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Enquanto indústrias brasileiras são destruídas, capital financeiro ignora mercado interno

O mesmo processo de desindustrialização ocorrido no Brasil ocorreu na Argentina. Agora ambos os países estão mergulhados numa crise abissal
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Fatos de destaque no jornalismo econômico da última semana foi a compra da gigante estadunidense Avon pela brasileira Natura, outra gigante que com essa aquisição, depois de já ter comprado a britânica e a australiana se torna a quarta maior empresa de produtos de higiene e beleza do mundo.

A JBS, depois de se transformar na maior comercializadora de carne bovina do Brasil, tornou-se também a maior do mundo comprando processadoras dos Estados Unidos e da Europa.

A Ambev, produto da fusão da Brahma com a Antártica, maior fabricante e vendedora de cervejas e refrigerantes do Brasil, saiu pelo mundo comprando gigantes como a Miller, dos Estados Unidos, e europeias como a Stella Artois transformando-se na maior do mundo.

O que nós temos com isso?

Há outros casos, mas esses três exemplos são paradigmáticos para ajudar a entender o que está acontecendo no Brasil, vítima da ditadura do pensamento único imposto pelo capital financeiro, ou, se preferirem, o capitalismo volátil de um cassino globalizado.

Essas empresas se transformaram em gigantes devido à grande força do mercado interno brasileiro e, principalmente, porque resistiram ao assédio, à ingente tentação do dinheiro fácil, que seria vender para as transnacionais e aplicar o dinheiro na ciranda financeira.

Esses exemplos são também o inverso da “normalidade”, que seria a Avon ter comprado a Natura, como foi o caso da Lacta, a maior produtora e comercializadora na linha de chocolates. Os bombons Sonho-de-Valsa,  Bis e Diamante Negro podiam ser comprados nos mais recônditos rincões do país, mas hoje quem agora lucra com isso, num enorme mercado consolidado, é a estadunidense Mendelez Internacional, que incorporou a Kraft Food que, com um punhado de dólares se transformou numa das maiores do mundo.

As áreas de produtos de limpeza; linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, utensílios de cozinha em geral); eletrodomésticos; indústria farmacêutica (de remédios); indústria química; indústria automotiva e indústria de peças para a indústria automotiva — como aquelas três empresas tomadas como exemplo —constituem o setor mais dinâmico da economia, que são os que produzem retorno mais rápido e mais alto ao investimento. Praticamente todo esse setor está desnacionalizado. 

Destrói o mito — que fez de Fernando Henrique um milionário — de que o país não tem poupança interna e precisa do capital estrangeiro para investir. A poupança interna de um país é proporcional ao poder de consumo de sua população. Assim de simples. Se não, por que os estrangeiros viriam pra cá?

Vejam: a Sadia e a Perdigão se fundiram para como gigante para poder enfrentar as transnacionais. A Bauducco e a Visconti seguiram o mesmo caminho. É a força do mercado interno que fez essa e as demais empresas prosperarem. Como dizer que não há capital? Capital é o mercado interno, caramba. Se não fosse, por que todo mundo quer comprar as empresas em liquidação?

Coisas simples assim são escondidas da população por governos, pelos meios de comunicação e pelas escolas, em todos os níveis — em que impera o pensamento único, acrítico e entreguista do neoliberalismo a serviço do capital financeiro e submisso aos ditames de Washington. 

Quanto mais emprego houver, maior será o poder de consumo, formando um círculo virtuoso de investimento-produção-consumo, que se traduz por desenvolvimento. Associado a um projeto de país e a uma estratégia que racionalize a utilização dos recurso e a produção dos bens, planejando a distribuição do trabalho entre os Estados e a região, de acordo com o potencial de cada um, teremos desenvolvimento e integração.

Por que não avançou o Mercosul? Exatamente porque as decisões não foram planejadas pelos Estados obedecendo uma estratégia. As iniciativas foram tomadas pelas corporações transnacionais. O mesmo processo de desindustrialização ocorrido no Brasil ocorreu na Argentina. Agora ambos os países estão mergulhados numa crise abissal. 

Que lição tirar desses fatos? 

José Mindlin, em 1951, fundou a Metal Leve, em sociedade com o alemão Ernest Mahle, que se transformou numa das maiores fornecedoras de peças para a indústria automobilística. Utilizava sua fortuna em benefício da arte e criou, junto com sua esposa Guita, uma das maiores bibliotecas particulares, com uma brasiliana hoje incorporada à Universidade de São Paulo. Em 1996, a Mahle Gmbh, de Sttugart, Alemanha, assumiu o controle acionário e a empresa mudou o nome para Mahle Metal Leve. O grupo possui várias fábricas no Brasil, Argentina, México, Estados Unidos, Europa, China, Índia e Japão.

A pergunta que fica no ar: o que leva acionistas majoritários de uma empresa lucrativa, com quase monopólio do setor de pistões e anéis para motores não só se desfazer como a desnacionalizar a indústria?

Em primeiro lugar, certamente, está a ausência de política industrial para o país, agravada com a submissão aos ditames do Consenso de Washington, que disfarçado de globalização levou à ditadura do capital financeiro e do pensamento único do neoliberalismo radical.

Em segundo lugar está o fato de termos uma lumpen-burguesia, destituída de sentido de pátria, deslumbrada com a riqueza fácil, que se julga raça superior e quer a nação subjugada a seus pés? Não se importa que a Nação exploda, já tem apartamento em Miami, Nova Iorque, Paris, onde seja.

Lumpen-burguesia associada à lumpen-aristocracia e a uma nova lumpen-plutocracia composta de intermediários de negócios com o Estado, cambistas, donos e executivos de financeiras e bancos, executivos das transnacionais, proprietários fundiários do agronegócio. Tudo isso associado às Forças Armadas transformadas em tropas pretorianas a defender os interesses do império sede do capitalismo volátil. 

Exemplo de lumpen-aristocracia é o “príncipe” Fernando Henrique Cardoso, teórico do entreguismo que iniciou o processo de desestatização da Petrobras ao colocar suas ações nas bolsas internacionais. Ações que, pulverizadas, poderiam ser adquiridas pelos trabalhadores brasileiros, mantendo a gestão estatal, sem ter que dividir lucros com estrangeiros.

A Petrobras corre sérios perigos nas mãos dos financistas que ocuparam os centros de decisões de do país, inclusive as estatais. Gasodutos, refinarias, terminais já foram vendidos e já anunciaram que querem se desfazer da rede de abastecimento de gasolina, os postos Petrobras espalhados por todos os rincões do país. 

Quem está na fila pra comprar esse filé Mignon? Claro, estatais como as francesa, inglesa, holandesa, italiana. Quer melhor negócio que esse?

Por tudo isso insistimos, reiteradamente, que o problema principal do Brasil de hoje é a questão da soberania. Reconquistar o poder de decisão sobre políticas principalmente nos setores chave para o desenvolvimento.

O maior desafio está em libertar-se da ditadura do pensamento único imposta pelo capital financeiro. Uma revolução cultural que faça os intelectuais, as universidades e os políticos a pensarem o Brasil.

*Jornalista editor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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