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A amarga espera dos direitos das vítimas e perseguidos políticos após 40 anos da Lei da Anistia

Cerca de mais 10 mil processos ainda estariam, segundo o Comitê Brasileiro pela Anistia, no Ministério da Justiça para julgamento da concessão
Redação Agência Brasil
Agência Câmara
Brasília (DF)

Tradução:

Em junho de 1979 a cantora Elis Regina lançou o disco “Essa Mulher”. Um dos maiores sucessos do long play foi a música “O Bêbado e o equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. A letra virou um hino do momento que o país vivia. Tempo de anistia no Brasil. “…meu Brasil…que sonha com a volta do irmão do Henfil, com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete…”. No dia 28 do mês seguinte, o general presidente João Batista Figueiredo promulga a Lei 6.683, a Lei da Anistia. Cerca de sete mil pessoas viviam exiladas fora do país. Os porões da ditadura ainda mantinham aproximadamente oitocentos presos políticos 

Três dias depois, 31 de agosto, começam a chegar no Aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro os exilados políticos.  Entre eles, Dulce Maia, primeira pessoa a ser banida do país, em 1970, para a Argélia com mais 39 presos políticos. Na sequência, voltam o jornalista Fernando Gabeira e Francisco Nelson, entre outros. Gabeira diz, em entrevista que quer “ver os amigos, trabalhar e contribuir com a luta política”.

No dia 7 de setembro, o Jornal Nacional, da TV Globo, mostra a chegada de Leonel Brizola. “Volto com o coração cheio de saudades, mas limpo de ódios”, afirma Brizola ainda no aeroporto. Uma semana depois, chegam o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes e o ex-deputado federal Márcio Moreira Alves. Logo depois chegaram Luiz Carlos Prestes, Gregório Bezerra e o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil. No total, foram beneficiadas pela Lei cerca de 2.500 pessoas, das quais 700 condenadas por participarem de ações armadas. 

Cerca de mais 10 mil processos ainda estariam, segundo o Comitê Brasileiro pela Anistia, no Ministério da Justiça para julgamento da concessão

Agência Câmara
Arte: Fernando Bola

E assim se passaram 40 anos

Para ajudar a contar essa história e resgatar parte da memória brasileira, as Comissões de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e a de Legislação Participativa (CLP), da Câmara dos Deputados, promovem o seminário “Amarga Espera”, no próximo dia 27 (terça-feira), a partir das 10 horas, no Auditório Nereu Ramos.

“Depois da criação da Comissão da Anistia e com a edição de outras leis reparadoras dos direitos das vítimas e perseguidos políticos da ditadura, sempre incompletas, os anistiados ainda enfrentam dificuldades, principalmente os retrocessos impostos pelo governo empossado em 2019”, contextualiza Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM. Para o parlamentar, o seminário “além de relembrar o histórico e patriótico Movimento pela Anistia, tem o caráter de reflexão e balanço das medidas implementadas, para que se busque completar finalmente este ciclo de reencontro do país consigo mesmo”.

Em 1977, ano marcado pela volta das manifestações estudantis, o movimento pela anistia ganha expressão nacional com a organização nos estados dos Comitês Brasileiros pela Anistia e a adesão de diferentes organizações, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O movimento ganha também a adesão dos sindicatos, que desafiavam o regime com greves que reuniram milhares de trabalhadores na região do ABC paulista, no final de 1978. Em 1979, com o projeto da Lei de Anistia, apresentado por João Figueiredo ao Congresso e a atuação do senador Teotônio Vilela, os presos políticos iniciam uma greve de fome nacional em todos os presídios, de 22 de julho a 22 de agosto. O período coincide com a análise do projeto no Congresso Nacional. No dia 28, deputados e senadores votam e aprovam a proposta da ditadura militar.

O movimento pela anistia teve um personagem emblemático, a advogada Therezinha Zerbini, que criou o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), em 1975. Esse movimento teve vários comitês espalhados pelo Brasil com o apoio da Igreja Católica.

Na época, havia apenas dois partidos legitimados pelo governo. A Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava a ditadura e tinha maioria no Legislativo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que fazia oposição. O texto aprovado não possibilitou a imediata libertação de todos os presos políticos, já que não anistiava presos condenados por atos terroristas, assaltos e sequestros. Dessa forma, a anistia beneficiava, além das vítimas do golpe militar, militares responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos de opositores do regime. Ao contrário de países que também viveram sob ditadura, como a Argentina e o Chile e que julgaram os torturadores, no Brasil, até hoje, apenas o militar Carlos Alberto Brilhante Ustra foi processado por crimes de tortura. Esse formato ficou conhecido como “autoanistia”. A oposição, queria anistia ampla, geral e irrestrita.

Mais sobre a Lei

Cerca de 16 mil brasileiros recebem algum tipo de reparação através da Lei da Anistia, que abrange o período que vai de 1961 a 1979. Muitos já morreram e os viúvos recebem o benefício. São dois tipos de concessão. Um, de prestação continuada com valor máximo de seis mil reais. Outro, de pagamento único com teto de 100 mil reais. Eles são pagos a pessoas que sofreram perseguição política, banimento, tortura, por exemplo. Cerca de mais 10 mil processos ainda estariam, segundo o Comitê Brasileiro pela Anistia, no Ministério da Justiça para julgamento da concessão. Esses processos beneficiariam civis, militares, índios e lavradores, por exemplo. Muito além dos números, existem histórias de civis, indígenas, camponeses e militares que perderam direitos, família, trabalho, foram torturados, assassinados e muitos desaparecidos até hoje.

O seminário

9h

Abertura

Presidentes da CLP e CDHM, Leonardo Monteiro (PT/MG) e Helder

Salomão (PT/ES) e presidentes de centrais sindicais.

10h

Painel “ Justiça de transição e Direitos Humanos”, com Eneá de Stutz e Almeida, ex-conselheira da Comissão Nacional de Anistia; Vitor Mendonça Neiva, Conselheiro representante dos anistiados na Comissão de Anistia;- Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão; Felipe Santa Cruz Oliveira Scaletsky, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil; Emiliano José, jornalista e escritor; Nilmário Miranda; ex-presidente da CDHM e ex-preso político e João Vicente Goulart, presidente do Instituto João Goulart.

13h30  

Painel “ Greve como referência para a anistia”, com Glauber Braga (PSOL/RJ); – Prudente José Silveira Mello ; ex-conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; Luciano Campos, da Associação Brasileira dos Anistiados Políticos do Sistema Petrobras e Demais Empresas Estatais (ABRASPET); Aleinaldo Silva, representante dos Petroquímicos; deputado federal Vicentinho (PT/SP); Paulo Bezerra, da Associação dos Anistiados e Aposentados e Funcionários dos Correios e Telégrafos do Estado de São Paulo (AACETESP); Aderson Bussinger da OAB do Rio de Janeiro.

15h20

Painel “Mortos e Desaparecidos”, com Helder Salomão, presidente da CDHM; Irene Gomes, advogada; Joviniano Neto, da Associação Tortura Nunca Mais; capitão Wilson Silva , da Associação dos Militares Anistiados (AMPLA).

16h10

Painel “Movimento estudantil ontem e hoje!”, com Érika Kokay, vice-presidente da CLP; Lahis Rosa, ex-integrante da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.; José Geraldo de Sousa Júnior, ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) e Mateus Gambra, professor da UnB.

1979, um ano pop

Naqueles dias de abertura “lenta, gradual e segura”, a televisão brasileira vivia momentos de expansão. A TV Bandeirantes tinha entre as atrações Chacrinha e Hebe Camargo. Na Globo entrava no ar o seriado “Malu Mulher”, em que pela primeira vez se falava em emancipação feminina. Surgia o SBT com o “Programa Sílvio Santos”, com o dono da empresa e Carlos Imperial. Foi, porém, o último ano da lendária TV Tupi.

No cinema, Cacá Diegues preparava a estreia de “Bye, Bye Brasil” e entrava em cartaz “Quem Matou Lúcio Flávio”, de Antônio Calmon.

Nas rádios, o som era “Lua de São Jorge” de Caetano Veloso, “Realce” de Gilberto Gil e “Explode coração” com Maria Bethânia. Nas pistas, o ritmo mandava abrir as asas, soltar as feras e cair na gandaia com “Dancin’ Days” das Frenéticas.

Também teve Fernando Gabeira de sunga rosa de crochê nas areias escaldantes de Ipanema, a entrevista de um líder sindical chamado Lula nas páginas da Playboy e Eunice Michiles (PDS/AM) como a primeira senadora brasileira.

“a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”

Pedro Calvi / CDHM

Fontes: Comitê Brasileiro pela Anistia /Governo Federal/Memória Globo

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Redação Agência Brasil

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