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Dilma Rousseff, vítima de golpe de Estado no Brasil em 2016 (Foto: Reprodução / X)

De golpes militares a “brandos”, governos populares sempre foram o alvo na América Latina

Os métodos usados contra a América Latina para “eliminar subversões” e “pacificar países” evoluíram ao longo das décadas, unindo máfias e oligarquias sob o comando dos EUA
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Um recente pronunciamento raivoso de Dina Boluarte trouxe à memória um termo usado não faz muito tempo em nosso continente: a expressão “Golpe brando”, uma maneira de aludir a técnicas conspirativas destinadas a desestabilizar um governo e gerar sua queda.

Como criador desse mecanismo, considera-se o estadunidense Gene Sharp, que, primeiro ao serviço da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos e depois à disposição do MOSSAD – o serviço secreto israelense –, o idealizou como uma maneira de deixar de lado os clássicos “pronunciamentos militares” do passado que derrubaram governos formalmente eleitos em distintos países, ou simplesmente para enfrentar “crises de governabilidade” em circunstâncias particularmente complexas.

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“Golpes militares” em nosso continente, houve muitos, com certeza. Talvez os que se recordam – ocorridos na segunda parte do século 20 – foram os que levaram ao poder Rojas Pinilla, na Colômbia; Velasco Ibarra, no Equador; Pérez Jiménez, na Venezuela; ou Manuel Odría, no Peru.

Eles foram a ante-sala de outros piores, registrados nos anos 60, a partir do que derrubou João Goulart, em março de 64, por iniciativa da Escola Superior de Guerra do Brasil, e que se considera a ante-sala dos golpes fascistas mais cruéis da História da América: Uruguai e Chile em 1973, e Argentina, em 76.

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Essas ditaduras foram impulsionadas para “acabar com a subversão” e “pacificar” os países, mas geraram perseguição, tortura, dezenas de milhares de mortes e desaparecimentos forçados. Foram o império do terror em sua mais qualificada expressão.

As ações desses anos foram tão brutais que inclusive seus patrocinadores optaram por arquivar “o modelo” e idealizaram um novo: o “golpe brando”, que Boluarte conhece de maneira direta, pois foi beneficiária do mais recente ocorrido em nosso país, e que derrubou o governo constitucional de Pedro Castillo, colocando-a na condução do Estado mediante o uso de baionetas encobertas.

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É claro, então, que quando a senhora em questão fala de “golpes brandos”, sabe o que diz porque viveu um em carne própria, só que do lado de seus autores e não da vítima. Agora, teme ser ela. Fato é que sabe que não poderá estar muito mais tempo sentada sobre o cano dos fuzis, nem dormindo entre cadáveres.

Golpes brandos se desenvolveram na América Latina desde o início do século 21. O primeiro foi contra Hugo Chávez, em 11 de abril de 2002, que fracassou. Em 2007, aconteceu outro, em Honduras, que depôs Manuel Zelaya, e outro que acabou com a gestão de Fernando Lugo, no Paraguai, em junho de 2012.

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Depois, o que derrubou Dilma Rousseff, no Brasil, em 31 de agosto de 2016. Fez-se mediante uma aleivosa manobra parlamentar que desconheceu seu governo. Depois, encarcerou-se Lula.

Mais recentemente, no Equador, incentivou-se outro desde o Poder, para mudar o rumo do país e quebrar a Revolução Cidadã liderada por Rafael Correa, graças à traição de Moreno. E talvez o mais recente tenha sido o que gerou a queda de Evo Morales, na Bolívia, e catapultou Jeanine Áñez, o clone de Boluarte por trajetória e, sem dúvida, por destino.

A história demonstra que jamais houve um golpe brando – nem duro – para derrubar um governo de direita, reacionário e antipopular. Nisso, Dina está salva.

Todas essas ações foram manipuladas pela CIA em conluio com as oligarquias locais e as máfias criminosas que tornaram ainda mais convulso e instável o continente.

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Além disso, não se poderia falar de um “golpe brando” porque ninguém desse setor golpista estaria interessado em acabar com a gestão de Dina. Prefeririam perpetuá-la. Ela cumpre cabalmente a função para a qual foi posta no lugar que ostenta: proteger as máfias, amparar as facções criminosas e os grupos mais perversos que surgem no cenário nacional: o narcotráfico, o contrabando, a mineração ilegal. Com eles, marcha sem problemas, coordena ações e incentiva tarefas. Ou seja, protege e ajuda.

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Isso explica sua tórrida relação com o ministro do Interior, a quem designou para essa pasta precisamente por seus antecedentes como advogado de grupos criminosos. Sem dúvida, une a ambos uma absoluta confiança que beira à cumplicidade. Conhecem-se intimamente um ao outro e sabem que não podem se trair.

Mas há outro tema. Se agora ela alude a um “golpe brando”, é porque o teme. Tem medo de que algo assim lhe ocorra porque sabe que a sequência imediata de sua queda será a prisão. E é possível que esse medo tenha um fundamento adicional: deve saber que algo há por trás das águas agitadas que rodeiam seu precário e inconsistente castelo.

Afinal, as certeiras palavras do general Víctor Canales Rosas em Arequipa e as denúncias do capitão Víctor Grados, em Ayacucho, não caíram do céu. Saíram da alma de nossos soldados, aqueles que direta ou indiretamente conheceram o legado de Juan Velasco Alvarado e que sabem que nem a bandeira, nem o uniforme, podem ser manchados impunemente.

Mas, além de qualquer modalidade de “Golpe”, o que o país exige é uma legítima saída democrática e popular que afirme a vontade cidadã e estabeleça bases para um país distinto e distante daqueles que, em anos recentes, tiveram administrações medíocres alheias ao sentimento nacional.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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