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“Em 2022 teremos uma das eleições mais sujas da história”, avalia Sergio Amadeu

Para o professor, Bolsonaro é o candidato preferido do Departamento de Estado dos EUA. Mesmo que Biden seja ligado à pauta ambiental, o deep state vai atuar para sua reeleição
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo

Tradução:

O ano é 2013. Denúncia do jornal The Guardian diz: “a Agência de Segurança Nacional dos EUA monitorou conversas telefônicas da presidente Dilma Rousseff, da chanceler alemã Angela Merkel e de outros 33 líderes mundiais, com base em documentos do ex-técnico da CIA Edward Snowden”. 

Corta para 2021. O jornal O Estado de São Paulo publica matéria informando que Mark Zuckerberg — CEO e criador do Facebook — foi incluído no processo sobre o escândalo da Cambridge Analytitica, empresa de marketing político britânica, acusada de usar informações da rede social para operar dados de 87 milhões de pessoas. Dessa forma, teria sido possível interferir em resultados eleitorais mundo afora, inclusive no referendo sobre o Brexit.

De 2013 a 21 o mundo deu tantas voltas que eleitores do Brasil chegaram a escolher um capitão expulso da caserna — após ser flagrado planejando explodir bombas no quartel para pressionar o aumento de seu soldo — presidente da República. O ex-capitão teve (e tem) na desinformação o alicerce de sua campanha. 

Para o professor, Bolsonaro é o candidato preferido do Departamento de Estado dos EUA. Mesmo que Biden seja ligado à pauta ambiental, o deep state vai atuar para sua reeleição

Montagem Diálogos do Sul
O Facebook incluiu o Brasil na categoria dos “países de risco” para a propagação de conteúdos tóxicos.

Campo Minado

No centro das operações de sua estratégia eleitoral estava o WhatsApp — como vem denunciando a Diálogos do Sul — ponta de lança do Facebook. Diante de provas e questionamentos, no dia da posse, a impoluta ministra Rosa Weber, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mesmo sem ter investigado nada, entregou o diploma de legalidade do golpe ao militar. 

Denúncias contra o Facebook dissecadas pelo consórcio midiático “The Facebook Papers”, integrado pelo New York Times, a CNN e o Washington Post, entre outros veículos — mostram o Brasil como um dos países mais à mercê do ódio na redes sociais. Não por acaso, o próprio Facebook inclui o Brasil na categoria dos “países de risco” para a propagação de conteúdos tóxicos.

Após processos eleitorais como os de Trump e Bolsonaro — regidos por algoritmos, plataformas digitais e dólares a rodo — prepare-se: o nível entrou chão adentro. A avaliação é do entrevistado Sérgio Amadeu da Silveira, sociólogo, professor da Universidade Federal da UFABC, um dos maiores especialistas em tecnologia da informação, concluir que 2022 será “uma das eleições mais sujas da história da democracia”. 

Afinal, o que esperar de um país cuja linha diplomática é o cinismo, dispara ele — ano após ano assistindo a maior potência militar e econômica da Terra usar a força para negar procedimentos éticos, democráticos e desrespeitar tratados internacionais contrários a seus interesses comerciais e expansionistas. 

Sujeitas a chuvas, trovoadas — e agora também tempestades de areia —  as peças se movem no tabuleiro eleitoral.  A tecnologia nunca foi tão decisiva. E traiçoeira, como se vê a seguir. 

Diálogos dos Sul: Usuários do Facebook não deveriam ser advertidos dos riscos que correm em termos políticos, econômicos e de segurança cada vez que entram nesta plataforma digital?

Sérgio Amadeu da Silveira: O Facebook alega que quando você aceita os termos de uso e a política de privacidade da plataforma ela já estaria dando informações suficientes às pessoas. Isso não é verdade. O termo de uso está cheio de linguagem publicitária e eufemismos. Então, sem dúvida alguma, os usuários não sabem, por exemplo, quais os experimentos que o Facebook realiza com eles. 

É sabido que a empresa realiza inúmeras pesquisas — não divulgadas — sem sequer pedir o consentimento para a sua realização. O Facebook é uma plataforma que deve ter sua conduta regulada democraticamente. Isso quer dizer: as sociedades democráticas precisam ter auditabilidade sobre esta plataforma. Que tenham condições de saber o que eles estão fazendo com os dados pessoais que coletam permanentemente dos usuários.

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Dá para crer na Justiça de um país que espiona o mundo por interesse geopolítico? Em 2015, grampos nos telefones de líderes das principais economias do mundo — como Dilma Rousseff e Angela Merkel — escancararam a espionagem ilegal dos ianques. 

O departamento de Estado dos EUA e suas agências — inclusive redes sociais — claramente utilizam empresas do País para obter dados de pessoas com cargos importantes em governos de nações onde querem manter controle. Nós vimos pela denúncia do [Edward] Snowden que eles espionam milhares de pessoas, o tempo todo, a partir de empresas de tecnologia norte-americanas. Tais empresas estão subordinadas à Lei de Defesa patriótica, o famoso “Patriot Act”. 

Cinismo Internacional

O ex-presidente Barack Obama (2009/2017) fez algumas alterações, mas não excluiu nada desta legislação. Até porque durante sua gestão tivemos uma série de avanços no serviço de espionagem — que inclusive causou uma perseguição totalitária, desumana, contra o líder do WikiLeaks, Julian Assange

Os EUA querem, de toda forma, trazê-lo para seu território e trancafiá-lo com penas longuíssimas. Mas o que fez Assange de tão terrível? Nada mais nada menos do que mostrar a truculência, a violência e os assassinatos políticos que o Estado norte-americano comete. Então, não dá para confiar nos EUA porque eles têm um projeto de poder. 

Isso já se mostrou em sua história, o país e se coloca à parte de procedimentos éticos, sem respeitar nem mesmo tratados internacionais. Então, os EUA têm uma prisão militar para tortura na baia de Guantânamo, em Cuba (criada por George W. Bush, em outubro de 2002). George Lagambe, autor do livro “Estado de Exceção” diz que se trata de “um não lugar, onde existe o ‘não direito’, onde ‘você não é acusado de nada, mas mesmo assim é preso, detido e torturado’. É um dos lugares do chamado “Estado de Exceção”. O cinismo é a linha principal dos EUA no contexto internacional. Mera atualização da velha Democracia do Tacape.

Desinformação Profissional

Crimes como estes — além de roubo e manipulação de informações pessoais, interferência política e comercial — não deveriam ser investigados e punidos por entidades supranacionais? Ou incomodados devem reclamar “ao bispo” em pleno século 21?

Essa pergunta é muito interessante, pois já há tratados internacionais a fim de coibir crimes contra a humanidade. Há tribunais, como o de Haia, as Convenções de Genebra, tem inúmeros tratados. Mas tais acordos não são respeitados por quem tem força político-militar, como os EUA. Esta é a realidade. 

Estamos vivendo um momento em que a consciência crítica aumenta nas diversas sociedades do planeta. Mas não conseguimos ainda criar uma estrutura internacional que consiga enquadrar os estados — exatamente porque eles têm em seus territórios a soberania plena. 

Os EUA mais do que isso, têm capacidade militar para destruir outros Estados. Eles fazem uso dessa “legitimidade” pelo uso da força. Foi assim quando eles destruíram a Síria com bombardeios. Promoveram uma série de ações, como financiar grupos terroristas. O próprio Talibã foi financiado pelos EUA, a Al-Qaeda, o Estado Islâmico. Se você olhar a história desses grupos — que depois se voltam contra os EUA — verá que eles tiveram financiamento da CIA e de outras agências. Estamos falando de um lugar onde a desinformação e o cinismo vêm de longa data nas relações internacionais.

Bannon Protege Bolsonaro

Já na época da eleição do capitão reformado até a mídia hegemônica noticiou informações falaciosas e incitadoras de ódio que inundaram a web. Mas a própria juíza Rosa Weber fez questão de atestar a lisura do processo, mesmo com as denúncias de empresas que disparavam ‘zilhões’ mentiras por minuto. Qual o papel de Steve Bannon e dos EUA na última eleição presidencial?

A questão é muito interessante, pois nas eleições de 2018 muitas pessoas receberam informações por disparos de Whatsapp de números telefônicos de fora do Brasil. 

Isso quer dizer que teve uma articulação internacional de apoio à candidatura de Jair Bolsonaro e tal articulação pode realmente ter envolvido Steve Bannon. Mas ele faz questão de ficar fora disso, não confirma nada. Principalmente pela situação em que ele se encontra hoje — como processado pelos próprios EUA. Isso comprometeria muito a imagem de Bolsonaro, já torpedeada por escândalos de desinformação. 

O fato é, se você der uma busca hoje, no Google, no Yahoo, em qualquer mecanismo de busca, perguntando por distribuição massiva de informações/disparos pelos Whatsapp, você vai ver inúmeras empresas, brasileiras e fora do Brasil que fazem isso. Elas buscam o mercado privado para chegar ao comércio ou prestação de serviços.

Isso continua a ser feito?

Mas aí que que está: a grande ação aconteceu em 2018 e continua sendo feita. Usa-se o Whatsapp business, dos empresários bolsonaristas, dentro e fora do país. 

Na época, na Justiça Eleitoral foram apresentados vários elementos que comprovavam a ação ilegal, criminosa, dentro do Whatsapp. Mas, sem dúvida alguma, o Judiciário não age especificamente com base na lei. Ele atua politicamente. 

O alegado é que a campanha de Bolsonaro — comitê formal — não teria praticado crimes. Eu duvido. Mas provavelmente no comitê registrado dele não se vá encontrar vinculação com disparos massivos. Isso porque os principais elementos de campanha eleitoral estão no comitê informal. E a Justiça Eleitoral analisa só as contas do candidato. 

E não a enorme rede de apoio — que no caso do Bolsonaro envolve o Gabinete do Ódio, as fazendas de cliques — empresas de bots, ou de números virtuais que fazem e compram empresas de software para disparo massivo utilizando Whatsapp business. 

Nada disso foi considerado pela Justiça Eleitoral. As provas estão lá no processo. Mas eles não consideram o momento político de cassar a chapa Bolsonaro-Mourão. E esse momento, quando se aproxima do ano eleitoral, estamos a menos de 12 meses da próxima eleição, ficaria extremamente complicado…

Entreguista raiz

Mas não ficou complicado soltar a denúncia vazia de Palocci perto da eleição, ou a gravação da presidente Dilma Rousseff falando com Lula sobre sua nomeação para o ministério… 

Bolsonaro e seus seguidores continuam fazendo suas práticas criminosas na rede e a Justiça eleitoral faz que não vê.

Estamos em pré-campanha. Mesmo que o ex-capitão não seja o ideal para os EUA, ele é “mais imperialista do que o Império”. Até hoje, ninguém foi tão longe. Corremos o risco de repetir a derrota do 2018? 

Não tenhamos dúvida de que Jair Bolsonaro é uma pessoa que organiza o poder no Brasil em função dos interesses dos EUA. Ele já disse isso. Chegou a falar que deseja trazê-los para fazer uma exploração na Amazônia. 

Mesmo antes de ser presidente, disse que a Amazônia deveria ser entregue para os EUA porque o Brasil não consegue cuidar dela. Ele faz isso ao mesmo tempo em que fala em proteger a região. Mas quem viu a reunião — quando Moro fazia parte do governo e o TSE permitiu acesso da imprensa — viu o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, futuro candidato ao Senado de Bolsonaro, dizer “onde passa um boi passa uma boiada”. 

Ele disse que era hora de destruir a legislação ambiental enquanto todo mundo prestava atenção na pandemia. Estamos falando de um presidente que é um entreguista. Que veio para destruir instituições que funcionavam e eram fundamentais no Brasil. Ele fez um corte de 92% nas verbas de Ciência e Tecnologia. 

Astronauta Pateta

Mas e o ministro da pasta?

Ele colocou um pateta — o astronauta Marcos Pontes, que vendia “travesseiros da Nasa” — pra ser ministro da Ciência e Tecnologia. Esse ministro não teve a ombridade de renunciar quando sofreu aquele corte de verba em sua pasta.

Vivemos uma situação extremamente dramática. E Bolsonaro não tem nada a apresentar a não ser a destruição do País, a desmoralização internacional. Mais de 600 mil mortes por omissão e corrupção na compra de vacinas. Então o que está acontecendo? Bolsonaro é o candidato preferido do Departamento de Estrado norte-americano. Porque eles não querem um grande país como o Brasil, com estabilidade política e econômica. 

Por mais que Joe Biden seja ligado a grupos ambientalistas, o Departamento de Estado e a CIA vão atuar para apoiar Bolsonaro. Eles vão fazer uma campanha de desinformação jamais vista. Porque Bolsonaro já está perdendo apoio e continua a perder. Ele está ilhado em um percentual que lhe permite ir para o segundo turno, mas incapaz de ganhar a eleição. 

Imagine o que ele vai fazer para poder resgatar os eleitores que votaram nele e não o querem mais. Vamos enfrentar uma das campanhas mais sujas da história da democracia no mundo.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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