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Espanha e Marrocos bloqueiam jornalistas e ocultam evidências de massacre em Melilla

Apesar dos vídeos e imagens da violência ocorrida na madrugada da última sexta-feira (24), o que aconteceu nas horas posteriores não é revelado
Juan Pablo Duch
La Jornada
Madri

Tradução:

A lei do silêncio se impôs em torno da tragédia na fronteira de Melilla, tanto na Espanha como no Marrocos. E mais ainda, o regime proibiu jornalistas, curiosos ou voluntários de se aproximarem do hospital e da morgue da cidade marroquina de Nadar, onde algumas testemunhas advertem que o “odor a cadáver é insuportável”. 

Dois dias depois da tentativa de entrada massiva e da brutal repressão exercida pelas polícias do Marrocos e da Espanha, não se sabe quantos faleceram, quantos estão à beira da morte ou quantos continuam hospitalizados. 

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As organizações não governamentais que trabalham na zona advertem que a cifra de mortos crescerá. Inclusive o Coletivo Caminando Sin Frontera, em entrevista à Rádio Nacional da Espanha, asseverou que há pelo menos 45 mortos. 

Apesar de haver vídeos e fotografias sobre o drama ocorrido na fronteira de Melilla durante a madrugada de sexta-feira, o que sucedeu em horas posteriores é mantido em segredo. Várias ONGs denunciaram o suposto plano secreto de governo marroquino de enterrar os mortos em um lugar desconhecido, sem informar ninguém, nem sequer os familiares, e sepultá-los em uma fossa comum. 

O segredo aumenta se alguém tenta conhecer a situação clínica dos feridos; o cordão policial ao redor do hospital e do necrotério impede que se acerquem jornalistas e curiosos, e tampouco se conhece o paradeiro das centenas de migrantes subsaarianos que foram detidos em condições infra-humanas e durante horas na zona fronteiriça. 

A Associação Marroquina de Direitos Humanos de Nadar assinalou que, segundo seu informe, ainda não foram realizadas as autópsias dos cadáveres e que, portanto, não foi emitida a ordem de abertura de uma investigação oficial. O que puderam constatar seus voluntários é que há “pelo menos 15 cadáveres atirados no chão da rua do hospital de Nador, cheirando mal, há muito sangue e o depósito de cadáveres da morgue se encontra saturado”.

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Isso explica que quase ninguém acredite na versão oficial que aponta 23 mortos. Também foi informado que a polícia marroquina realizou um novo operativo anti-imigrantes na cidade de Ceuta, onde teriam sido detidas 59 pessoas e que se desconhece seu paradeiro.  

Apesar dos vídeos e imagens da violência ocorrida na madrugada da última sexta-feira (24), o que aconteceu nas horas posteriores não é revelado

Twitter | Reprodução
As organizações não governamentais que trabalham na zona advertem que a cifra de mortos crescerá

O governo espanhol, do socialista Pedro Sánchez, tampouco informou sobre os pormenores da intervenção. E ainda mais, depois do elogio à intervenção das polícias espanholas e marroquina na crise por parte do mandatário, no Partido Socialista Obrero Espanhol, sua formação política, cerraram fileiras. Enquanto isso, no interior do seu sócio de governo, Unidas Podemos, houve algumas reações críticas, quase todas suaves, como pedir que se abra uma investigação para que se depurem responsabilidades, ou assinalam que o que aconteceu em Melilla “é uma vergonha e nos embaraça”. 

O governo de coalizão, ao chegar ao poder, há quatro anos, se comprometeu a eliminar as valas fronteiriças de Ceuta e Melilla, que estão eletrificadas e com arame farpado, mas não se fez nada a respeito. Ainda mais, a altura das valas foi incrementada em um par de metros e foi fortalecido o sistema de vigilância e detecção de “ameaças”. 

Enquanto que desde os partidos de oposição, encabeçados pelo Partido Popular, exigiu-se a abertura de investigação diante dos fatos mais trágicos da fronteira em décadas, além de que outras formações de esquerda e críticas ao governo, como a valenciana Compromís, exigiram a demissão do ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, e do Exterior, José Manuel Albares. 

Na crise também interveio a Argélia, cujo governo tem atualmente uma dura disputa com o espanhol e o marroquino pelo conflito do Saara Ocidental. Em um duro comunicado, Argélia qualificou o ocorrido em Melilla de “matança” e reclamou uma investigação internacional, já que “as imagens desta matança são extremamente impactantes; aportam informação sobre a brutalidade extrema e o uso desproporcional da força que são similares, dadas as circunstâncias, a verdadeiras execuções sumárias”. 

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Por sua parte, Bruxelas lamentou as mortes na fronteira de Melilla e denunciou o “assalto violento” à vala. “Esta tragédia põe de manifesto os motivos pelos quais necessitamos de vias seguras, realistas e de longo prazo que minimizem as viagens desesperadas e destinadas ao fracasso”, tuitou a comissário do Interior da União Europeia, Yvela Johansson.

Armando G. Tejeda, Correspondente de La Jornada em Madri
Tradução de Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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