Pesquisar
Pesquisar
Foto: MST / Facebook

Frei Betto | No MST, consciência política é enriquecida com ação prática e luta

O fundamental no método de organização é colocar as pessoas em movimento e, pela prática, desenvolver sua consciência política e social
Frei Betto
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) nasce, há 40 anos, com três objetivos: lutar pela terra, para que famílias organizadas no movimento conquistem terra suficiente para sobreviverem com dignidade do próprio trabalho; lutar pela reforma agrária, o que significa reestruturar a propriedade fundiária e o uso da terra; lutar pela transformação da sociedade.

Para alcançar tais objetivos, o MST se definiu, desde o início, como “movimento de massas, de caráter sindical, popular e político”. De massas, porque a correlação de forças só pode ser alterada a seu favor pelo número de pessoas organizadas; popular, porque é uma organização aberta à participação de todas as pessoas que desejem lutar para trabalhar na terra. O MST possui, ainda, caráter sindical, porque a luta pela reforma agrária tem também dimensão econômica e de conquistas reais e imediatas, mas também caráter político, pois a reforma agrária só poderá ser alcançada mediante a transformação estrutural da sociedade.

Leia também | MST completa 40 anos de luta por reforma agrária com cicatrizes, mas de olho no futuro

Hoje, o MST atua em 24 dos 26 estados do Brasil, o que o diferencia dos movimentos que o antecederam, como as Ligas Camponesas. Com atuação local e regional, foi possível serem isolados pelas forças repressivas. Presente na maior parte do território nacional, o MST tem condições de apoiar estados com mais dificuldades e nacionalizar as lutas locais, amplificando sua repercussão.

Consciência política e social

A consolidação e a força do MST se devem ao número de pessoas que organiza. O fundamental no método de organização é colocar as pessoas em movimento e, pela prática, desenvolver sua consciência política e social.

A primeira forma de luta são as ocupações de terras. Antes ou durante a ocupação de uma área, o MST organiza acampamentos de famílias sem-terra. A articulação dessas famílias é feita pela identificação de territórios onde os camponeses estejam concentrados e pelo trabalho de base. As famílias participam da organização do futuro acampamento e buscam formas de conseguir lonas para os barracos, transporte para as famílias realizarem as ocupações, etc., ou seja, criam condições para a futura ocupação.

Leia também | Brasil tem 2ª maior concentração de terras do mundo, vergonha que MST combate há 40 anos

Ao ingressar em um acampamento, as famílias são organizadas em núcleos de base de 10 a 20 pessoas. Esse pequeno número é para que os integrantes possam se conhecer e evitar infiltrações de desconhecidos. Além disso, divididos em pequenos grupos, mais pessoas podem debater e opinar sobre questões de organização política do acampamento. Nos núcleos, todos têm o direito à palavra, incluindo as crianças. 

Produção de identidade

No acampamento, as tarefas são organizadas e distribuídas coletivamente: buscar água e lenha, organizar doações de alimentos, montar barracos, realizar a segurança, educar as crianças, etc. Essas tarefas são feitas em equipes dos núcleos de base. Todo núcleo tem um participante nas equipes de trabalho. Assim, todos participam da vida política e das atividades organizativas. 

Nos acampamentos são comuns assembleias para decisões coletivas, como ocupar ou não um latifúndio, recuar ou não em determinada luta. Quando a terra é conquistada, ela se torna um assentamento de reforma agrária. Este foi um dos primeiros desafios do MST: como manter organizadas as famílias que já haviam alcançado parte dos seus objetivos com a conquista da terra? Há o risco de a sociabilidade e a cooperação existentes no acampamento se perderem nesta transição. Por isso, o movimento desenvolveu mecanismos para manter os assentados motivados.

Leia também | Cannabrava | Quem responde pela política agrícola do governo? Na dúvida, entrega para o MST

Primeiro, os anos de vivência em acampamentos produzem identidade. Os trabalhadores organizados se identificam como Sem-Terra (com letras maiúsculas). Essa identidade permanece mesmo depois de conquistada a terra. Assim, compartilham histórias de lutas, se identificam com as famílias ainda acampadas e cultivam valores como o internacionalismo e a solidariedade.

Direção coletiva

A organização do território conquistado traz novas demandas: crédito rural, educação, saúde, cultura, comunicação, etc. Para alcançar as novas reivindicações, o MST mantém os núcleos de base por vizinhança. A cada nível organizativo – acampamento, assentamento, região, estado e nacionalmente – se constitui uma instância de direção coletiva.

No MST não há um “presidente” ou cargo semelhante que concentre em si as decisões políticas, ou diferencie o dirigente dos demais militantes. Todas as instâncias no movimento, da base à Direção Nacional, são coletivas e com mandatos de dois anos. Assim, se combatem o centralismo e o personalismo. E há divisão de tarefas: todos devem ter, em maior ou menor grau, responsabilidades dentro da organização para que não haja nem centralização excessiva, nem sobrecarga dos militantes.

Conheça, acompanhe e participe das redes da Diálogos do Sul Global.

Quanto mais complexa a realidade e maior a organização, mais equipes são formadas; organizam-se em setores em níveis estaduais e nacional para planejar e executar tarefas mais especializadas, como Produção, Frente de Massas, Educação, Formação, etc. Por exemplo, todos os educadores ou envolvidos na educação de um mesmo conjunto de municípios formam o setor de Educação, que elabora propostas pedagógicas e atua na vida escolar. Na Produção, os militantes organizam a vida econômica, as cooperativas, assim como a tecnologia agroecológica para o cultivo. 

Valores humanos e socialistas

Nesses coletivos também se incorporam sem-terras, como o Coletivo LGBTQIA+, possivelmente sem similar em outras organizações camponesas. Outro exemplo de participação são atividades e encontros com os “sem-terrinhas”, os filhos dos camponeses. Em julho de 2018, o primeiro Encontro Nacional dos Sem-Terrinhas reuniu mais de mil crianças para um acampamento de estudo e brincadeiras em Brasília.

É a ação prática, a luta, que permite que a consciência política não adormeça nos acampamentos e assentamentos. O MST, solidário com os valores humanos e socialistas, não fica apenas na retórica. Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, o movimento doou toneladas de alimentos por meio da organização de cozinhas, hortas e comunidades solidárias.

Estamos no Telegram! Inscreva-se em nosso canal.

Em dezembro de 2023, o MST enviou 13 toneladas de alimentos para as vítimas dos ataques israelenses na Faixa de Gaza. E neste ano socorreu milhares de famílias afetadas pelas inundações que ainda assolam a população gaúcha.

O MST merece todo o nosso apoio!


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Frei Betto Escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras); “Batismo de sangue” (Rocco); e “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros 74 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.

LEIA tAMBÉM

Por que popularidade de Lula e do governo estão em queda
Verbena Córdula | Por que popularidade de Lula e do governo estão em queda?
Frei Betto O quociente eleitoral e os “candidatos alavancas”
Frei Betto | O quociente eleitoral e os “candidatos alavancas”
Verbena Córdula - Os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito
Verbena Córdula | “Os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito...”
Brasil - a degradação da política e o retrocesso civilizatório
Eleições municipais no Brasil: a degradação da política e o retrocesso civilizatório