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O acordo de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o governo colombiano já começou a causar impactos na Colômbia. Neste domingo (27) acontecem as eleições presidenciais e, pela primeira vez em décadas, a esquerda pode chegar ao segundo turno, com o candidato Gustavo Petro. Porém, diferente de outros países da região, as eleições colombianas são marcadas pelo assédio do paramilitarismo que ainda domina boa parte do território e, consequentemente, controla a votação.
Mariana Serafini, no Portal Vermelho
Para entender a complexidade deste processo eleitoral que representa um lufo de esperança no país marcado pela guerra de meio século, conversamos com o assessor de organizações indígenas e camponesas da Colômbia, Héctor Mondragón. Ele explica que há chances reais de Gustavo Petro chegar ao segundo turno, porém, as eleições colombianas são marcadas historicamente pela manipulação e ele avalia que esta não será diferente.
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“As eleições na Colômbia têm vícios essenciais, esta e as anteriores. Então quando falamos em eleições, não falamos apenas da disputa partidária, mas também da confiabilidade deste processo. É como se fossem eleições meramente formais para legitimar um candidato pré-estabelecido. Precisamos questionar o quão democrático é isso”, denuncia o especialista.
Segundo Héctor, não é segredo em território colombiano que os paramilitares controlam e dominam muitos colégios eleitorais. Tanto que, diversos esquemas de fraudes já foram comprovados pelo Ministério Público e o próprio sistema não é muito seguro. Diferente de outros países, para votar na Colômbia o eleitor não precisa nem assinar uma ata, muito menos comprovar sua presença com um controle digital, além disso, o voto ainda é exercido em cédulas de papel. As leis que exigiam a obrigatoriedade de assinatura e digitais foram, convenientemente, derrubadas.
Dito isso, fica fácil imaginar como o sistema pode ser burlado. Héctor denuncia que muitas regiões são completamente dominadas pelos paramilitares. Estes, além de coagir a população para votar em um determinado candidato, também dominam as listas e urnas da região e manipulam os resultados sem maiores dificuldades.
Ainda assim, a esquerda se submete ao processo eleitoral porque é a única forma de não morrer politicamente. Porém, além de concorrer na disputa, precisa também exigir investigações e denunciar as fraudes que costumam vir à tona depois que os candidatos responsáveis pela manipulação já foram empossados.
Héctor denuncia que, poucos meses após as eleições parlamentares de 2014, foram elucidados os esquemas de fraude utilizados pela direita para obter maioria no Senado. O Ministério Público admitiu que diversas listas de eleitores foram alteradas, mas os beneficiados não foram punidos, nem perderam seus mandatos. Isso acontece porque, nos colégios dominados pelos paramilitares, muitas vezes a população sequer chega à urna devido às ameaças. Sendo assim, as listas são preenchidas pelo próprio crime organizado, como se a população tivesse votado massivamente. Há ainda a fragilidade do sistema que, mais tarde foi comprovado, pode ser facilmente alterado por hackers através de mecanismos eletrônicos.
Além disso, há o peso da violência que assola os processos eleitorais colombianos. Atualmente, há pelo menos 5 milhões de pessoas deslocadas pela violência, destas, 500 mil estão fora do país.
É comum dirigentes sociais e até candidatos serem assassinados se representarem uma ameaça eleitoral real, foi o que aconteceu em 1990, quando três presidenciáveis foram mortos às vésperas da eleição.
Entre 1986 e 2013, foram assassinados três mil líderes de sindicatos e agora, depois que o processo de paz foi assinado, a violência contra dirigentes sociais aumentou porque não há mais a proteção da guerrilha em diversas regiões do país.
Assista também:
https://www.youtube.com/watch?v=DnQ4fFjsyxM&t=7s
De acordo com Héctor, é preciso sempre questionar os resultados eleitorais colombianos que, diferente de outros países, não têm confiabilidade. Porém, ainda assim, é importante destacar que a população está mais confiante e disposta a comparecer às urnas depois que o acordo de paz foi assinado, em 2016.
Nas eleições parlamentares realizadas em 11 de maio, a participação foi recorde. Isso mostra certa confiança e disposição em mudar este histórico de fraudes e manipulações.
Héctor está confiante que, no domingo, haverá ampla participação popular. A disputa está acirrada entre dois extremos:
De um lado está Iván Duque, que representa o setor mais reacionário da direita colombiana, ligado ao ex-presidente Álvaro Uribe e contrário aos acordos de paz. Uma das propostas dele, inclusive, é reverter este processo conquistado a duras penas depois de 50 anos de guerra.
Do outro, está Gustavo Petro, ex-guerrilheiro do movimento M19 e ex-prefeito de Bogotá, capital do país, que defende o acordo de paz e tem propostas econômicas bastante tangíveis de reindustrialização do país.
Com este discurso econômico, Petro está chegando em eleitores que antes a esquerda nunca conseguiu acessar. Héctor explica que os pequenos e médios empresários já sentiram no bolso os efeitos do acordo de paz e, com o fim da violência, acreditam que o candidato progressista é a melhor opção para seguir neste caminho de desenvolvimento econômico.
“Petro tem insistido que vai mudar o modelo econômico, isso também agrada aos pequenos empresários, porque o modelo neoliberal extrativista não contempla os pequenos produtores. Ele tem um programa de reindustrialização e por isso está chegando a setores em que a esquerda não chegava”, explica.
Segundo Héctor, outro ponto a ser destacado do programa de governo de Petro é a defesa da soberania alimentar. Hoje a Colômbia importa 85% do milho e 95% do trigo que consome. Famosa por ser um dos maiores e melhores produtores de café do mundo, até a bebida típica tem sido importada para consumo interno nos últimos anos. Então, as propostas relacionadas à soberania alimentar mobilizam os setores mais humildes, ao mesmo tempo em que ampliam o debate acerca da proteção dos povos originários e comunidades indígenas.
Apesar do histórico de violência, do sistema frágil, e das provas concretas de manipulações e fraudes eleitorais, a esquerda avança a passos largos no país. Em cidades onde historicamente Uribe sempre obteve maioria, Petro tem mobilizado multidões. Resta saber até onde a oligarquia e o paramilitarismo vão conseguir manipular o processo desta vez.