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Toggle* Atualizado em 29/04/2022 às 13h43
Selésio P. Figueira Jr, 33 anos, pai de duas filhas que trabalha atualmente como socorrista mecânico, fora de sua área de formação como bacharel, acredita que as novas relações entre patrões e empregados apresentadas pela reforma trabalhista de 2017 têm impactado de maneira negativa o mercado, deixando os trabalhadores mais enfraquecidos.
No seu caso em particular, ele afirma que deve perder o emprego formal em breve. Vítima de um acidente de trabalho há alguns meses, ele diz que só não foi demitido ainda porque seu empregador está aguardando o prazo de um ano após sua retomada das funções para tirar a CLT. A partir daí, terá que buscar outra vaga ou aceitará continuar no trabalho sem o respaldo da carteira, o que ele lamenta, apesar do relacionamento relativamente bom com o patrão.
“Mesmo que a gente tivesse uma relação de mil maravilhas, ele já falou que não tem condições de bancar os direitos trabalhistas todos e, por isso, teria que tirar a carteira de trabalho e tudo mais. Se não, ele não conseguiria sustentar a empresa”, disse ele à Sputnik Brasil.
“Segundo o patrão, quase 90% dos funcionários passaram por esse processo. Ele deve ter uns 25 ou 30 funcionários.”
Foto: USP Imagens/Marcos Santos
A verdade é que, no momento, não há "iniciativas claras de estímulo à economia" no governo Bolsonaro
Também crítico da reforma e da postura mais dura do governo passado e do atual em relação aos trabalhadores, *Ítalo Bastos, 40 anos, ex-funcionário do ramo alimentício, afirmou que seu antigo empregador passou a adotar uma série de medidas maléficas a seus funcionários após o início desse período que muitos especialistas descrevem como de precarização do mercado.
“Cortou pessoal e sobrecarregou os funcionários. Cortou manutenção de equipamentos, material, ar condicionado. Dependendo da função do funcionário, ele não tirava hora de almoço, porque não tinha outro pra suprir”
Dados oficiais indicam que mais de 500 mil pessoas deixaram de trabalhar com carteira assinada ao longo dos últimos dois anos no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 13,4 milhões de pessoas se encontram sem trabalho atualmente no país, enquanto a taxa de subutilização da mão de obra bate recordes históricos, em 25%, atingindo 28,3 milhões de pessoas.
Para o professor Wilson Amorim, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, não há como esperar crescimento de vagas de trabalho no país sem que ocorra, antes, um crescimento econômico. Ele explica que embora a reforma de 2017, de fato, tenha facilitado as contratações de mão de obra em algumas modalidades, esses novos empregos prometidos não apareceram porque o cenário continua adverso.
“De 2014 até agora, o Brasil está saindo de uma recessão, mas muito lentamente. Já há questionamentos em relação à própria saída dessa recessão no ano de 2019, dado que as projeções econômicas estão apontando para menos de 1,5% de crescimento do PIB para esse ano”, disse o especialista à Sputnik Brasil.
De acordo com Amorim, o governo atual, do presidente Jair Bolsonaro, colocou praticamente todas as suas fichas da economia em duas apostas: reforma da previdência e políticas liberais. Mas a verdade é que, no momento, não há “iniciativas claras de estímulo à economia”.
“Nós não temos uma sinalização de que vai haver uma reativação da indústria, de segmentos favorecidos, digamos, para exportação, não há um desenho muito evidente e claro de uma nova política comercial brasileira no que se refere a commodities… Enfim, o governo não revelou ainda à sociedade, digamos, os planos mais elaborados, com metas de curto, médio e longo prazos, que viessem a reverter essas más expectativas em relação ao crescimento da economia que são visíveis agora, em meados do ano de 2019.”
Após trabalhar por 11 meses de carteira assinada em uma empresa de comunicação, a jornalista de 24 anos *Juliana Rosa foi demitida no final do ano passado, um mês depois de se formar na faculdade, conseguindo rapidamente uma vaga temporária em outra companhia, sem vínculos. Desde março, está correndo atrás de um novo emprego, mas o cenário, revela, é desanimador.
“Eu sinto bastante preocupação e medo com o aumento da taxa de desemprego, principalmente por fazer parte dela. Meus pais não têm uma renda mensal fixa e eu contribuía com parte das despesas da casa. É desesperador não ter como ajudar, não saber como vai ser no mês que vem. Essa incerteza dá medo”, desabafou Juliana, explicando que a irmã também ficou desempregada. “Eu sou recém-formada e me sinto muito atrás nessa queda de braço por vaga que virou o mercado de trabalho. Já pensei em fazer outra graduação, em publicidade e propaganda, pra tentar conseguir estágio na área e, assim, ter a experiência mínima pedida pras vagas CLT. No momento, estou tentando me qualificar para a área de marketing com cursos online e gratuitos. Tenho visto muito mais oportunidades nessa área do que pro jornalismo de redação, que é o que tenho experiência.”
Do mesmo campo de atuação da jovem, Patrick Monteiro, de 29 anos, é mais um jornalista que está buscando no marketing alguma oportunidade de trabalho e crescimento. “Desempregado há um mês e meio depois de um ano e meio trabalhando em uma empresa que já havia trabalhado antes”, ele diz que pensa em usar sua experiência para expandir os horizontes profissionais e, talvez, assim, contornar a crise no mercado.
“Eu fico triste em ver que o número de desempregados cresce, mas fico mais preocupado com os números de desalentados, que reflete um número de pessoas que desacreditou no mercado por uma gama de respostas negativas passadas e uma perspectiva também negativa”, declarou Patrick. “Acho que nós não estamos bem atentos às novas relações trabalhistas atuais. Por mim, digo que não entendo de fato o que mudou, mesmo tendo lido matérias sobre”, completou.
Afinal, empregos voltarão a crescer?
Na última semana, a Fundação Getúlio Vargas divulgou um estudo mostrando que, no mês passado, o Indicador Antecedente de Emprego (IAEmp) do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) recuou 1,0 ponto, chegando a 92,5 pontos, o menor nível desde outubro de 2018. Após a terceira queda consecutiva, o indicador, que antecipa os rumos do mercado de trabalho no Brasil, acumula perda de 8,6 pontos. Já o Indicador Coincidente de Desemprego (ICD) subiu 0,7 ponto em abril, para 94,8 pontos, retornando ao nível de janeiro.
“Os primeiros resultados do segundo trimestre sugerem que os empresários continuam calibrando suas expectativas sobre a evolução do mercado de trabalho para os próximos meses. O desapontamento com o ritmo da atividade econômica em 2019 e o nível ainda elevado de incerteza no país contribuem para o retorno do índice a um patamar semelhante ao observado no final do período eleitoral do último ano”, afirma Rodolpho Tobler, economista do FGV IBRE, citado pela instituição. “A segunda alta consecutiva do ICD mostra que o indicador continua encontrando resistência em se afastar do patamar de 95 pontos. Mesmo considerando que as duas altas recentes ainda não foram suficientes para devolver as quedas ocorridas após o encerramento das eleições, o nível historicamente alto que o indicador se encontra ainda sugere que a recuperação do mercado de trabalho continua lenta.”
Uma recente pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelou que o índice de medo do desemprego aumentou 2,0 pontos entre dezembro de 2018 e abril de 2019, mantendo-se acima da média histórica, enquanto a satisfação com a vida dos brasileiros caiu 0,7 ponto, permanecendo abaixo da média histórica. Mas, segundo a confederação, os movimentos de piora nos indicadores são relativamente pequenos diante da grande melhora observada no final do ano passado, quando o medo do desemprego caiu 10,8 pontos e a satisfação com a vida aumentou 2,7 pontos. “Isso indica uma acomodação das expectativas em patamar melhor do que o que vigorava desde o início da crise até as eleições do ano passado. Por ora, não se pode afirmar que é o início de uma piora significativa no medo do desemprego e na satisfação com a vida, mas apenas possibilita inferir que não se iniciou um ciclo virtuoso de melhora contínua nas expectativas da população.”
De acordo com o economista da CNI Marcelo Azevedo, para os empresários voltarem a contratar, reduzindo de vez as taxas de desemprego, eles precisam ter certeza da necessidade dessa mão de obra e segurança de que ela continuará sendo utilizada, o que não vem acontecendo.
“Depois dessa forte queda do emprego, da atividade, a gente vê algumas oscilações”, afirmou em entrevista à Sputnik Brasil. “Não houve condições fortes o suficiente para que voltasse essa contratação de uma forma mais forte. Para que isso aconteça, é isso que tem que acontecer: o empresário tem que perceber um aumento das horas trabalhadas, um aumento da utilização das suas máquinas e uma expectativa de que isso se mantenha ou até acelere no futuro.”
Azevedo destaca que, apesar dos números pouco atrativos do mercado de trabalho, as expectativas continuam otimistas. Para que elas possam se traduzir em maiores contratações, ele aponta dois caminhos. O primeiro diz respeito a algum estímulo forte ao consumo, o que ele considera mais volátil. Já o outro seria melhorar a questão da competitividade da indústria, através de reformas.
“Melhorando a competitividade da indústria, mesmo com uma demanda fraca, a indústria brasileira poderia atingir um espaço maior da demanda, seja no mercado doméstico, seja no mercado externo”, disse o economista, explicando que isso traria mais segurança para o empresário contratar e até mesmo investir, dando início a um “ciclo positivo”.
Embora as capacidades para reverter a situação negativa do mercado de trabalho brasileiro estejam nas mãos do governo e dos empresários, os trabalhadores podem buscar alguma forma de se proteger dos efeitos dessa crise, conforme destaca o professor Wilson Amorim.
“A tendência para o futuro é você ter empregos cada vez mais demandantes de mais escolaridade, de mais qualificação. E embora esse quadro atual seja muito desfavorável aos trabalhadores, a busca pela qualificação não deve ser abandonada”, disse ele. “Para mais que isso, é pressionar, evidentemente, os governos, para que as políticas ativas de geração de emprego surjam. Isso significa estímulo a setores econômicos que sejam intensivos na ocupação e intensivos na contratação de trabalhadores — a construção civil normalmente atua nessa direção, a prestação de serviços em determinados seguimentos também —, para que os níveis de ocupação voltem a se elevar e a taxa de desemprego a cair.”
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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