“Derrubar o governo”. “Devemos fechar o parlamento”. “Luis Arce e David Choquehuanca são persona non grata e inimigos do povo de Potosí”. “Este momento é definitivo, não há volta atrás”.
Estas e outras ameaças foram feitas por diferentes atores da direita boliviana. São grotescos. Tiraram as máscaras. Já não dissimulam. Dois anos após o golpe de Estado, querem repetir a receita. É por isso que estão mais uma vez chamando a polícia e as Forças Armadas para se juntarem ao bloqueio patronal que começou na segunda-feira, 8 de novembro. Nesta ocasião, a desculpa foi a Lei 1386 da Estratégia Nacional de Combate à Legitimidade dos Ganhos Ilícitos e ao Financiamento do Terrorismo, que visava combater a lavagem de dinheiro.
Em uma entrevista com SANGRRE, a cientista política boliviana Susana Bejarano destaca: “O contexto é diferente, mas a vontade é a mesma de dois anos atrás. Há uma rearticulação, mas de forma mais transparente dessas forças de oposição para derrubar Arce e tomar o poder de forma irregular. É cada vez mais evidente que as mobilizações têm como objetivo um golpe com declarações sediciosas”.
Bejarano argumenta sobre a razão dada para paralisar o Estado Plurinacional: “Se você ler a lei que eles chamam de ‘paquetazo’, ‘amaldiçoado’, ‘expropriante’, você não encontrará nenhum artigo que pretenda isso. Isto mostra que se trata de uma desculpa. As narrativas estão sendo geradas para provocar medo nas pessoas. Eles têm circulado notícias falsas, como uma Lei do Inquilinato que diz que os inquilinos podem ficar com a casa dos proprietários. Lembro-me destas narrativas que foram instaladas em 2019, este uso das redes sociais e da mídia, que são uma plataforma para amplificar estas vontades antidemocráticas. A corporação de mídia é a que chamou abertamente para não votar em Luis Arce. Os blocos perdedores são os que hoje estão alimentando estas mobilizações que buscam desestabilizar”.
Reprodução/ Twitter
Produtores estão fazendo locaute produtivo em alguns departamentos do país
Após o ciclo atroz das ditaduras latino-americanas, do terrorismo de Estado e do Plano Condor, a expressão Nunca Más (Nunca Mais) foi instalada como uma bandeira. Um conceito que marcou a necessidade de fazer avançar os acordos democráticos e evitar rupturas inconstitucionais. Linhas vermelhas que nunca mais deveriam ser cruzadas. Mas na última década foram perpetrados quatro golpes de Estado bem sucedidos: Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016) e Bolívia (2019). Neste último, os mesmos setores que encenaram o putsch há dois anos estão voltando às ruas com ameaças, locautes e bloqueios de vias, que estão sendo sentidos fortemente em três dos nove departamentos do país (Santa Cruz, Potosí e Tarija).
O líder do Comitê Cívico Pró Santa Cruz, Rómulo Calvo, aliado do governador Luiz Fernando Camacho, chefe do golpe contra Evo Morales, admitiu que o objetivo é “derrubar o governo”. O discurso desse personagem, acostumado a declarações de alto nível e racistas, foi feito fora do Comando da Polícia de Santa Cruz. Recordemos que o motim desta força contribuiu para o sucesso das facções em 2019.
Calvo, que há um mês disse que a wiphala “é um trapo, não nos representa”, saudou o pronunciamento do Comitê Cívico Potosinista, dizendo que “foi categórico, deu um ultimato: setores fortes, setores humildes, setores que estavam com o governo como os irmãos mineiros vão estar nas ruas e vão derrubar este governo”.
Em Potosí em particular, o ComCiPo mostrou sua extrema violência com a morte do camponês Basilio Titi Tipolo, de 22 anos de idade, que não apoiou o bloqueio. A ameaça é de continuar os bloqueios “até às últimas consequências”. Além disso, eles declararam o Presidente Luis Arce e o Vice-Presidente David Choquehuanca como “persona non grata e inimigos do povo de Potosí”.
Até mesmo um senador do banco de Creemos de Camacho, Centa Rek, disse: “Devemos fechar o parlamento, esta é a luta do povo boliviano. Este momento é definitivo, não há volta a dar”.
Com prisão de Añez, Bolívia deu exemplo de combate ao golpismo para o Brasil
Nos últimos dias, setores sociais, sindicais e políticos solidários com o governo expressaram sua defesa da democracia nas ruas e em declarações. A Central Obrera Boliviana (COB), o Pacto de Unidade e a Federación Sindical de Trabajadores Mineros de Bolivia (FSTMB) se declararam em “estado de luta e em estado de emergência”. “Não vamos permitir mais uma vez o que aconteceu em 2019”. “Estaremos vigilantes diante de qualquer ato de confronto do direito fascista, até suas últimas consequências”.
O Presidente Arce, que participou de vários eventos com bases sindicais e sociais, afirmou: “Não vamos permitir que isso aconteça novamente como em 2019 e em todos os departamentos (províncias) vamos defender este processo porque os ganhamos nas urnas, na quadra e eles querem tirar o que não ganharam nas urnas com suas mobilizações”. A única coisa que eles querem, a única coisa que eles procuram é a impunidade pelo que aconteceu com o golpe de Estado”.
Marianela Prada, Ministra da Presidência, disse em entrevista coletiva que Calvo “é um sedicioso, golpista, anti-democrático, racista”. O reflexo deste racismo é demonstrado nas tentativas em Cochabamba de rearticular a resistência paramilitar da juventude Cochila.
O ano do regime autoritário de Añez foi marcado por crimes contra a humanidade; a repressão sistemática de toda expressão de oposição; o exílio forçado dos principais líderes do MAS; a corrupção sistemática, cujo emblema foi Arturo Murillo, homem forte do governo de fato, agora preso nos Estados Unidos por suborno e lavagem de dinheiro; e a ineficácia e má administração do Estado.
Fascistas vandalizam Wiphala, bandeira símbolo dos povos indígenas da Bolívia
Bejarano adverte sobre o “crescimento da ultradireita não apenas na Bolívia, mas também na região e em todo o mundo”. Há uma crise de democracia, há uma crise muito profunda de representação, há declarações saindo das cavernas, o fascismo chegou às instituições e o progressismo não está sendo capaz de contrariá-la. O crescimento do fascismo é assustador. Os movimentos sociais são os que no final acabaram restaurando a democracia, colocando o peito à bala, portanto devemos fortalecê-los como nosso instrumento de representação, luta e treinamento”.
O ex-presidente e chefe do Movimento ao Socialismo Evo Morales anunciou uma marcha de Caracollo a La Paz (200 quilômetros) que começará em 23 de novembro e chegará em 29 de novembro, em rejeição às tentativas de golpe e em apoio ao governo: “Diante das ameaças públicas do Comitê Cívico de Santa Cruz de derrubar nosso governo democrático, estamos aqui como um para defender nosso governo, os interesses nacionais e populares e nossas convicções democráticas”.
Mariano Vázquez, Sangrre
Tradução: Vanessa Martina Silva
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Assista na Tv Diálogos do Sul
Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.
A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.
Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:
- Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
- Boleto: acesse aqui
- Assinatura pelo Paypal: acesse aqui
- Transferência bancária
Nova Sociedade
Banco Itaú
Agência – 0713
Conta Corrente – 24192-5
CNPJ: 58726829/0001-56
Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br - Receba nossa newsletter semanal com o resumo da semana: acesse aqui
- Acompanhe nossas redes sociais:
YouTube
Twitter
Facebook
Instagram
WhatsApp
Telegram