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Diário da pandemia: Entre a ficção fílmica e a realidade da Lapa, a diferença é o SUS

Anotações de um repórter que pela primeira vez se vale de alguma experiência digna, depois de passar 9 meses dentro de um quartel, em Porto Alegre
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Clima do filme “The Ômega Man – A Última Esperança da Terral”*

1975. Guerra biológica entre China e União Soviética produz um vírus que elimina a maioria da humanidade.

Charlton Heston encarna Robert Neville (coronel do exército e cientista ianque) é contaminado, mas se salva ao aplicar em si mesmo uma vacina que pesquisava. Os humanos sobreviventes sofreram mutações que os impedem de viver durante o dia.

Um grupo deles, autodenominado “A Família” persegue Neville – consideram-no o último resquício do ‘velho mundo’ (velha política!) que levou a destruição do Planeta Terra. Eles repudiam o uso da tecnologia moderna, valendo-se de armas antigas: tochas e catapultas.

Neville enfrenta os ataques noturnos com um arsenal de armas modernas que ele guarda em seu antigo lar, agora transformado em um bunker. Anda pelas ruas desertas disparando suas armas contra qualquer movimento na rua ou em prédios abandonados. Como as polícias de Rio (milícias nem se fala); Sampa e da armada Federal.

Além de representar o sonho utópico do império ianque, o filme é retrato da Desvairada Paulicéia – capital do Hemisfério Sul.

Ao assistir a esta obra de ficção científica ‘real’ – fica a dica – é possível ver com nitidez a forma pela qual imperialistas enxergam o mundo.

Charlton Heston percorre ruas desertas à cata de Mutantes. E também de alimentos e roupas. Entra nas lojas desertas, escolhe os trajes que lhe agradam, joga os usados no chão e segue sua saga em busca dos Mutantes.

Mutantes todos negros com olhos e cabelos esbranquiçados. É, no passado eles não tinham o cuidado de ser ‘politicamente corretos hipócritas’, como hoje. Foi isto que inspirou as anotações deste relato. 

*Estados Unidos -1971, Direção: Boris Saga, 98 min.

Anotações de um repórter que pela primeira vez se vale de alguma experiência digna, depois de passar 9 meses dentro de um quartel, em Porto Alegre

Amaro Dorneles
O atendimento do velho e bom SUS começa a revelar o resultado da caótica política do Estado para enfrentar a pandemia.

Ronda

Esta ronda é feita através de ônibus, trem suburbano e metrô. Com base nesta experiência, recomendo enfiar carreira, celular e tudo de valor nos bolsos da frente. E ainda andar sempre com mãos nos bolsos, é forma alternativa de evitar um possível contágio.

Seguremos nossas carteiras, pois pelotão que sentou praça no Palácio do Planalto enfia a mão nos bolsos dos pobres e velhos cada vez mais, como fica mais claro a cada dia que passa, enquanto, a mídia vadia exalta o fato dos usuários de ônibus estarem todos usando máscaras e omitem que os motoristas levam R$ 3.300 de multa caso alguém seja flagrado sem máscara. Antes de entrar os caras já falam, quase em desespero, pra usá-la.

Melhores Médicos no SUS

O rolê da Sampa com ares do livro Ensaio sobre a Cegueira do Saramago, que virou filme ambientado aqui mesmo, começa pelo PS da Lapa, situado ao lado da UBS Alto da Lapa. Lá se atende qualquer brasileiro que chegue sentindo dor ou caindo em pedaço.

Nos verdes anos minha ronda noturna tinha trilha sonora do rádio portátil com fone de ouvido. Hoje levo meu *burro fone, com gravador, câmara fotográfica e uma penca de trolhas que servem também pra confundir o usuário”.

Sempre que posso passo por lá. Aos 66 (prazo de validade vencido) a cada hora tem alguma coisa pra tratar. Um atendente – formado em Administração de Empresas – já me chama de ‘sócio atleta’ pra me livrar de parte da burocracia e saber se busco atendimento ou informação.

Falar em atendimento, é inacreditável: a qualidade dos médicos é surpreendente mesmo pra mim, repórter tarimbado de saúde, que sabia de sua excelência. Fui tratado por médicos cubanos, bolivianos, haitianos – entre outros hermanos – com uma precisão ‘cirúrgica’ no combate a meus males: coluna, dores lancinantes na cabeça, secura extrema da pele, entre outros. Assepsia perfeita. Basta alguém sujar alguma coisa e surge alguém pra limpar. 

Troca de luvas, gaze, algodão, seringas… Tudo que acostumei a ver nos melhores planos de Saúde ocorre ali. A diferença é que os profissionais têm um calor humano que nem mesmo a mensalidade compra. Ao lado do OS, a UBS da Prefeitura faz com presteza tudo o que se espera dela. Apesar do ‘prefeito Covas’ não entregar medicamentos básicos e caros há 8 meses. Os funcionários contratados pela Prefeitura – assim como no PS – até agora influenciam os terceirizados, que gradualmente assumem padrão semelhante de atendimento. 

Caótica Política

Neste último ensolarado domingo – de inverno para padrões paulistanos – o movimento no PS estava muito além dos últimos dois meses. O pátio está lotado de Unidades Móveis de Atendimento e, na hora em que tento tirar uma foto, o policial começa a me olhar atravessado. Encaro o ‘guarda de aluguel e pergunto se é proibido usar o telefone. O tira resmunga algo, mas dou as costas e sigo em frente. É inegável que a curva de infectados e consequente procura pelo atendimento do velho e bom SUS começa a revelar o resultado da caótica política do Estado para enfrentar a pandemia.

Neville anda durante o dia na cidade silenciosa tentando localizar e exterminar os mutantes, pensando que é o único humano normal ainda vivo na face da Terra. Mas ele logo descobrirá estar enganado quando encontra com um grupo de pessoas que vivem isoladas nas montanhas

Amaro Dornelles, colaborado da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Amaro Augusto Dornelles

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