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Pepe Mujica e Yamandú Orsi (Foto: Yamandú Orsi / Facebook)

Esquerda caminha para retomar progressismo no Uruguai após desmonte de Lacalle Pou

Ator chave durante os anos da “maré rosa” latino-americana, o Uruguai estaria perto de fazer parte novamente do eixo progressista na região
Eduardo Garcia Granado
El Salto
Montevidéu

Tradução:

Ana Corbisier

O Uruguai terá eleições gerais em outubro de 2024 para renovar inteiramente sua Câmara de Representantes e seu Senado. Além disso, nestas eleições serão definidos o presidente e o vice-presidente do país para o período 2025-2030. Desde 2020, o Uruguai teve um governo de direita que fez uma série de reformas destinadas a destruir o que fora construído pela Frente Ampla desde 2004 nos governos de Tabaré Vázquez e de José Mujica.

Em um cenário político de menor efervescência que os de seus vizinhos, com a direita radical ainda abrigada em torno dos 10% dos votos e com um oficialismo desgastado apesar da imagem positiva do presidente Luis Lacalle Pou, a esquerda uruguaia dirige-se ao encontro com as urnas como favorita. Talvez não em primeiro turno, mas sim muito provavelmente no segundo turno de novembro, certamente a volta da Frente Ampla ao Executivo uruguaio parece um cenário possível. Yamandú Orsi e Carolina Cosse poderão ser os próximos presidente e vice-presidente do Uruguai, respectivamente.

O oficialismo do Partido Nacional

As eleições de 2019 delinearam um cenário peculiar no Uruguai. No primeiro turno de 27 de outubro, Daniel Martínez, candidato da Frente Ampla que tentava a reeleição da esquerda uruguaia à frente do governo, obteve 39% dos votos, à frente de Lacalle Pou, do Partido Nacional. Como o sistema eleitoral uruguaio só contempla a vitória em primeiro turno caso um candidato supere 50% dos sufrágios, o país se viu obrigado a um segundo turno. Nele, realizado em 24 de novembro, Lacalle Pou impôs-se com uma diferença de apenas um ponto e meio (algo menos de trinta mil votos) e foi proclamado presidente.

Não obstante, durante os quase trinta dias de campanha pelo desempate, a direita uruguaia executou um particular processo de unidade política informal que desembocou na “Coalizão Multicor”. Em suma, este acordo foi um pacto entre o próprio Partido Nacional e o histórico Partido Colorado, o ultradireitista Cabildo Abierto, o Partido da Gente e o Partido Independente. Todos os partidos “anti Frente Ampla” deram apoio explícito à chapa Lacalle-Argimón para evitar um novo governo da esquerda em troca de que o futuro governo do Partido Nacional contasse com ministros e secretários de outros partidos. E, com efeito, assim foi.

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O oficialismo chega frágil às eleições e com seu principal valor, o próprio presidente, anulado eleitoralmente pela negativa constitucional de aceitar a reeleição imediata

“Mudança total”

A retórica da “mudança total” defendida por Lacalle Pou durante a campanha eleitoral de 2019 e, a posteriori, durante seu governo, concretizou-se em oposição à agenda de governo que tinha mantido a Frente Ampla desde 2004. A LUC (Lei de Urgente Consideração), uma espécie de “Lei Bases” uruguaia que conseguiu ser aprovada durante os primeiros meses do governo do Partido Nacional e que resistiu ao impulso sindical, político e social das esquerdas uruguaias para derrubar mais de cem artigos por meio do referendo em 2022, deu passos firmes nesta direção.

O governo de Lacalle Pou transitou seus cerca de cinco anos de vigência em um equilíbrio complexo entre a imagem do presidente (geralmente, positiva) e a dos partidos que fazem parte da Coalizão Multicor. O oficialismo chega frágil às eleições e com seu principal valor, o próprio presidente, anulado eleitoralmente pela negativa constitucional de aceitar a reeleição imediata.

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Neste contexto, o Partido Nacional resolveu nas eleições internas nacionais de 30 de junho sua sucessão presidencial: Álvaro Delgado, secretário da Presidência, foi eleito por ampla maioria como candidato presidencial do espaço. Além dele, o amplo espectro político da direita uruguaia concorrerá com Andrés Ojeda, candidato do Partido Colorado, e Guido Manini, do Cabildo Abierto, que defende a retórica conspiracionista contra a “ideologia de gênero”, posturas nativistas contra a imigração e se enquadra ─ ainda que talvez um passo atrás em termos discursivos ─ no mesmo esquema regional de Javier Milei e Jair Bolsonaro.

Vitória inevitável da Frente Ampla

Por sua vez, a esquerda uruguaia redobrou a consolidada aposta na unidade político-eleitoral em torno da Frente Ampla. Apesar dos cantos de sereia de alguns setores da imprensa anti Frente Ampla no Uruguai, a eleição interna do bloco resolveu-se com uma considerável calma. Dois eram os candidatos principais: Carolina Cosse, prefeita de Montevidéu apoiada por setores do socialismo nacional, do trotskismo e da esquerda revolucionária, e Yamandú Orsi, prefeito de Canelones e integrante do Movimento de Participação Popular, o agrupamento político ao qual aderiu durante anos José Mujica.

Carolina Cosse e Yamandú Orsi (Foto: Yamandú Orsi / Facebook)

Orsi se impôs com mais de vinte pontos de diferença de Cosse, e seguindo a tradicional dinâmica de proporcionalidade na divisão de poder no bloco, nomeou sua própria rival como companheira de chapa. Tanto a socialdemocracia como o socialismo, o marxismo nacional, o trotskismo e outras vertentes do campo popular uruguaio encontram-se representadas em uma Frente Ampla que, novamente e apesar da derrota em 2019, concorrerá unida às eleições de outubro.

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Orsi, que projeta um perfil público parecido com o do ex-presidente Mujica, recebeu neste mesmo ano uma denúncia reconhecidamente falsa que pretendia criar uma situação win-win para a direita uruguaia. Se prosperasse, prejudicaria a liderança de um Yamandú Orsi que já naquele momento se presumia que fosse o futuro candidato presidencial da Frente Ampla; se não prosperasse, daria condições aos partidos conservadores do país para estimular novamente a retórica antifeminista contra as “incontáveis” denúncias falsas. Em qualquer caso, nem a denúncia prosperou, nem a polêmica durou o suficiente para alterar a campanha das internas.

Baixa participação no Uruguai

Nas eleições, a Frente Ampla venceu com uma margem importante: 42% ─ nas mesmas eleições em 2019 obtiveram 23% ─, à frente dos 33% do Partido Nacional ─ 7 pontos menos que nas internas cinco anos atrás. Ainda que os resultados das eleições primárias nacionais devam ser interpretados com cautela por sua não obrigatoriedade ─ só participaram 35% do censo, muito menos que os 90% que foram às urnas nas eleições gerais de 2019 ─ e por seu caráter de instância eleitoral “intermediária” ─ cenário que, por norma geral, “exagera” as inércias eleitorais dos espaços opositores ─, sem dúvida confirmaram uma tendência favorável à esquerda. Se em 2019 ficaram a um punhado de votos de vencer no segundo turno das presidenciais, depois de alcançar 39% no primeiro, é de todo possível que em novembro, provavelmente com um solo no primeiro turno de entre 42% e 45%, saibam capitalizar a campanha pelo segundo e vencer Álvaro Delgado.

O Uruguai, ator chave durante os anos da “maré rosa” latino-americana, estaria perto de fazer parte novamente do eixo progressista na região

Além disso, as pesquisas durante o último ano apontam também nesta direção. O Uruguai, ator chave durante os anos da “maré rosa” latino-americana, estaria perto de fazer parte novamente do eixo progressista na região. Neste sentido, as pesquisas ─ historicamente mais confiáveis que em outros cenários latino-americanos ─ definem uma base fixa para a coalizão de entre 46% e 52%. São números inclusive acima dos que apresentava o movimento anteriormente à primeira vitória eleitoral de Tabaré Vázquez em 2004.

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Do desgaste generalizado que assola o governo do Uruguai, só parece salvar-se a própria figura do presidente Lacalle Pou, cuja participação ativa na campanha eleitoral poderia em certa medida possibilitar uma recuperação de Álvaro Delgado, ainda que certamente as distâncias nas pesquisas em favor da Frente Ampla mostram um cenário quase inviável para a direita nacional. Cabildo Abierto, enquanto representante das direitas radicais no país, não consegue arrancar, vítima de um sistema político-simbólico tendente à moderação discursiva.

O Uruguai não parece estar inclinado, no momento, à retórica anti-institucional das direitas radicais, ainda que, sim, a uma Frente Ampla cuja indiscutida unidade surpreende se comparada com as crises que atravessaram outros movimentos regionais como o MAS-IPSP na Bolívia ou o peronismo kirchnerista na Argentina.

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Seja como for, as semanas de pré-campanha e campanha abrem a porta para uma recuperação direitista que, em qualquer caso, se torna quase milagrosa no cenário de crescimento do candidato a presidente Yamandú Orsi.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Eduardo Garcia Granado Analista no periódico El Salto

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