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ToggleO Ministério Público Federal (MPF) em Santarém, no oeste paraense, enviou ofício à Polícia Civil do Pará nesta quarta-feira (27), pedindo o acesso integral ao inquérito que acusa quatro brigadistas por incêndios florestais na Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão. O motivo é que desde o mês de setembro, a Polícia Federal investiga em inquérito quem são os responsáveis pelo crime ambiental.
Em nota, o MPF diz que “na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil”.
Os incêndios florestais na unidade de conservação aconteceram entre 14 a 18 de setembro. Além de homens do Corpo de Bombeiros, Exército e do governo do Pará, atuaram no combate ao fogo os brigadistas voluntários da Brigada de Alter do Chão – organização independente. Esses brigadistas, defensores da floresta, testemunharam a morte de milhares de animais, entre eles, tatus, tamanduás, abelhas, gafanhotos, serpentes, conforme relataram à agência Amazônia Real.
Foto: Brigada de Alter do Chão
Brigadistas, defensores da floresta, testemunharam a morte de milhares de animais, entre eles, tatus, tamanduás, abelhas, gafanhotos, etc.
Segundo o MPF, ao contrário da apuração da Polícia Civil do Pará, a linha das investigações da PF, “que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter”.
“Por se tratar de um dos balneários mais famosos do país, a região é objeto de cobiça das indústrias turística e imobiliária e sofre pressão de invasores de terras públicas”, concluiu o MPF em nota à imprensa.
Um dos invasores apontados pela investigação da PF é o fazendeiro Silas da Silva Soares por crime ambiental na APA Alter do Chão. Ele, que foi condenado pela Justiça Federal a seis anos e dez meses de prisão, é considerado foragido. Soares também é suspeito de envolvimento com a grilagem de terras públicas para especulação imobiliária, ação combatida pela “Brigada Alter do Chão”, como divulgou o jornal Folha de S. Paulo.
Conforme o processo judicial, os advogados de Silas Soares, que nega as acusações, pediram a liberdade dele no Tribunal Regional Federal da 1a. Região (TRF), em Brasília, mas foi negada. No parecer, o MPF diz que foram apreendidos junto com o fazendeiro documentos relativos à venda de lote na APA Alter do Chão.
“No momento da revogação da prisão preventiva anterior do acusado (Silas), foi fixada, como medida alternativa ao encarceramento, a suspensão da atividade de venda de imóveis na região da APA Alter do Chão, o que foi descumprido pelo acusado. A prisão é única medida hábil a obstar a continuidade da atividade delitiva, já que as diversas medidas cautelares anteriormente fixadas não evitaram a reiteração”, diz o parecer do ministro relator Nefi Cordeiro, em 16 de agosto deste ano.
“Não sei”
Os brigadistas paulistas Daniel Gutierrez Govino, de 36 anos, João Victor Pereira Romano, 27 anos, Marcelo Aron Cwerver, 36 anos, e Gustavo de Almeida Fernandes, 36 anos, funcionário da organização Projeto Saúde e Alegria, foram presos na terça-feira (26) sob suspeita de atear fogo contra uma unidade de conservação e desviar recursos de organizações não-governamentais internacionais. Eles negam as acusações.
Hoje, o juiz Alexandre Rizzi, da 1ª. Vara Criminal de Santarém, manteve as prisões preventivas dos brigadistas por mais dez dias, acompanhando, inclusive, um parecer do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA).
Segundo Rizzi, as provas disponíveis no inquérito policial. “São as provas do pedido (de prisão), as interceptações telefônicas, são as testemunhas, pessoas que foram ouvidas na delegacia e por aí vai, essa foi a complementação para a decretação da prisão e busca e apreensão”, diz o juiz.
Durante coletiva à imprensa nesta quarta-feira (27) em Santarém, o magistrado foi questionado por jornalistas sobre as investigações do MPF, que apontam o fazendeiro Silas da Silva Soares, já condenado por crime ambiental na APA Alter do Chão. O fazendeiro é investigado desde 2015. “Não é estranho apenas os brigadistas que apagam fogo estarem presos?”, indagou um jornalista.
O juiz Alexandre Rizzi respondeu: “não sei te dizer, porque essa investigação, essa parte de proprietário, se tinha algum proprietário, isso para mim não chegou. Eu não sei, não posso te dizer isso agora porque as investigações não foram concluídas. Pode ser que eles concluam que o fogo foi acidental, pode ser que tenha sido autocombustão, pode ser. É para isso que eu tenho uma polícia judiciaria”.
“Um estopim”
Os incêndios florestais, os desmatamentos e a grilagem de terra dentro da APA Alter do Chão foram os temas de uma reportagem publicada na segunda-feira (25) no jornal Folha de S. Paulo, um dia antes das prisões dos brigadistas.
A reportagem destaca que o MPF suspeita que os focos dos incêndios tenham começado em área invadida por grileiros nas margens do Lago Verde, em uma região conhecida como Capadócia. “A área foi alvo de ocupações irregulares nos últimos anos, quando tentaram erguer no local um loteamento privado”, diz a matéria.
Já no comunicado sobre as prisões dos brigadistas, a Polícia Civil do Pará, divulgado no dia 26, diz que “o primeiro foco de incêndio identificado na região (de Alter do Chão) ocorreu no dia 14 de setembro e atingiu a área da Capadócia, que fica entre a localidade de Ponta de Pedras e a vila de Alter do Chão”. “No dia seguinte, após as chamas serem controladas, um novo foco de incêndio foi identificado pela equipe do Corpo de Bombeiros no local”, diz a nota, que não cita como suspeitos fazendeiros e grileiros pelos crimes ambientais, como o MPF.
A investigação do Ministério Público Federal, iniciada, em 2015, resultou em denúncia contra o fazendeiro Silas da Silva Soares. A defesa do fazendeiro nega as acusações, diz o jornal.
Na reportagem da Folha, um dos brigadistas presos, Daniel Gutierrez Govino, concedeu uma entrevista explicando como o fogo consumiu uma área equivalente a 1.600 campos de futebol da APA Alter do Chão. “Foi uma das maiores queimadas que tivemos nos últimos anos”, disse Govino, que é o coordenador da brigada de incêndio de Alter de Chão.
A reportagem da Folha traz ainda uma declaração de Caetano Scannavino, coordenador da organização não governamental Projeto Saúde & Alegria, da qual a sede sofreu uma ação de busca e apreensão de documentos e computadores durante a operação da Polícia Civil “Fogo Sairé”.
Na entrevista, Scannavino falou sobre os protestos que uniram indígenas, quilombolas, ambientalistas e empresários do segmento turístico contra a devastação e especulação imobiliária da APA Ater do Chão.
“Foi um movimento propositivo, apartidário e horizontal que acabou dando certo. No final, aprovamos uma legislação razoável, nem xiita para um lado nem para o outro”, afirma Caetano Scannavino.
Ataques as ONG´s
A operação “Fogo Sairé” da Polícia Civil do Pará recebeu grande aparato, cobertura da imprensa e publicidade no site do governo de Helder Barbalho (MDB), apoiador do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a acusar ONGs de serem responsáveis pelos incêndios florestais na Amazônia em agosto deste ano. As declarações do presidente foram repudiadas em nível internacional.
O delegado José Humberto Melo Jr., coordenador da operação “Fogo Sairé” afirmou que investigou a movimentação financeira da organização não-governamental Instituto Aquífero Alter do Chão, que coordena as ações da brigada, daí encontrou supostos indícios de que os brigadistas estariam ateando fogo na floresta em troca de doações. “Percebemos que a pessoa jurídica deles conseguiu um contrato com a WWF, venderam 40 imagens para a WWF para uso exclusivo por R$ 70 mil, e a WWF conseguiu doações com o ator Leonardo DiCaprio no valor de US$ 500 mil”.
O WWF-Brasil afirmou que não adquiriu nenhuma foto ou imagem da Brigada de Alter do Chão e não recebeu doação do ator norte-americano Leonardo DiCaprio, que possui uma fundação de apoio à preservação ambiental. Em nota, a organização diz que firmou um contrato de Parceria Técnico-Financeira com o Instituto Aquífero Alter do Chão para a viabilização da compra de equipamentos para as atividades de combate a incêndios florestais pela Brigada de Alter do Chão, no valor de R$ 70.654,36.
As prisões dos brigadistas chamaram a atenção da Anistia Internacional Brasil, pois as investigações e procedimentos adotados pelas autoridades do Pará inspiram preocupação em relação à transparência e violações de direitos.
Segundo um dos advogados dos brigadistas, Wlandre Leal, eles já estavam colaborando com investigações da Polícia Civil do Pará, abertas em setembro. Dois brigadistas, inclusive, já haviam prestado depoimento, fornecido documentos de finanças e de renda espontaneamente.
“A prisão dos rapazes nos causou grande espanto, porque a defesa entende que, nesse momento, ela era desnecessária. Os requisitos autorizadores da prisão preventiva não estavam evidenciados, eles poderiam responder ao processo e às investigações em liberdade sem problema nenhum, já que não estavam se furtando de prestar informações à polícia”, disse Leal.
“A polícia age com a prova que interessa a ela com diálogos, escutas telefônicas, fotos, postagens em redes sociais, em vídeos. Mas todas as atividades dos brigadistas são documentadas e registradas em vídeos e fotos”, destaca o advogado.
Leal disse que, ao conseguir ter acesso ao inquérito policial, constatou que se trata de uma “representação da prisão preventiva que são de 90 folhas, que não há nenhum indício, nenhuma prova cabal de participação deles no incêndio criminoso”.
“São meras conjecturas nesse momento, mas mesmo assim já estará provado ao longo da instrução processual toda a inocência dos acusados”, afirma Wlandre Leal.
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