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Fome atinge um em cada três brasileiros: dói ver pessoas pedindo comida, diz comerciante

São Paulo lidera o ranking dos estados, com 26 milhões de famintos. Em todo o país, situação é mais dramática nos lares com crianças menores de 10 anos
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

“Tem dias que vejo pessoas levarem meio quilo de pé de galinha para fazerem sopa. O que aumentou muito aqui foram pessoas pedindo, querem comer e não têm como comprar. Isso é doído demais”. A declaração forte é de Ângela Maria Piccoloto de Souza, dona da Banca 22 do Mercado Público da Lapa, em São Paulo, há 52 anos.

A situação descrita por ela vai ao encontro dos dados divulgados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), segundo os quais o número de brasileiros sem ter o que comer saltou de 19 milhões para 33,1 milhões.

O que torna o cenário ainda mais dramático é que os lares que mais padecem com a fome são os que têm crianças menores de 10 anos. A pesquisa aponta que 37,8% desses domicílios têm insegurança alimentar grave ou moderada, o que significa que têm uma dieta insuficiente.

São Paulo lidera o ranking dos estados, com 26 milhões de famintos. Em todo o país, situação é mais dramática nos lares com crianças menores de 10 anos

Amaro Augusto Dornelles
Preço do frango subiu 30%

Dessa forma, são 125,2 milhões de pessoas estão em insegurança alimentar, cerca de 40% da população brasileira ou duas em cada cinco cidadãos de nosso país.

Estão nesse cenário São Paulo, o estado mais rico do país, é também líder quando o assunto são pessoas famélicas. De acordo com o levantamento, são 26 milhões de famintos.

A fome onde mais tem comida

No último dia 24 de agosto, o Mercadão comemorou seus 68 anos. A direção do estabelecimento organizou uma festa para a comunidade — gente humilde que acorre ao local em busca de preços baixos — o que anda cada vez mais difícil desde que o desgoverno assumiu a presidência. 

José Serra em campanha no Mercado Público da Lapa / Foto: Amaro Augusto Dornelles

Durante a comemoração, o ex-senador José Serra, hoje candidato a deputado federal resolveu dar o ar da graça na comemoração. Aqui cabe um parênteses, já que ele e seu partido, o PSDB estão diretamente relacionados ao que hoje acontece no país. 

Nascido no bairro da Mooca, em São Paulo (SP), em 1942, Serra é filho de imigrante italiano. Cresceu em família de classe média baixa: o pai custeou seus estudos vendendo frutas no Mercado Municipal, ajudado pelo futuro político. Fato por ele lembrado em seu breve discurso.

Logicamente, o tucano não mencionou o fato de ser conhecido, desde 2009, como testa de ferro da Chevron e beneficiar a venda do pré-sal a outras petroleiras dos EUA e Europa. Descoberto em 2006 durante o governo Lula, boa parte do lucro, por lei, era destinado para saúde e educação. 

Ficou na história da Petrobras que seu desmonte foi construído, com o Congresso Nacional, graças ao projeto de lei do então senador, que determinou o fim da petroleira do Brasil como operadora única do pré-sal do país. 

Quem morou ou conhece a história da Mooca garante que esta aura de humildade que cerca o tucano é pura ficção. Um senhor grisalho, que não quis dizer seu nome lembra que o pai de José Serra realmente tinha uma banca de frutas no mercado e ia ao trabalho com terno riscado e relógio de bolso. Serra só estudou em escolas de rico e sempre andou com o nariz em pé, enquanto morou no bairro.

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Mas enquanto a comemoração do aniversário do Mercado da Lapa rolava, com direito a discursos, banda e bolo, Ângela Maria continuava a postos atrás do balcão de frango e miúdos. 

“A gente lida com a classe mais pobre aqui no mercado e sente que o problema é a falta de dinheiro. Quando eles têm o dinheirinho na mão eles comem, compram. Mas agora está difícil, não tem, está faltando”, observa. 

Com sua experiência na boca do caixa, calcula: quando chega lá pelo dia 15 de cada mês, ninguém tem mais nenhum tostão no bolso para comer. Cruel demais, desabafa.

Alta de 30%

Ora, ao longo desses anos todos, Ângela diz ter passado por todos os planos de governo e já chegou até a ficar sem alimento. Ela explica que frango é uma mercadoria sazonal, depende do estoque, da produção agrícola, principalmente de milho e soja, de onde sai a ração. 

Ela avalia que hoje sua mercadoria está estável, depois uma alta forte de cerca de 30%. De acordo com a comerciante, hoje não chegaria a ser o pior momento do negócio, como nos tempos de Fernando Collor de Mello, quando faltava até mercadoria para vender, ou na época do Sarney, quando passou necessidade.

Bolsonaro aprovou, em 2019, uma reforma na lei trabalhista que “aliviou” custos dos empregadores e retirou direitos de quem trabalha. Tudo para supostamente aumentar a oferta de emprego. Quando questiona sobre como isso interferiu em seu negócio, ela conta:

“Para mim não adianta nada porque, como faço parte do sistema Simples, de pequenas empresas, não entrei nesse pacote. Isso é só para os grandes comerciantes, indústrias. Mesmo assim, o pequeno comerciante é o maior gerador de emprego do país”. 

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Do alto de sua longa experiência, Ângela garante que as vantagens nunca chegam para os pequenos. Só para os grandes, o pequeno comerciante, que dá emprego, que faria a economia andar, esse praticamente não tem benefício nenhum. 

Muita gente aproveitou a reforma e demitiu em massa, para recontratar o pessoal como terceirizado. Não foi o caso dela, que prefere manter seus funcionários, que tem de oito a 13 anos de trabalho na banca. Em sua concepção, seria desumano demitir bons funcionários para recontratá-los sem direitos trabalhistas. No tocante às vendas, ela garante estar bem menores. Exatamente por causa do aumento de 30% no preço do frango: 

“Mas não pelo preço. É muito mais pela falta de renda mesmo. O brasileiro não tem salário, falta dinheiro na mão das pessoas para elas poderem comer. Tem dias que vejo pessoas levar meio quilo de pé de galinha para fazerem sopa”. 

Grupo Acordeões em Seresta/ Foto: Amaro Augusto Dornelles

Ela diz que pessoas que trabalham com comércio de alimentos, principalmente, e lidam direto com o público, sabem muito bem a necessidade que o povo passa. Tudo estaria muito complicado, aponta. No ano passado, por exemplo, o quilo de galinha era R$ 6,99; hoje é R$ 9,99.


Presidente e Congresso Bandidos

Ela recorda os diversos picos de inflação já vividos pelo País. Tempos nos quais de manhã era um preço e à tarde já era outro. Como nos anos, de José Sarney, quando tivemos a maior inflação da história, em seus cálculos. 

Será que essa eleição pode melhorar a situação econômica da população? “Infelizmente, não vejo nada bom à frente. Isso que a gente está vivendo hoje é consequência de anos atrás. De tudo o que roubaram, usurparam d’agente. Estamos pagando o preço hoje. Temos um presidente que depende de um congresso bandido”.

Mas o presidente, após dizer em campanha que não iria negociar, chamou os “bandidos” para governar, apoiou o orçamento secreto para distribuir dinheiro para seus cupinchas. “A culpa é do presidente e dos bandidos do Congresso”, diz.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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