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Elite do Peru sonha com mix Milei-Bukele. Qual o erro nisso?

Classe dominante insiste em dizer que país está em guerra e evoca símbolos repressivos com o único fim de proteger os próprios interesses
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Há um tempo diversos segmentos da Classe Dominante têm se dedicado a pregar uma Mensagem de Guerra. Em um e em outro caso, acodem ao mesmo lema: “Estamos em Guerra”, dizem. Falam assim da guerra contra o terrorismo, contra o narcotráfico, contra a delinquência, contra a corrupção, e contra todos os males inerentes a uma sociedade capitalista em decomposição. 

Não têm mais imaginação que idealizar esta figura bélica à qual enfrentam munidos de um casco mágico e de armas de fogo por toda parte. Todos os expoentes desta teoria se sentem “comandantes” nesta guerra fictícia que porta uma mensagem subliminar que esconde o propósito de fazer uso da força para enfrentar qualquer situação que busque debilitar a presumida “governabilidade”. No fundo, se sonha em manter intangível o status quo e não prejudicar os interesses dos poderosos.

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Agora se pôs de modo – e por isso repetem como papagaios – uma espécie de adesão ao “modelo Bukele”. O elogiam como uma maneira de sustentar sua clarinada de guerra. Não sabem quem foi Bukele, antes de ser Presidente, nem têm ideia do que ocorreu em seu país em décadas. 

El Salvador viveu uma sucessão de governos reacionários e assassinos da qual formaram parte grupos de ultradireita, que conseguiram comprometer a Democracia Cristã em crimes abjetos. Para enfrentar essa situação, o povo tomou as armas e gerou-se assim um conflito que culminou 20 anos depois com acordos de paz alentados pelas Nações Unidas.

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Nessa aguda luta, Nayib Bukele foi um ativista do Farabundo Martí para a Libertação Nacional – FMLN – que o promoveu como prefeito de São Salvador em uma primeira gestão quando terminou a guerra que assolou o país. Houve – como se recorda – dois governos do FMLN que foram enfrentados pela reação e combatidos duramente pela administração americana. 

Para derrotar o governo salvadorense, os Estados Unidos usaram uma estratégia sinistra: juntou os delinquentes saídos de El Salvador que radicavam em Miami e os preparou para usá-los em enfrentamentos urbanos. Deu nascimento assim às Maras, convertidas em bandos delitivos extremamente cruéis. Preparadas, os fez retornar a El Salvador para que agissem. Os governos do FMLN não puderam fazer frente a essa estratégia e se viram debilitados. Desse fracasso, assomou Bukele.

Classe dominante insiste em dizer que país está em guerra e evoca símbolos repressivos com o único fim de proteger os próprios interesses

Fotos: Ilan Berkenwald e SoloFrank
Javier Milei e Nayib Bukele

Por isso se diz hoje que se trata de um enigma. Algumas vezes defende Cuba, sente-se identificado com a luta de outros povos; e outras, assume condutas ditatoriais que converteu seu país no Campo de Concentração mais extenso da América Central. Recentemente, saiu contra Dina: “A senhora não atende às necessidades de seu povo, mas sim o interesse dos ricos”, pareceu dizer-lhe na cara dura. E é que, em todo caso, Bukele não representa os interesses da classe dominante. 

As medidas que adota para enfrentar as Maras e suas ramificações parecem brutais, mas respondem a uma realidade concreta. Há que estudá-las e não “imitá-las” como pregam certos politiqueiros de nosso país. Enfrentar os desafios que enfrentamos, não passa por alentar uma ditadura, mas sim por afirmar um processo democrático. Diferentemente de El Salvador, onde a máfia está sendo reprimida e encarcerada, no Peru a máfia governa.

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Por isso é preciso ter cuidado quando se trata de definir políticas. A questão é que se costuma qualificar de delinquentes àqueles que não são. Acumulando contra eles acusações falsas e procedimentos perversos. Em geral, aqueles que agem assim são precisamente os delinquentes, que buscam encobrir suas próprias ações acusando seus adversários.

Que sentido teria colocar a máfia fujimorista, o APRA ou a ultradireita de Montoya e López Aliaga, como juízes com a possibilidade de “combater a delinquência”? Com segurança, a delinquência governaria, enquanto as prisões estariam povoadas pelos que lutam realmente contra a corrupção.

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Outra “mensagem” que busca alentar a direita mais reacionária é do argentino Milei. O endeusado caudilho gaúcho promete acabar com a cultura, com os programas sociais, com os projetos assistenciais e os serviços que o Estado brinda aos argentinos. E pretende mercantilizar tudo, estimulando os pobres a vender desde seus órgãos vitais, até seus filhos, para pagar o “direito” a viver.  

Comercializar tudo, impor a voracidade descomunal do mercado, assegurar a intangibilidade dos privilégios da classe dominante e descarregar com violência desenfreada os efeitos da crise capitalista sobre os ombros da população, constitui o sonho de Milei. E por isso há aqueles, desde aqui, que o aplaudem.

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Seu anseio é mimetizar as duas mensagens. Desenhar um Bukele para que reprima o povo, e um Milei para que o sugue. Dois em um, como o produto comercial em liquidação. Não será fácil para “os de cima” impor esse cenário. Não só porque o Peru é complexo e heterogêneo, mas sim porque ademais a delinquência não pode perpetuar-se como governo, nem oprimir impunemente a população. Por ora, terão que contentar-se com “Condecorar” a embaixadora USA pelos “serviços prestados” – a eles, obviamente.

Cedo ou tarde a história abrirá passagem. Não é que nos conta o Fundo Editorial do Congresso referido ao passado recente; mas sim aquela que responda realmente à dolorosa experiência de nossa pátria. 

Em se tratando de guerras, Mambrú poderá tocar tambores; mas o povo imporá a paz.

Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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