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Descrença na classe política, corrupção e violência marcam elos entre Brasil e México

Semelhanças entre as duas maiores economias da América Latina são muitas, mas caminho escolhido nas urnas em 2018 é completamente diferente
Beatriz Araujo e William Lima

Tradução:

Povo descrente com a política, governo recorrendo ao Exército para combater a alta violência e guerra de gangues para controlar o tráfico de drogas. Não, não estamos falando do Brasil e sim do México.

As semelhanças entre as duas maiores economias da América Latina são muitas. Por isso, a reportagem apurou como políticas similares às propostas pelo presidente eleito no Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), repercutiram no país norte-americano ao longo das últimas décadas.


Corrupção e violência 

No dia primeiro de julho, os mexicanos foram às urnas escolher seu novo presidente. Os principais candidatos eram o veterano Andrés Manuel López Obrador (AMLO), do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA), o ex-deputado Ricardo Anaya, representando a coligação entre o Partido de Ação Nacional (PAN) e o Partido da Revolução Democrática (PRD) e o ex-ministro José Antonio Meade, do tradicional e situacionista Partido Revolucionário Institucional (PRI).

Como já havia sido indicado pelas pesquisas de intenção de voto, López Obrador, de esquerda e que defende o fim do Estado mínimo no país, ganhou com 53% dos votos em uma eleição marcada pelas temáticas da violência e da corrupção.

Descrença na classe política

A corrupção tem sido uma problemática histórica para o México. A hegemonia do PRI na presidência do país — de 1946 a 2018 apenas dois presidentes eleitos não eram desse partido— é comumente apontada como uma das causas para a situação atual.

O ex-presidente Vicente Fox (2000 – 2006), do PAN, chegou a definir o combate à corrupção como uma das prioridades de sua gestão, mas não obteve sucesso. Recentemente, foram feitas várias denúncias contra o atual presidente Peña Nieto, do PRI, e contra as pessoas que o rodeiam por supostos ilícitos.

Semelhanças entre as duas maiores economias da América Latina são muitas, mas caminho escolhido nas urnas em 2018 é completamente diferente

Zempoala e Rogério Melo/PR
À esquerda, o presidente mexicano eleito, López Obrador; à direita, o brasileiro Jair Bolsonaro

Algumas dessas denúncias envolvem a construtora brasileira Odebrecht, que teria fornecido dinheiro para a campanha de Nieto. O mandatário admitiu ter se encontrado com diretores da empresa, mas seu porta-voz, Eduardo Sanchéz, negou que o chefe de Estado tenha recebido o dinheiro.

Segundo o depoimento de três ex-diretores da construtora brasileira, a empresa Braskem (filial da Odebrecht) teria subornado Emilio Lozoya, homem de confiança de Peña Nieto, com US$ 10 milhões (R$ 37 milhões) para ajudar com a assinatura de contratos.

Esses casos influenciaram as eleições deste ano, aponta João Carlos Amoroso Botelho, doutor em Ciência Política pela Universidad de Salamanca e professor adjunto de Ciência Política na Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele observa que, assim como no Brasil, os mexicanos cultivam uma crescente descrença na classe política.

Para ele, o fato de a campanha de José Antonio Meade, candidato do PRI, ter ficado em terceiro lugar, atrás de Obrador e de Ricardo Anaya, candidato da aliança entre PAN, PRD e Movimiento Ciudadano, é um claro indicativo de que as denúncias contra o atual presidente afetaram a opinião pública.

David Shirk – Acervo pessoalNa mesma linha, o diretor do Justice in Mexico, professor associado em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de San Diego David Shirk comenta que o descrédito na política se reflete no enfraquecimento dos grandes partidos, já que os candidatos não compuseram chapas únicas no México “porque nenhum deles tinha apoio político suficiente para conquistar a presidência”. O Morena, de Obrador, é relativamente novo, fundado em 2011.

Shirk adiciona que essa situação é uma quebra de paradigma na democracia mexicana. “Embora esse tipo de fragmentação do sistema partidário seja um tanto familiar no Brasil, é uma situação muito nova no México e contrasta com décadas de governo de partido único durante o século 20.”

Influência do narcotráfico

A guerra às drogas declarada pelo ex-presidente Felipe Calderón (2006 – 2012), do PAN, é considerada também um fator agravante para o problema de corrupção no México.

Luis Astorga, sociólogo e autor do livro “¿Qué querían que hiciera?” (“O que queriam que eu fizesse?”) considera que o fortalecimento do poderio militar resulta no detrimento de outras instituições, o que as torna mais suscetíveis a corrupção.

“A estratégia punitiva não alcançou os resultados esperados. As instituições policiais federais, estaduais e municipais ainda apresentam debilidades e fragilidades, umas mais do que outras, diante da expansão da corrupção que parece incontestável”, escreve Astorga no livro, cujo título é uma frase proferida por Calderón ao ser questionado sobre o combate ao narcotráfico.

O sociólogo cita a falta de ações de responsabilidade por vários setores da sociedade como um dos principais fatores para a falência dos órgãos de serviço público. “As instituições de segurança se deterioraram devido aos efeitos combinados do dinheiro dos traficantes, a ausência de uma ética de serviço à cidadania e a irresponsabilidade política de partidos e governos passados e presentes”.

Vale lembrar que a medida tomada por Calderón foi amplamente popular na época. Algo similar ao que acontece com a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro.

Os resultados da presença dos militares no estado são questionáveis. Dados mostram que houve queda de roubos, mas aumentaram as mortes por policiais e mortes violentas. Para apontar esta oscilação, foram utilizados números coletados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Em reportagem, a Folha de São Paulo cruzou os dados com informações fornecidas pelo próprio interventor Walter Braga Netto.

Contudo, a popularidade da medida no Rio de Janeiro continua grande, com 72% da aprovação da população, segundo pesquisa do instituto DataFolha. Este número, porém, caiu desde o começo da intervenção, quando era de cerca de 80%.

Como resultado, mais violência

No ano de 2017, o número de homicídios no México foi de 42 mil, segundo dados da Anistia Internacional (AI) em seu relatório anual. Foi o ano mais violento, se comparado ao auge da violência no país, em 2011, em que foram registrados 27 mil assassinatos.

O crescimento da violência se deu com a guerra contra o tráfico de drogas, apelidada de “guerra de Calderón” e que nasceu após o presidente ter mandado 4.260 soldados, 1.054 fuzileiros navais, 1.420 policiais federais, além de 50 agentes do Ministério Público para o Estado de Michoacán.

Já no mandato presidencial de Peña Nieto, os números que no começo pareciam cair, hoje, representam um desafio para o presidente eleito, Obrador. Nos últimos meses, o país sofreu uma nova onda de violência. Tudo aponta para o narcotráfico.

Soluções fáceis para problemas difíceis

De acordo com o Centro de Estudos Sociais e Opinião Pública (CESOP) da Câmara dos Deputados do México, 52% dos mexicanos são a favor de as Forças Armadas lutarem contra o crime organizado e o tráfico de drogas e 45% são a favor do porte legal de armas, o que é apontado como consequência do sentimento de insegurança no local onde moram (49%).Para João Carlos Botelho, essa estratégia de militarização para enfrentar o tráfico de drogas é um erro. “Como sempre existirá a demanda por drogas e, em consequência, quem as venda, uma estratégia de combate da violência associada ao tráfico não terá chance de êxito se não contemplar a descriminalização do uso e a legalização da produção”, comenta.

João Carlos Botelho – Arquivo pessoalO professor considera que, inicialmente, a militarização pode ter alguns resultados mas não será capaz de resolver o problema. “Em paralelo à estratégia de militarização, [no México], se fez uma tentativa de dividir os cartéis do narcotráfico para enfraquecê-los, o que acabou desencadeando mais violência nas disputas entre os grupos remanescentes por controle de território”, relata.

Brasil

O Brasil vem seguindo muitas das tendências adotadas nas últimas décadas pelo México. A eleição do militar e político ultraconservador de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) revelou que o eleitorado foi seduzido por ideias populistas direitistas, como a utilização das Forças Armadas na segurança pública. Já no México, o povo elegeu um presidente que promete resolver a questão da violência “sem disparar uma bala sequer” com um programa de justiça transicional, com anistia para pequenos crimes e bolsas de estudos para jovens trabalhadores.

O mestre e doutor em Ciência Política, Antonio Sergio Carvalho Rocha avalia negativamente essas medidas: “é um total descalabro empregar militares na segurança pública. Eles não foram treinados para isso e sim para a defesa do território nacional”, argumenta. “É ruim para os militares e pior ainda para o país que os utilizam nessas funções impróprias”, complementa.

Rocha compara as propostas de Bolsonaro com as medidas adotadas por Calderón, que visavam combater o crime apenas com truculência: “Especialistas há muito apontam que se combate o crime com (a criação de) empregos para trabalhadores pouco qualificados; observatórios de forças de segurança nos locais sensíveis, de modo a interagir com as comunidades locais e prevenir a ocorrência dos crimes com o desmantelamento da engrenagem perversa entre agentes do Estado e os perpetradores dos delitos”.

Para o professor, “as instituições políticas e judiciais brasileiras estão em avançado estágio de degeneração e decomposição”. Ele acrescenta que “marchamos — literalmente — para uma situação que no passado era chamada de ‘Pretorianismo’: na ausência de instituições estatais para mediar as interações sociais, cada indivíduo se sente autorizado a lançar mãos de recursos pessoais de violência para sustentar o que acredita serem seus interesses inalienáveis”.

* Produzido para a revista Diálogos do Sul em parceria por alunos da U. P. Mackenzie.

**Edição: Vanessa Martina Silva

*** Revisão: João Baptista Pimentel Neto


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Beatriz Araujo e William Lima

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