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ToggleDesde o primeiro resplendor do amanhecer, aquele 12 de outubro de 1492, o marinheiro Rodrigo de Triana, empoleirado no mastro maior da caravela Pinta, olhava, ansioso, a escura e interminável superfície do oceano Atlântico, sobre a qual só distinguia as silhuetas em sombras das caravelas Santa Maria e Nina. No dia anterior a tripulação havia visto várias aves deslocando-se ligeiras para algum destino desconhecido, e isso queria dizer que a terra estava perto. Mas, onde?
As três caravelas haviam partido em 3 de agosto deste ano do porto de Palos de la Frontera, no sul da Espanha, sob o comando de Cristóvão Colombo, um navegador possuído pela ideia fixa de chegar às Índias, e dali, seguindo o mesmo rumo, retornar ao porto de partida, posto que para ele a terra era redonda. Cinquenta e nove dias depois de zarpar, um grupo de exaltados tripulantes, desesperados porque não viam terra, se puseram de acordo para atirar pela borda Cristóvão Colombo e retornar à Espanha se dentro de dez dias não se avistasse alguma costa. Nunca antes, nenhum navio havia sulcado tantos dias em mar tão extenso. E, embora a conta regressiva começava a correr, Cristóvão Colombo, sem se imutar, não falhou em seu empenho de continuar para a oeste, pensando, talvez, que já depois ajustaria contas com os conspiradores, pendurando-os no mastro maior.
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De pronto, Rodrigo de Triana acreditou ver uma linha escura confundida com o horizonte. Esfregou os olhos. Quando a linha se tornou mais nítida, não teve nenhuma dúvida e gritou: Terrraaa, terrraaa! Rodrigo de Triana nunca chegou a saber que seu grito ressoaria na história com mais força que o canhonaço que Colombo fez disparar.
As caravelas haviam arribado a uma pequena ilha, situada ao norte e ao sudeste de Miami, que Colombo chamou de São Salvador, por haver salvado sua vida.
Depois, o Almirante Maior, título que os católicos lhe haviam conferido em contraprestação pelos territórios que descobrisse para eles, inspecionou outras ilhas do Caribe e realizou duas viagens mais, nas quais tocou a costa do novo continente. Em sua terceira viagem, o governador das Índias, nomeado em sua substituição, Francisco de Bobadilla obedecendo aos reis católicos, o prendeu e, carregado de correntes, devolveu-o à Espanha.
Apesar de ser Cristóvão Colombo aquele que encontrou um imenso continente, este não recebeu, no entanto, seu nome, nem a coroa espanhola, principal beneficiária de sua façanha, nunca se preocupou em render-lhe esta homenagem. A fruto tenro, são e impoluto da gratidão tinha para os reis o sabor do veneno, e o monge Torquemada lhes havia dito que cresciam no horto do demônio. O único valor tangível que eles apreciavam até o delírio era o ouro dessas terras.
Foi o cartógrafo italiano Américo Vespúcio, residente em Sevilha, que advertiu que Colombo havia entregado ao mundo um novo continente, ao qual designou com o título de sua obra publicada em 1504, Mundus Novus, da qual foram feitas numerosas edições e traduções na Europa. No ano seguinte, insistiu nesta afirmação em seu livro Carta, e, em 1507, o cartógrafo alemão Martin Waldseemüller denominou o novo continente de América, em honra a Américo Vespúcio, a quem atribuiu, erroneamente, seu o feito de o ter encontrado. E assim ficaram as coisas para sempre.
Conhecimento Científico | Ilustração
A América é, desde aquele longínquo dia, o continente de todos os sangues e da mestiçagem racial e cultural
A colonização do Novo Mundo
Após a primeira viagem de Colombo, se iniciou a colonização do Novo Mundo por empresários espanhóis com o compromisso de entregar o quinto das riquezas e qualquer outro benefício material que obtivessem às suas majestades, os reis, faina em que foram tão eficientes como mortíferos. Cada episódio da colonização foi um safari e o saque que deixava como subprodutos a reparto das terras cultivadas e a escravidão das populações nativas.
A matança de seres humanos pelos colonizadores foi tão espantosa que o monge sevilhano Bartolomé de las Casas, horrorizado, apesar de ter recebido ele mesmo um repartimento em Santo Domingo e outro em Cuba, consagrou sua vida em diante a denunciá-la. Reuniu seus testemunhos em sua obra Brevísima relación de la destruición de las Indias, terminada em 1542. Mas lhe contradisse, irritado, outro clérigo, chamado Ginés de Sepúlveda, com quem sustentou em 1550 um célebre debate no que se denominou a Junta de Valladolid”.
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Sepúlveda justificava a matança alegando que os povoadores índígenas da América careciam de alma e eram, portanto, seres inferiores que deviam ser escravizados. Bartolomé de las Casas o refutou aduzindo que esses habitantes tinham consciência e eram seres humanos iguais aos espanhóis. Para os burocratas e a sociedade espanhola de então não houve nesse debate vencedor nem vencido.
Mas, o Conselho de Índias, a superior autoridade para os assuntos das colônias, ditou algumas disposições protetoras dos indígenas, porém não por compaixão, mas para evitar seu aniquilamento total e preservá-los como força de trabalho sob servidão. Estas leis nunca foram cumpridas na América. O próprio Bartolomé de las Casas e outros clérigos que o apoiavam propunham como alternativa ao maltrato dos indígenas, a importação massiva de escravos, caçados por milhares na África.
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Em 1935, o 12 de outubro foi designado como Día de la Hispanidad pelo Ayuntamiento de Madrid. Esta denominação foi ampliada por toda Espanha por um decreto de 9 de janeiro de 1958 expedido pelo caudilho Francisco Franco – responsável definitivo da matança de mais de um milhão de republicanos desde seu triunfo em 1939 – e se consagrou, além disso, essa data como a festa nacional da Espanha.
Curiosa contradição: os dias nacionais dos países da América Latina são homenagens à sua independência da Espanha e Portugal.
O 12 de outubro evoca a audaz e transcendental gesta de Cristóvão Colombo, embora muitos cubramos com um manto de generosa compreensão a finalidade de enriquecer-se e dotar-se de poder que fervia na sua mente ao fazer-se ao mar para o desconhecido em 3 de agosto de 1492.
Aos habitantes dos países latino-americanos, o 12 de outubro nos recorda também o momento em que a América foi incorporada à civilização ocidental, com a brutalidade de toda colonização pelas armas. Não nos vai nem vem como recordação de uma hispanidade soberba, cobiçosa, santurrona e sedenta de sangue, e de sua herança na América, na margem oposta da outra hispanidade popular, simples, progressiva e amistosa que ficou na Espanha ou veio depois a trabalhar. Na Argentina, nesta data, as coletividades de origem estrangeira, que são muitas, se reúnem nas praças, instalam quiosques para a venda de comidas, se alegram com suas danças e canções e, como argentinos, estreitam a mão fraternalmente . Desde 2010, é para eles o Dia da Diversidade Cultural.
Estendendo a expressão de José María Arguedas, América é, desde aquele longínquo dia, o continente de todos os sangues e da mestiçagem racial e cultural.
Jorge Rendón Vásquez, Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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