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Galo de Luta nos ensina que atual crise política exige ir além do “bem contra o mal”

É possível votar a favor de valores democráticos e fazer críticas ao mesmo tempo, pois as contradições fazem parte do tecido social
Verônica Lima
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Paulo Roberto da Silva Lima, o Galo ou “Galo de Luta”, importante liderança na luta contra uberização do trabalho de motoboys e entregadores, publicou em seu Twitter no último dia 08/05: “sem fala do ódio que sentimos não tem como fala de nois, nois tem que ir pra luta todo dia e amor é uma coisa que nois recebe e dar quando volta pra casa cansado. Paz”. Depois desse tweet vieram outros, entre os quais se destacam as críticas à candidatura de Lula, candidato que ele apoia.

O que Galo falou tocou em dois pontos muito sensíveis nos últimos anos. O primeiro, é a dimensão sentimental/emocional da crise político-social que o Brasil enfrenta. É provável que você que me lê já tenha protagonizado, ou pelo menos testemunhado, uma discussão sobre a atual conjuntura do país que tenha trazido ódio, tristeza, desânimo, desesperança ou outros sentimentos complexos para os seus dias (ou todos esses juntos). Relações foram transformadas profundamente desde que a extrema direita foi ganhando espaço no Brasil, e não é incomum casos em que temas relacionados à política tenham gerado brigas familiares ou “pactos de silêncio” entre parentes e amigos de longa data.

Mas como nos ensina Audre Lorde, o silêncio não nos protegerá. Não adianta fingir que não se sente ou passar por cima dos sentimentos sem processá-los. É preciso falar deles, porque eles simplesmente existem. E há, sim, um desalento que atinge as relações num contexto em que discursos de ódio são reproduzidos diariamente por parte do poder executivo do país, e imitados em diversas outras instâncias. Está “fácil” encontrar quem nos odeie e, consequentemente, a quem direcionar ódio. E é aí que concordo com Galo: para falar de nós, enquanto sociedade, é preciso falar de ódio. O que fazemos com esse sentimento?

É possível votar a favor de valores democráticos e fazer críticas ao mesmo tempo, pois as contradições fazem parte do tecido social

galodelutaoficial – Reprodução | Instagram

Para falar de nós, enquanto sociedade, é preciso falar de ódio. O que fazemos com esse sentimento?

Audre Lorde também ensina nesse quesito: ela usava sua própria raiva como combustível para sua produção literária. Talvez, Galo use o ódio que recebe e sente para lutar por condições de trabalho mais dignas, nesse contexto de precarização. Eu tento transformar a minha raiva em palavras que nos ajudem coletivamente a lidar com esse turbilhão de sentimentos que o contexto sociopolítico nos traz. Mas essas não são as únicas formas de usar o ódio, e temos, sim, que lidar com o risco de o ódio não ser devidamente processado, e estourar de forma desequilibrada, com a possibilidade de ferir outras pessoas. Convém que cada pessoa encontre a forma mais equilibrada possível.

Para isso, encontramos ajuda no segundo ponto importante que o ativista evoca em sua fala: ele convive com o ódio, mas chega em casa e tem amor, além de escrever pedindo paz. Ou seja: nossos sentimentos não podem ser lidos na chave dicotômica que domina o senso comum. Amor, ódio, paz, caos, e muitos outros sentimentos coexistem, divergentes, e é nesse contexto que precisamos construir uma sociedade que comporte todas as pessoas, com toda a diversidade que isso representa. E não seria isso a democracia?

Em outro tweet no mesmo dia, Galo reflete: “Lula vai derrotar um fascista com outro de vice, eu votarei em Lula com críticas!”. Em seguida, ele nos lembra do massacre da comunidade do Pinheirinho, ocorrido durante o período que Geraldo Alckmin, que está compondo a chapa de candidatura como vice de Lula, era governador de São Paulo. 

Essa sequência de tweets do ativista nos lembra que é possível estar consciente da importância de votar a favor de valores democráticos e fazer críticas ao mesmo tempo, porque as contradições fazem parte do próprio tecido social.  E, no caso das atitudes de governos e figuras políticas, a complexidade é muito mais profunda que o binômio “bem – mal”.

Ao sair dessa dicotomia, encontramos a possibilidade de construir junto com quem pensa diferente, sem deixar de tecer críticas e combater tudo aquilo que atenta contra todos os tipos de vida – seja a vida da nossa população, como na comunidade de Pinheirinho, ou a vida do nosso ecossistema, como a floresta, os rios, etc.

Entrar nessa empreitada não é ficar em cima do muro: é posicionar-se conscientemente, lutando para não existam massacres, e reivindicando a dignidade no trabalho, no lazer, na saúde – na vida, enfim.

É preciso atenção para aquilo que sentimos, que é o que somos: seres diversos, em pensamentos, sensações, emoções. E é essa diversidade que nos caracteriza coletivamente como seres viventes. Cuidar do que sentimos, individual e coletivamente, é uma forma de preservar a vida. Talvez seja hora de cuidar da política da mesma forma.  

Verônica Lima é colaboradora da Diálogos do Sul.



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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