. À medida que deixam de vencer, os alemães passam a não ser mais o seu próprio corpo, e Hitler lhe subtrai, sem maiores cerimônias, o direito à vida.

Os alemães, que se mostraram os mais fracos, que se amontoam por cemitérios e valas, não se deve ter pena deles. Hitler deseja mesmo que eles se arruínem, “pois estes merecem”!

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Se os Exércitos Nazistas tivessem continuado a vencer, como era costumeiro no princípio da guerra, o povo alemão seria outro povo, a seus olhos. Pois homens vencedores são “outros homens” ainda que sejam os mesmos.

Hitler ainda confidencia a Speer: “Se perder a guerra também o povo estará perdido. Não é preciso preocupar-se com as bases materiais de que o povo precisa para a sua sobrevivência mais primitiva. Pelo contrário, é melhor destruir essas coisas hoje, porque o povo Alemão se mostrou mais fraco e o futuro pertence exclusivamente ao povo oriental, o mais forte! De qualquer modo, o que restará depois dessa luta serão os fracos, inferiores.”

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Enquanto pôde, entretanto, Hitler resiste a ceder o que quer que seja, indiferente ao número de vítimas que isso venha a custar, pois sente como seu próprio corpo tudo o que foi conquistado. Sua decadência física ao longo das últimas semanas em Berlim, escrita com emoção por Speer, não é senão a contração de seu poder. Pois o corpo do paranoico é seu poder, cresce ou encolhe de acordo com ele.


Os últimos momentos de Hitler

Hitler ordena a última batalha por Berlim para os outros morrerem lutando, mas diz a Speer: “Não vou lutar, o perigo de ser apenas ferido e cair vivo na mão dos russos é muito grande. Não quero que meus inimigos maltratem meu corpo. Dei ordem para que me incinerem”.

Assim raciocinava e agia o principal responsável pelo holocausto de milhões de pessoas nos campos de concentração! Assim, enquanto os outros combatem, ele sucumbe sem combater; e o que possa acontecer aos que combatem por ele, não importa, desde que nada aconteça com o seu corpo!

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A partir da exposição de Speer, a indiferença de Hitler pelo destino do seu povo — cuja grandeza e expansão afirmava ser o verdadeiro sentido, o propósito e o conteúdo de sua vida — torna-se evidente de uma maneira tal que, provavelmente, inexistia até então exemplo comparável!

Já que seu povo, impelido por ele próprio à guerra, se mostra mais fraco, também o que dele resta não deve sobreviver!


A análise de Elias Canetti

Pois tudo o que ele exterminou, ainda está desperto nele mesmo. “A massa dos que foram assassinados clama por sua multiplicação”, nos diz Canetti. É da grandeza do número dessa massa que Hitler tem plena consciência: que o fato e a forma de seu aniquilamento tenham sido mantidos em segredo, só conhecido por aqueles que nele estavam envolvidos, fortalece a ação desse número sobre Hitler.

Os mortos tornaram-se uma massa imensa da qual ele dispõe; constitui uma massa manipulável, um segredo seu. Impossibilitado de acrescentar a essa massa novos inimigos, Hitler sente a compulsão de multiplicar o número entre seu próprio povo!

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O que significam as ordens destrutivas de Hitler eram mais que evidentes. Hoje, é difícil compreender porque nem todo alemão, que soube dessas ordens, não sentiu ou consentiu como Speer.

Pelo conhecimento destes fatos, todos nós nos tornamos desconfiados com relação a ordens! Sabemos mais: aquele mais terrível dos exemplos cada vez está demasiadamente próximo de nós, e mesmos aqueles que ainda são capazes de acreditar em ordens pensariam duas vezes antes de obedecê-las. Naquela época, acrescente-se, as pessoas eram educadas precisamente por Hitler a ver a máxima virtude na da obediência à sua ordem! Não havia nenhum valor acima dele!

Para nós, defensores do humanismo, VIDAS IMPORTAM, ONTEM, HOJE E SEMPRE!

Obs.: Como Ministro do Armamento e Intendência, Albert Speer foi responsável pela grande produtividade da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1946, foi julgado em Nuremberg e sentenciado a 20 anos de prisão. Na prisão, Speer publicou dois best-sellers autobiográficos: “Por Dentro do III Reich” e “Spandau — O Diário Secreto”, detalhando seu relacionamento com Hitler e fornecendo histórias desconhecidas sobre o Terceiro Reich. Leituras indispensáveis!

Afinal, vidas importam, ontem, hoje e sempre!


Referências:

Speer, A.. Por dentro do III Reich, Artenova.

Canetti, E.. A consciência das palavras. Companhia de Bolso.

Carlos Russo Junior | Colunista dos Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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