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"Não há déficit da Previdência, o que falta é a cobrança das grandes empresas devedoras”

Especializado em Direito do Trabalho e Previdência, Jean Martins discute principais diferenças entre o modelo público brasileiro e o privado chileno
Mariane Barbosa
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

“Não há déficit da Previdência, o que falta é a cobrança das grandes empresa devedoras. Há necessidade de uma nova política no modelo de pagamento”, esclarece o professor de Direito Previdenciário na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mestre em direito público e especialista em Direito do Trabalho e Previdência, Jean Carlos Barcelos Martins, que concedeu uma entrevista à TV Diálogos do Sul para falar sobre um dos assuntos mais importantes do momento.

“Em 2016, nós tivemos a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do orçamento da Previdência. Essa CPI relatou que não há déficit da Previdência. Já está determinado, no relatório que está no Congresso Nacional, que esse déficit inexiste”, lembra o professor.

Sobre a atual reforma da Previdência, que tramita no Senado após ter sido aprovada por maioria na Câmara dos deputados, Martins observa que, com a queda do sistema de capitalização, a maior mudança trazida pelo texto está na idade mínima para se aposentar, que saltou de 60 para 62 anos para as mulheres, e no tempo de contribuição, que é de 30 anos para elas e 35 para os homens.

Cursando doutorado na Universidade de São Paulo (USP), no Programa de Integração da América Latina (Prolam), Martins desenvolve um trabalho comparativo sobre as previdências no Chile e no Brasil e explica que as reformas na aposentadoria dos trabalhadores são discutidas desde os anos 1980, não apenas nos dois países em questão, mas em toda América Latina:

“‘Reforma da Previdência’ é um assunto cotidiano na nossa vida, não só no Brasil, mas na América Latina como um todo. Meu projeto é pesquisar essas reformas que começaram na década de 1980 e vão até hoje, nos anos de 2020, para entender o que aconteceu nesses 40 anos.”

Especializado em Direito do Trabalho e Previdência, Jean Martins discute principais diferenças entre o modelo público brasileiro e o privado chileno

Pxhere
Não há déficit da Previdência, o que falta é a cobrança das grandes empresa devedoras.

Capitalização chilena

No Chile, desde 1981, quando o país adotou um decreto assinado pelo ditador Augusto Pinochet (1915-2016), vigora o modelo de Previdência por capitalização individual e, no Brasil, adotamos o modelo de Previdência Pública por repartição coletiva, que são os dois modelos existentes em quase todo o mundo.

Sobre as principais diferenças entre os modelos, Martins menciona  que o gestor responsável pela Previdência, quando ela é pública, é o Estado, ele que “estabelece as regras, principalmente no que diz respeito ao valor do benefício, à forma como ele será pago, à fórmula desse benefício e como ele será aplicado e investido. Enquanto que na Previdência Privada, é o sistema econômico privado e financeiro que irá gerir essas regras”.

Ele exemplifica ainda que “no modelo público, os beneficiários vão receber uma parte de tudo aquilo que foi arrecadado coletivamente por todo mundo. No privado, o pagamento vem de uma conta individualizada e só o [montante com o qual o] trabalhador contribuiu,  e rendeu financeiramente, é que vai ser pago no futuro. O Estado não tem participação direta nesse processo”.

Questionado sobre o eventual  risco de os bancos que gerenciam a Previdência quebrarem, Martins observa que “em todos os modelos, a responsabilidade é do Estado, porque é ele que autoriza a criação dos fundos de Previdência (…) e é uma obrigação constitucional que os Estados e Municípios contribuam com ela”.

Outra grande questão destacada por ele é que a Previdência privada não tem garantias de valores, ao contrário da pública, que estabelece um mínimo e um máximo para os pagamentos. “Na Previdência privada, vai depender do quanto você contribuiu ao longo da sua vida, dos períodos contribuídos, de tudo o que foi investido e aplicado e do mercado financeiro. Caso ocorra uma crise financeira e econômica, você pode não ter investimentos ou rendimentos no futuro e isso é um problema que vem acontecendo no Chile.”

No Chile, uma pesquisa realizada em 2006, mostrou que no primeiro país a aderir ao modelo privado, apenas 40% da população estava coberta pela privatização, enquanto o modelo público abrangia 66%. 

“Mudou o sistema e diminuiu a quantidade de pessoas que esse modelo protegia”, observa. Além disso, os valores cotizados são insuficientes para garantir ao menos um salário mínimo para os homens e “para as mulheres é ainda pior, pois o valor do trabalho delas é diferenciado, o acesso ao mercado é diferente, então elas não receberiam nem a metade de um salário mínimo”.

A partir disso, em 2008 foi criado um novo sistema que, apesar de ainda ser privado, possui um “pilar social”, em que quando o trabalhador não atinge pelo menos o salário mínimo, o Estado complementa a renda.

“Toda a reforma tem um cunho de equilíbrio atuarial, quando aquilo que se arrecada não cobre o que se gasta, todos os países tentam justificar a reforma com isso”, explica Martins, “Mas passado 40 anos, [da reforma chilena] a OIT [Organização Mundial do Trabalho] lançou um relatório falando que todos os países que fizeram a transição para o sistema privado, estão tendo que reverter, porque todos os aspectos que tinham de positividade não foram atingidos”.

De acordo com o estudo da OIT, entre os países latino-americanos que reverteram o modelo, parcialmente ou totalmente, estão: Venezuela (2000), Equador (2002), Nicarágua (2005), Argentina (2008) e Bolívia (2009). “O relatório chega a uma conclusão de que, entre os países que privatizaram, só houve um aumento das desigualdades sociais e aumento da pobreza, uma segregação ainda maior nas questões de gênero e inclusão social, e existe uma alta taxa de custo pago pelos trabalhadores para as financiadoras. O que era tendente a chegar no desenvolvimento, não conseguiu.”

* Edição de Vanessa Martina Silva

Assista a entrevista completa no nosso canal do YouTube:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Mariane Barbosa

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