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Três momentos tétricos da “reforma” da Previdência comandada pelo "general" Maia

Vimos a presença da força do dinheiro, do capital financeiro mais que nada, do latifúndio e seus caloteiros profissionais
Bruno Beaklini
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Na noite de quarta-feira, 10 de julho, no plenário da Câmara dos Deputados comandado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), o país se viu diante de um saque.

A tal da “reforma” da Previdência (ou o extermínio da Previdência pública, quase isso) retira condições e direitos da população mais pobre, sem entrar nos elementos mais básicos da justiça fiscal. É como se estivéssemos no século XIX neste quesito, um Estado gendarme, o parlamento de classe e uma minoria reformista fazendo a oposição possível nas regras do jogo dos inimigos. O texto que segue não repete o que já vem sendo dito e repetido, de forma apropriada.

As palavras abaixo se dedicam a observar três elementos centrais nesta aprovação na Câmara. Há muito para fazer, uma imensidão para analisar e mais ainda para pensar e ajudar a construir formas de resistência. Modestamente nos somamos neste esforço.

Vimos a presença da força do dinheiro, do capital financeiro mais que nada, do latifúndio e seus caloteiros profissionais

Agência Câmara
O "general" do desmonte da Previdência, Rodrigo Maia (DEM) discursa e enaltece o "centrão"

“Reforma” da Previdência 1 – cidadão Kane do Bananistão. O PIG é o PIG

Chega a ser enfadonho o esforço absurdo da Globo em associar a tal da “reforma” da Previdência com o entusiasmo de “investidores”, o que não é verdade. O entusiasmo é dos especuladores, os que vão aplicar capital volátil. Quando escutam “gente especializada”, ouvem, por exemplo, a economista chefe da XP Investimentos. E a cabeça da matéria traz o tema do volume de pontos acumulados na BOVESPA. Não tem relação alguma, é tudo pura MENTIRA. 

O que está em jogo é o destino de fundos previdenciários para a gestão de carteiras privadas. O monstro mentiroso fazendo coro com Paulo Guedes repete a falsa promessa de “aumento da renda e do emprego”. É o inverso. A Previdência – segundo cálculos conservadores – equivale a cerca de 14%  do PIB. O gasto de carregamento da dívida pública e o montante diretamente colocado sob controle dos rentistas é cerca de 22% do PIB. Mesmo que a Previdência fosse deficitária, o que não é, seria menor do que o volume de recursos que o país coloca sob as fétidas axilas dos especuladores. 

Existe uma censura real nos grupos de mídia, onde não existe economia política e toda a política econômica fica subordinada aos enunciados dos especuladores. Não me canso de falar mal, mas realmente parece um tema de repetição sem fim da mesma mentira. Cidadão Kane a serviço da agiotagem com pessoa jurídica.

“Reforma” da Previdência – 2 – O falso “messias” no país dos Fariseus

O presidente Jair, o Messias dos Fariseus, Bolsonaro, foi à Câmara dos Deputados fazer proselitismo na manhã da quarta-feira, 10 de julho. A presença do mandatário foi num culto “evangélico”, que por sinal é o eufemismo para limpar o filme e a barra do neopentecostalismo. Na ocasião, o presidente disse que indicaria dois ministros para o Supremo e que um deles seria “terrivelmente evangélico”, citando a impagável ministra Damares, a campeã do furo e dos factoides criacionistas. 

Para além da folclorização, o tema é muito sério. Ao contrário da tradição da Igreja Católica, que maneja suas disputas na vida interna, o que há é uma concorrência pesadíssima entre as “empresas de exploração da fé alheia”, em que “igrejas” manifestam e praticam a Teologia da Prosperidade e capitalizam diretamente, na fonte, sem tributação, formando repetidores e mão de obra de extração de capital em menos de um ano e meio. 

Estas empresas modificaram o “mercado” da concorrência intra-pastores, alterando até a base de culto e teológica de igrejas protestantes tradicionais, como batistas, metodistas, presbiterianos, luteranos, dentre outras. Houve um comportamento de manada, tanto dentro dos centros de culto e captação de recursos como também na concorrência pelo voto vinculado à recomendação do intermediário da fé. Por isso o percentual de eleitores é tão grande e a bancada não cresce tanto: há uma maior concorrência para captar estes fiéis e seus votos. 

A pauperização vai ao encontro destas pregações e de suas estruturas não tributadas. Bolsonaro surfa na onda dos Fariseus e dos oportunistas de sempre.

“Reforma” da Previdência 3 – E os oficiais militares?

No Califado Abássida, o descendente de Harun Al-Rashid, o califa Al-Um’tasim (833-842) incorreu no mesmo erro que acelerou a decadência do Império Romano do Ocidente. Em Roma, a Guarda Pretoriana, supostamente a instituição que seria a última linha para defender o César, era seu maior fator de instabilidade. Resumindo, os pretorianos deram mais golpes de Estado do que defenderam o governo. No período Abássida, houve o mesmo movimento. A Guarda Turca (Ghulam), composta por povos islamizados túrquicos e não árabes foi o elemento central na repressão às revoltas provinciais. Esses soldados profissionais também foram utilizados para combater as pretensões das facções rebeldes (a shia). Mas, como é o senso comum entre historiadores do Mundo Árabe e Grande Mundo Islâmico, a Ghulam defendia a si mesma e depois ao Califado que se dizia servir. 

Qualquer semelhança entre as forças armadas latino-americanas não é nenhuma coincidência. A própria existência desta matriz prussiana, que separa oficiais e praças, impede que denominemos a Força Terrestre como Exército do povo.  Ainda assim é preciso reconhecer que o profissionalismo dos militares de alta patente do país é bem superior aos dos seus pares no Continente. Exagerando no exemplo, comparemos a ditadura militar no Brasil, Argentina e Chile. Todas as ditaduras foram igualmente criminosas, sádicas, desumanas, protofascistas e covardes.  Já no exercício de governo, o regime de exceção brasileiro foi mais organizado, industrialista e até nacionalista, conseguindo isolar a imagem castrense da opinião pública. Ainda assim, o tenentismo gerou um Poder Moderador de farda. No Chile, uma geração de economistas anti-povo (os Chicago Boys) e, mais recentemente, estamos diante de um estamento togado ou tenentismo jurídico, alinhado com as teses dos Estados Unidos. 

Em suma, trata-se de uma defesa estamental, onde vale primeiro o interesse pela hegemonia ou totalidade da corporação e em segundo plano a ideia de nação, país e Estado. Mais longe ainda, as ideias de povo, território e defesa da terra onde se nasce. 

Por isso e fatores correlatos, que a tal da “reforma” da Previdência não incluiu os oficiais militares e nem os de carreira (suboficiais e sargentos). Ou seja, todos os postos da reserva remunerada ficaram de fora da retirada de direitos e também obtiveram compensação direta no novo plano de carreira. Por que isolar o estamento militar? Qual o grande medo da democracia burguesa tutelada por tantos e também pelo generalato? 

Epílogo 

O que se viu no Congresso é o capitalismo como ele é. Em especial o capitalismo periférico com mentalidade colonial. Vimos a presença da força do dinheiro, do capital financeiro mais que nada, do latifúndio e seus caloteiros profissionais, das armas federais (pela ausência ou a pressão de policiais federais, da PF, PRF e SPF), das mentiras sistemáticas através da censura midiática (o anti-jornalismo, já que nega o contraditório no pensamento econômico) e da mistificação. Para culminar, a enxurrada de Fariseus que profanam o nome de Jesus, o revolucionário da Palestina que uniu o povo contra o Império Romano, operando como representantes de seus próprios interesses como controladores de empresas de extração de riquezas não tributadas. 

Combater tudo isso não é fácil, mas tampouco é impossível. Certamente a democracia caminha lado a lado dos direitos sociais e passa cada vez mais longe da política de profissionais sem controle direto de suas bases organizadas. A jornada é longa, do tamanho da tenacidade dos povos de Pindorama, Palmares e Canudos. 

*Bruno Lima Rocha (blimarocha@gmail.com / t.me/estrategiaeanalise) é pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política e professor nos cursos de relações internacionais, jornalismo e direito. Membro do Grupo de Pesquisa Capital e Estado (https://www.facebook.com/capetacapitaleestado/

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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