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Em "A Montanha Mágica” Thomas Mann mostra importância da literatura para debater questões fundamentais da vida

A história de Hans Castorp se transformara num enorme romance de mais de 600 páginas; aquilo que seria uma obra cômica transformou-se numa transição histórica trágica
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

“A Montanha Mágica” é um romance intelectual, um romance de ideias, do tempo, da vida, da doença e a da morte. 

“Concebi-o, inicialmente, como uma sátira humorística, a atmosfera de morte e despreocupação”, que ele, Mann, vivenciara ao internar-se e à esposa por algum tempo no sanatório de Davos, em 1914, um pouco antes da Guerra.

“Seria uma viagem à decadência; contudo também a busca da ideia do homem, o conceito de uma humanidade futura que vivenciou o mais profundo conhecimento da doença e da morte” (Mann).

Em 1915, entretanto, Thomas Mann interrompeu seu trabalho, indeciso sobre a continuidade do romance. Com a derrota da Alemanha, principalmente com o morticínio da guerra, Mann se metamorfoseará em um cidadão e escritor democrata e pacifista convicto. 

“A Montanha Mágica” será concluída em 1925. A história de Hans Castorp se transformará num enorme romance de mais de seiscentas páginas; aquilo que seria uma obra cômica transformou-se numa transição histórica trágica. 

Hans Castorp visita o primo Joachim no Sanatório destinado ao tratamento de tuberculose, nos Alpes suíços; vitimado de uma simples anemia, Castorp vai aos poucos mostrando sinais de uma possível tuberculose e acaba estendendo sua visita ao sanatório por meses e anos.

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Nesse período Castorp, pouco a pouco, conquista o que ele chama de liberdade da vida normal. Desliga-se do tempo, da carreira, da família e é atraído pela doença, pela introspecção e pela morte. Ao mesmo tempo, amadurece e trava contato mais profundo com a política, a arte, a cultura, a religião, a filosofia, a fragilidade humana e com o caráter subjetivo do tempo (um dos temas mais importantes da obra) e com o amor por certos olhos quirguizes.

O sanatório é um microcosmo da Europa no pré e durante a Guerra. As numerosas personagens do livro são representações de tendências e pensamentos que lá predominavam. Settembrini (humanista e enciclopedista) e Leo Naphta (um jesuíta totalitário), encarnam a maior parte dos debates.

Mas passemos àquilo que denominamos as essências de “A Montanha Mágica”:

1.      Mas afinal, o que era o humanismo? 

Era o amor aos homens, nada mais, nada menos, e por isso mesmo implicava também a política, a insurreição contra tudo quanto mancha e desonra a dignidade humana. 

Haviam censurado ao humanismo o apreço exagerado pela forma, mas ele cultivara a bela forma por amor à dignidade humana, em esplêndida oposição à Idade Média, que vivia não somente entregue à misantropia e à superstição como também enfeada por uma ignominiosa falta de forma. 

O humanismo desde os seus inícios, defendera a causa do homem, os interesses terrenos, a liberdade do pensamento e o prazer de viver, opinando que o céu, por motivos de equidade, pertencia aos pardais.

2.      Sobre a natureza íntima do autor:

“Na minha natureza sempre houve certa inclinação para a seriedade e uma determinada antipatia contra manifestações robustas e barulhentas”. “Resquiat in pace me parece mais simpática que Vivat, crescat, floreat, com sua alegria ruidosa”.

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3.      Qual a importância de estarmos sempre a nos analisarmos psicologicamente?

A análise psicológica é boa como instrumento de esclarecimento e da civilização; é boa enquanto liberta, quando abala convicções estúpidas, dissipa preconceitos naturais e solapa a autoridade. É boa, em outros termos, enquanto refina, humaniza, enquanto prepara os escravos para a liberdade. 

É má, muito má mesmo, quando estorva a ação, quando prejudica as raízes da vida e se mostra incapaz de lhe dar forma. 

4.      Como encarar e honrar a morte?

A única maneira religiosa de encarar a morte é compreendê-la e senti-la como uma parte, um complemento, como condição inviolável da vida, ao invés- que seria o contrário de sadio, nobre, sensato, religioso –  separá-la da vida espiritualmente, de pô-la em oposição a ela e de usá-la como argumento contra ela. 

Os antigos adornavam os seus sarcófagos de símbolos da vida e da procriação, e até de símbolos obscenos. Eles sabiam honrar a morte, pois a morte é venerável como berço da vida, como regaço da renovação. Mas separada da vida torna-se um fantasma, um bicho-papão, coisa ainda pior. 

A morte como potência espiritual independente é sumamente devassa, cujo atrativo perverso é, sem dúvida, muito forte, e seria, também sem a mínima dúvida, a mais horrorosa aberração do espírito humano querer simpatizar com ela. 

A morte dissolve e redime, traz a redenção, mas não a redenção do mal, mas a redenção pelo mal. Dissolve a ética e a moralidade, redime da disciplina e da moderação, liberta para a volúpia.  

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5.      E o que fazer com o tempo? 

Alguns dizem que é enfadonho esperar o tempo passar, mas que ao mesmo tempo é mais propriamente divertido, porque assim devoramos quantidades de tempo sem as viver e explorar enquanto tal.

No entanto, Mann recomenda evitar esse atoleiro, esta Ilha de Circe. “O senhor não é bastante Ulisses para habitá-la impunemente. Acabará andando de quatro patas, já está mesmo apoiando-se nas extremidades dianteiras. Daqui a pouco começará a grunhir. Cuidado! ”

A história de Hans Castorp se transformara num enorme romance de mais de 600 páginas; aquilo que seria uma obra cômica transformou-se numa transição histórica trágica

PxHere
A natureza não precisa de espírito. Ela própria é espírito.

6.      O tempo e o progresso.

Por outro lado, todo movimento é circular, tanto espacialmente quanto no tempo; é isso o que nos ensinam as leis da conservação da massa e da periodicidade. Será que se pode em presença de um movimento fechado, sem rumo constante, ainda falar de um progresso? Quando penso naqueles povos antigos, cheios de sabedoria… qual seria mesmo o significado do progresso?

7.      Qual a relação natureza, espírito e liberdade?

A natureza não precisa de espírito. Ela própria é espírito.

Já o espírito é dualista por natureza. E o dualismo é a antítese, o primeiro motor, o princípio passional, dialético e espirituoso. Todo monismo é fastidioso.

Acontece que o espírito nunca deve tornar-se o advogado da reação, pois é sempre o advogado da liberdade. 

E a liberdade é a lei do amor humano e não o niilismo e a maldade.

8.      Conhecimento, fé e razão.

Santo Agostinho disse: “Creio para que possa me conhecer”. 

A fé é o órgão do conhecimento e o intelecto é secundário. A ciência incondicional não passa de um mito. 

Há sempre uma fé, um conceito de mundo, uma ideia, numa palavra: uma vontade e cabe à razão explicá-la, justificá-la. 

9.      Verdade e Mentira.

O Verdadeiro é, quase sempre, o que convém ao homem. Nisso se acha resumida toda a natureza: em toda a natureza, apenas ele foi criado e toda a natureza foi feita só para ele. Ele representa e se sente, a medida das coisas e sua salvação é o critério da verdade.

10.  O que esperar das revoluções vindouras? A predição do surgimento do Nazismo.

Aquele que acredita que o resultado das revoluções vindouras será a liberdade, iludiu-se redondamente. O princípio da liberdade cumpriu o seu destino e chegou a ser antiquado nos últimos quinhentos anos. 

As organizações educadoras decidirão que, em realidade, qual deva ser o objetivo da pedagogia: a autoridade absoluta, a obrigação de ferro, a disciplina, o sacrifício, a renúncia a si próprio, o domínio da personalidade. 

Em última análise, tempos vindouros dirão que não ama a juventude quem pensa que ela sente prazer diante da liberdade. O que ela mais aprecia é a obediência.

Pois o segredo e a existência de nossa era não são a libertação e o desenvolvimento do eu. O que ela mais necessita, o que mais deseja, o que recriará- é o terror.

Afinal, a alma do Estado é o dinheiro! “O dinheiro será o imperador, uma profecia do séc. XI”.

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11.  Existem perspectivas futuras de um mundo moral?

O espírito é soberano, sua vontade livre é o que determina o mundo moral. De todo modo, as contradições podem se reconciliarem. Somente o meio termo e a mediocridade são irreconciliáveis. 

12.  Nossos sonhos.

Sou tentado a dizer que não extraímos os sonhos unicamente de nossa própria alma. Sonhamos anônima e coletivamente, embora de forma individual. 

A grande alma, da qual tu não és mais do que uma partícula, talvez sonhe às vezes através de ti, à tua maneira. Sonha com coisa que sempre lhe enchem os sonhos secretos: sua juventude, sua esperança, sua felicidade, sua paz e também sua ceia sangrenta. 

13.  Amor e morte.

A morte e o amor, não, isso não permite rima. O amor enfrenta a morte; só ele e não a razão inspira pensamentos bondosos. Também a forma também não consta senão de amor e bondade! 

Quero conservar o meu coração fiel à morte e, contudo, recordar-me claramente de que fidelidade à morte e ao passado é apenas malvadez, tenebrosa volúpia e hostilidade aos homens, quando determina os nossos pensamentos e atos de governo. Em consideração à bondade e ao amor, o homem não deve conceder à morte nenhum poder sobre os seus pensamentos.

Enquanto existimos não existe a morte e quando ela existe, nós já deixamos de existir; por conseguinte, não há, entre nós e a morte nenhuma relação real e ela é a única coisa que para nós não tem absolutamente nenhum interesse e que, quando muito afeta ao mundo e a natureza.

Finalmente, Thomas Mann destaca o efeito purificante e santificador da literatura, a destruição das paixões pelo conhecimento e pela palavra, a literatura como caminho à compreensão, a indulgência ao amor, o espírito literário como o fenômeno mais rico do ser humano em geral, o poder salvador da língua.

“A literatura não era outra coisa senão isso: a associação do humanismo com a política, associação que se realizava com a maior naturalidade, visto o próprio humanismo ser política e a política significar humanismo…”

Carlos Russo Junior, colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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