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90 anos da Era Vargas: elites brasileiras fracassaram ao apostarem nos EUA decadente

Na estreia do quadro “Dialogando Se Faz História”, Monica Bruckmann e Marco Aurélio Cabral Pinto debatem sobre o poder desenvolvimentista do Brasil
Mariane Barbosa
Diálogos do Sul
Franco da Rocha

Tradução:

Conhecido como “pai dos pobres”, Getúlio Vargas iniciou seu governo há 90 anos, deixando uma experiência muito bem sucedida de um projeto de desenvolvimento nacional marcado por sua habilidade de negociação com as grandes oligarquias do país. Mas, hoje, após quase um século, como podemos pensar o desenvolvimento do Brasil?

Para debater o tema, a TV Diálogos do Sul estreou o quadro “Dialogando Se Faz História” com os especialistas Monica Bruckmann, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Marco Aurélio Cabral Pinto, engenheiro elétrico com doutorado em Economia.

Nesta conversa, mediada pelo diretor-fundador da Diálogos do Sul, Paulo Cannabrava Filho, eles pontuam que as elites brasileiras não acreditam no poder desenvolvimentista que o Brasil possui, o que as torna atrasadas, sobretudo porque apostaram no país em decadência que é hoje os Estados Unidos.

Esta mesa foi organizada pela economista Ceci Juruá, que também organizou os próximos eventos Desenvolvimento, energia e petróleo no Brasil e Era Vargas: Estado Novo e Estado Desenvolvimentista, que ocorrerão nos dias 8 e 16 de dezembro, respectivamente, sempre às 17h.


Era Vargas

Marco Aurélio explica que Getúlio chegou ao poder em um momento em que havia tensões muito grandes entre as elites regionais brasileiras, tensões essas observadas por Cannabrava como fundamentais para a “Revolução de 1930”.

“O que existia naquele momento eram relações bilaterais entre o dominador estrangeiro e grupos oligarcas regionais fornecendo os produtos primários brasileiros”, ressalta.

“De certa maneira, já mostram ali as tensões entre um Brasil Fazenda, a sua macroeconomia, a sua relação com a banca internacional, as suas contradições e fragilidades e, do outro lado, um caminho absolutamente ousado, mas que parecia promissor”, diz o professor de economia. “Parecia que conseguiríamos reunir as condições e Getúlio cria esse caminho. Ele é o elo político que permite que nós passemos a trabalhar um pouco mais juntos”.

Marco explica que, com Getúlio, havia um projeto econômico muito claro, que contemplava, inclusive, um desenvolvimento tecnológico. “Talvez o vale do silício não ficasse tão longe do modelo que foi proposto naquela ocasião no início do século”, afirma.

“Getúlio olhava para trás e percebia que aquela grande crise internacional era praticamente como um caminho para a gente ousar”, diz, ao ressaltar que essas “ousadias” sempre foram muito pontuais e bem construídas. “Ele sempre foi um homem muito negociador no que se refere às relações internacionais.”

Na estreia do quadro “Dialogando Se Faz História”, Monica Bruckmann e Marco Aurélio Cabral Pinto debatem sobre o poder desenvolvimentista do Brasil

Reprodução
Conhecido como “pai dos pobres”, Getúlio Vargas iniciou seu governo há 90 anos.

Elites do atraso

Já a professora Monica Bruckmann explica que, naquela época, as mesmas questões sobre soberania e integração, que estão em pauta hoje, eram colocadas. 

“O grande desafio era a própria integração do território brasileiro e nós estamos vivendo esse momento depois de termos experimentado o processo de grande riqueza da integração regional”, diz.

Monica traz o debate para a perspectiva não só brasileira, mas da América Latina como um todo ao explicar a importância das matérias primas que existem na nossa região, realçando a urgência de projetos em parcerias regionais.

“A questão da desindustrialização se coloca como elemento central num contexto que a gente repete ao longo dos séculos. Essa divisão internacional do trabalho que condena a América Latina a esse papel primário exportador não só se mantém, mas se intensifica nos últimos anos”, diz a cientista política. 

“Para essa visão, a gente não precisa ter sequer universidade, porque eles sempre mandaram seus filhos estudarem no exterior, não precisamos ter desenvolvimento científico e tecnológico porque não precisamos de indústrias”, pontua, ao dizer que essa “visão atrasada” que se reproduz na América Latina até hoje “é a de um vendedor de bananas que exporta seu produto sem nenhum valor agregado”.

Independência ou morte

Monica também explica que os setores latinos que escolheram apostar no cavalo vencedor dos Estados Unidos “estão apostando em uma potência em decadência” que enfrenta hoje a eminência da China, o que tem gerado novas tensões e oportunidades no continente.

“Estamos reproduzindo as mesmas condições, de subordinados, com a China. E esse é um erro gravíssimo. O sistema dominante em vários países da América do Sul, representados por essas elites atrasadas, não tem projeto de soberania”, pontua.

Para a cientista política, uma das principais conquistas da América Latina nos últimos 15 anos foram os “avanços impressionantes” nos processos de integração. 

“Podemos dizer que nunca a América Latina teve tanta densidade de colaboração entre os países da região quanto tivemos nos últimos anos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), sem a participação dos EUA e do Canadá, o que mudava a perspectiva desse projeto de colaboração”, finaliza Monica.

E o Brasil?

Em tom pessimista, Marco Aurélio destaca que “enquanto as nossas elites não tiverem uma consciência nacional e não se unirem em favor de um projeto para o Brasil, eu não acredito nelas”. 

“A experiência recente infelizmente me fez ver que as nossas elites não estão preparadas para o Brasil, não merecem o nosso Brasil. A ingratidão da elite é muito superior que a capacidade dos brasileiros de formularem e apresentarem soluções”, defende o professor.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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