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"Erro de tradução": Zelensky alega ter pedido "sanções", e não "ataque" da Otan contra Rússia

"É muito importante quando se fala em inglês ou em ucraniano que a tradução seja a mais correta possível", disse o ucraniano à BBC de Londres
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em uma entrevista à BBC de Londres publicada na sexta-feira (7), tratou de esclarecer que não pediu à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que aplicasse um “golpe preventivo” contra a Rússia, ominosa declaração interpretada como “ataque nuclear” e que gerou na semana passada uma onda de insultos contra ele por parte de distintos porta-vozes oficiais em Moscou, que o chamaram de “monstro” e “moleque que quer destruir o planeta”.

O presidente ucraniano atribuiu tudo a um “lamentável erro de tradução ao inglês”. Já no mesmo dia, o secretário de imprensa de Zelensky, Serguei Nikiforov, disse que a fala de seu chefe foi mal interpretada.

Diante do escândalo que derrubou sua imagem como chefe de Estado, o mandatário ucraniano disse ao jornalista John Simpson, editor de assuntos mundiais da BBC, que se produziu “uma confusão” já que ele não se referia a “ataques nucleares”, mas a “sanções preventivas”. 

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Esta é sua explicação textual: “Quando disse ‘golpe preventivo’ em inglês, isto soa como ‘preventive kick’, não como ‘attack’. São coisas diferentes. Por isso é muito importante quando se fala em inglês ou em ucraniano que a tradução seja a mais correta possível porque logo os russos se aproveitam disso, como agora”. 

Zelensky recordou que antes que começasse a invasão falou de “golpes preventivos”, de “antecipar as sanções”. Depois de 24 de fevereiro, apontou que “a sociedade europeia, a da Grã Bretanha em primeiro lugar, e Estados Unidos reconheceram que “tínhamos razão e deveriam ter reagido, implantar sanções, aplicar golpes preventivos”, para que a Rússia não se atrevesse a começar a guerra. 

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“Agora – sustenta – os russos traduziram minhas palavras como mais lhes convinha e as repetem por todos os lados. E eu tinha em conta “sanções”. Se eles disseram “armas nucleares” ou inclusive só pensaram (nessa possibilidade), os senhores devem implantar. Os senhores têm preparado um pacote de sanções em matéria nuclear, a Europa pode fazê-lo, por exemplo, depois dos russos ocuparem nossa central atômica (de Zaporíjia). Isto é muito perigoso. Isso é o que tenho em conta”. 

De acordo com Zelensky, a Rússia “não sabe se vai usar ou não suas armas nucleares” e acredita que “até falar disso é perigoso”. Por isso, insistiu em se justificar: “afirmei que os senhores têm que dar golpes preventivos, não ataques (nucleares)”.

O presidente ucraniano também enfatizou que seu governo “não teve nada a ver com o assassinato de Daria Dugina”, contra argumentando o que publicou recentemente o Washington Post, citando uma fonte anônima da Agência Central de Inteligência (CIA).

“Quero dizer à população russa: nós não somos terroristas, não começamos esta guerra. Eu o disse antes e o repito agora. Ao longo de três anos de minha presidência propus iniciar o diálogo, busquei a possibilidade de falar com o presidente Putin, mesmo que fosse por telefone, ele recusou tudo”, assegurou. 

E agora, assinala Zelensky, lhe “importa muito pouco o que Putin vai fazer” depois da “vitória da Ucrânia”, cuja primeira meta “é restabelecer as fronteiras que havia até 24 de fevereiro”, mas a guerra seguirá “até que consigamos recuperar todo o território que tínhamos em 1991, com o Donbass e a Crimeia incluídos”.

"É muito importante quando se fala em inglês ou em ucraniano que a tradução seja a mais correta possível", disse o ucraniano à BBC de Londres

Reprodução Instagram
Presidente ucraniano também enfatizou que seu governo “não teve nada a ver com o assassinato de Daria Dugina”




Prêmio Nobel para opositores de Putin

Pelo segundo ano consecutivo, o Prêmio Nobel da Paz – desta vez compartilhado entre o advogado bielorrusso Ales Bialiatski e a organização ucraniana Centro das Liberdades Civis – recaiu na última sexta-feira (7) em outro representante da oposição ao Kremlin, a organização não governamental Memorial que, depois de ser obrigada a trocar de nome duas vezes, promove na Rússia a defesa dos direitos humanos.

Criador do centro de direitos humanos Vesna (Primavera) na Bielorrússia, Bialiatski desde junho de 2021 se encontra em prisão preventiva, à espera de ser submetido a julgamento acusado de “apropriar-se de uma forte soma de divisas (cerca de 90 mil euros)”, pela qual poderiam condená-lo a 12 anos de prisão. 

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Ele era um dos membros do Conselho de Coordenação da oposição bielorrussa e junto, com outros nove integrantes, também presos, sofre perseguição por encabeçar os protestos pacíficos que levaram às ruas centenas de milhares de pessoas pela fraude nas eleições de 2020. 

Bialiatski já havia estado preso de 2011 a 2014 por suposta “evasão fiscal”, condenação que as principais ONGs internacionais qualificaram de “infundada e politicamente motivada”. A oposição bielorrussa o considera “preso de consciência” e todo um símbolo da luta contra o governo de Aleksandr Lukashenko.


Registrar crimes de guerra, seu trabalho

O Centro das Liberdades Civis surgiu em 2007 com a finalidade de “defender os direitos humanos e consolidar a democracia na Ucrânia”, diz eu seu programa fundacional, que proclama que “tem suas portas abertas para todas as pessoas que querem mudar o país, difundir os princípios dos direitos humanos, exercer controle sobre as autoridades e proteger os demais”. 

Desde 2014 se dedicou especialmente a monitorar os casos de violação dos direitos humanos na Criméia e, a partir do começo das hostilidades no fim de fevereiro deste ano, leva um registro detalhado do que chama “os crimes de guerra das tropas russas”. 

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Sua diretora, Aleksandra Matveichuk, publicou nesta sexta-feira no Facebook: “Agora falam os exércitos porque antes não se escutavam em nossa região as vozes dos ativistas dos direitos humanos… Se não queremos viver em um mundo onde fixa as regras quem tem o arsenal mais poderoso e não prevalece o direito, temos que mudar este estado de coisas”.

Memorial

Fundada no fim da União Soviética, ao calor da glasnost (transparência) do então presidente Mikhail Gorbatchov, o Memorial se deu a conhecer por seu pioneiro trabalho de tirar do esquecimento os nomes de milhões de pessoas, e suas histórias, vítimas da repressão estalinista. Após o colapso soviético, converteu-se em uma das principais organizações de direitos humanos da Rússia e, conforme se recortavam os espaços de liberdade, começou a sofrer as consequências de suas denúncias. 

Depois de uma longa batalha nas cortes de distintas instâncias, o Centro Memorial teve que acatar a decisão inapelável da Suprema Corte da Rússia que ordenou seu fechamento em dezembro de 2021 por se negar a se registrar no Ministério de Justiça como “agente estrangeiro”. 

Seguiu funcionando alguns meses sob um novo nome, Sociedade Memorial Internacional, até 28 de fevereiro do presente ano, quatro dias após o começo da invasão à Ucrânia, quando a mesma Corte Suprema da Rússia voltou a ditar sua liquidação. 

A notícia do prêmio tomou por surpresa a um grupo de membros da organização – que agora se chama apenas Memorial – os quais estavam a ponto de entrar na sala de um julgamento, no qual a corte Tverskaya de Moscou, horas mais tardes, deu a razão à promotoria geral da Rússia que quer confiscar o edifício, onde tem sua sede há décadas, por supostas “irregularidades”. O Memorial vai recorrer da sentença na seguinte instância.

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Yan Rachinsky, fundador e atual presidente do Memorial, declarou a um grupo de jornalistas que, depois de vários anos figurando nas indicações, não esperava a concessão do prêmio. 

“É toda uma surpresa e é preciso entender o que foi levado em conta pelo Comitê Norueguês (que nomeia o ganhador) ao dizer ‘centro russo Memorial’, mas creio que se referia a tudo o que foi e é o Memorial e isso, sem dúvida, é muito satisfatório. Me encho de orgulho e alegria por meus colegas, que trabalham em arquivos, em zonas de conflito, em comissões de observadores, em distintos rincões da antiga União Soviética”, disse o dirigente da organização premiada. 

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Para Rachinsky, “neste momento depende muito da sociedade civil na Rússia, entre outras coisas, resolver a situação atual para pôr fim ao derramamento de sangue, creio que é o que opina a comunidade internacional”.

Desde que no ano passado se concedeu o Nobel da Paz ao jornalista Dimitri Muratov – pela terceira vez um russo, depois de Andrei Sakharov em 1975 e de Mikhail Gorbatchov em 1990 – o Kremlin prefere reagir através da televisão pública e dos deputados oficialistas, cuja tese principal de todos os comentários é que este prêmio “há tempo se politizou e carece de prestígio”.

Desta vez não é a exceção e já se conhecem as primeiras críticas de legisladores oficialistas, antes que chegue a hora dos programas vespertinos de televisão. Assim, o deputado Oleg Morozov, um dos dirigentes do partido governista, Rússia Unida, afirmou de imediato que “o viés político (deste prêmio) não só é evidente: é primário”. Segundo ele, “parece uma operação militar, na qual nosso adversário estratégico lança um golpe triplo contra nós desde a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia”. 

Serguei Ordzhonikidze, que de 2002 a 2011, de acordo com a quota da Rússia, ocupou o cargo de diretor da filial da ONU em Genebra com cargo de secretário geral adjunto da organização, arremeteu contra o Centro de Liberdades Civis da Ucrânia, ao qualificar de “burla” que se seja concedido o Nobel da Paz a uma associação, em sua opinião formada por ativistas que participaram em “numerosas violações dos direitos humanos” em 2014. 

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“O Comitê do Nobel sempre toma decisões politicamente motivadas e, neste caso, favoreceu a candidatos que advogam por derrocar os governos da Rússia e da Bielorrússia…”, apontou o ex-diplomata russo. 

Por simples coincidência, de Genebra chegou a notícia de que a ONU aprovou com 17 votos, 24 abstenções e 6 votos contra que se institua o cargo de relator especial sobre os direitos humanos na Rússia, petição que foi formulada há alguns meses por 22 ONGs russas. É a primeira vez que isto sucede em relação a um membro permanente do Conselho de Segurança.

70° aniversário

Com tudo isso, o presidente Vladimir Putin está celebrando seus 70 anos de idade. 

O Escritório da Presidência recomendou aos governantes das entidades federais a não organizarem nenhum ato oficial com esse motivo privado, mas não pôde evitar que se tornassem do domínio público alguns dos presentes mais insólitos que recebeu o festejado em sua residência marítima, o Palácio de Konstantin em São Petersburgo, onde foi realizada uma cúpula informal de países ex-soviéticos que integram a Comunidade de Estados Independentes. 

Surpreendeu a todos o presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, que o presenteou com “um trator Belarus, o melhor, armado à mão, igual ao meu”, comentou à agência de notícias Belta. Não foi diferente seu colega do Tajiquistão, Emomali Rajmon, que mandou colocar junto à porta do Palácio duas enormes “pirâmides” de melões e melancias. 

Por telefone, felicitaram a Putin os presidentes de Cuba, Miguel Díaz-Canel, Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e África do Sul, Cyril Ramaphosa.

Outros preferiram o telegrama de felicitações, como o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, que escreveu na sua mensagem: “O senhor conseguiu êxitos maravilhosos na grandiosa tarefa estratégica de construir uma Rússia forte e goza do respeito e apoio de amplas massas”. 

Kiril, Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, desejou a Putin “que Deus o abençoe e lhe dê saúde e muito anos mais à frente da Rússia”, além de exortar os crentes a rezar dois dias seguidos por “nosso grande chefe de Estado”.

Juan Pablo Duch, correspondente do La Jornada em Moscou.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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