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O que segue é uma entrevista com a socióloga argentina Rina Bertaccini, coordenadora de estudo, elaborado em 20012, sobre bases militares estadunidenses na América Latina e os postos militares britânicos nas Ilhas Malvinas. A pesquisadora social analisa a atualidade do imperialismo: “Está aplicando políticas atualizadas para dominar os povos e suas riquezas naturais”, afirma. Uma pesquisa elaborada em 2012 em conjunto pela Ctera e o Mopassol sobre Malvinas revelava haver mais de 40 bases militares estrangeiras na América Latina. Com relação a base de Mount Pleasant, Ilha Soledad (nas Malvinas), dizia o documento: “Nela operam de modo permanente pelo menos 1.500 miliares e 500 civis britânicos. O equipamento disposto na base é similar ao que os efetivos britânicos têm no Iraque e no Afeganistão. Estão instalados silos e rampas para lançamento de armas nucleares”.
A principal coordenadora dessa pesquisa reveladora, Rina Bertaccini, concedeu entrevista ao periódico Miradas al Sur para falar sobre a atualidade do imperialismo.
Que atualidade conserva o conceito “imperialismo”; para o “mainstream” da intelectualidade ocidental, permeado profundamente em universidades e centros de pensamento latino-americanos, parece ter sido enterrado com as relíquias da União Soviética?
O que há de atual no mundo contemporâneo é o imperialismo. E logicamente, se o imperialismo existe é bom definir conceitualmente do que se trata. Na realidade o que é rigorosamente atual é a existência do imperialismo. Pode-se analisar do ponto de vista teórico – há muitas definições de imperialismo – mas também se pode ver o imperialismo pelas consequências dos atos que realiza. E então não é preciso ir muito longe. O imperialismo é a guerra na Líbia, o imperialismo é a preparação das agressões contra Síria, o imperialismo é a ameaça contra o Irã, o imperialismo é o conflito na península da Coréia, tudo isso é a forma concreta de visualizar que o imperialismo existe e que atua contra os interesses dos povos. Portanto, é sim necessário defini-lo conceitualmente.
Muita gente acreditou que com o fim da guerra fria, com a dissolução da URSS se ingressava numa etapa em que, não havendo inimigo à vista já não havia possibilidade da explosão de uma guerra. Não obstante, a vida demonstrou exatamente o contrário: o imperialismo estadunidense, que é a cabeça de todas as potencias imperialistas, está acendendo conflitos em um monte de regiões, ademais das invasões, intervenções, formas de guerra disfarçada, formas de agressão ideológica e cultural. Tudo isso é o imperialismo. Agora, como pode ser visto pelas pessoas que vivem em nosso continente? Porque aqui, o importante, é que os que lerem essas informações se sinta comprometido a fazer algo.
Pareceria que imperialismo, por ser algo tão grande e tão abstrato, não afetaria as pessoas comuns e correntes nas ruas.
Exato. Esse é o ponto. A gente tem que encontrar a forma de fazer com que comprenda que o assunto lhe toca diretamente. Então, na América Latina e no Caribe, falando genericamente, o imperialismo é visível de muitas maneiras, mas há uma que não deixa nenhuma dúvida, que é a presença militar dos Estados Unidos, da Grã Bretanha e da França em bases militares encravadas em território soberano. E isso pode ser visto por qualquer um. Na Argentina, por exemplo, onde há uma base militar? Nas Malvinas, e ai se nota a relação entre o velho imperialismo colonizador dos britânicos com sua aliança com Estados Unidos e o resto dos países da OTAN, porque essa base é da OTAN. Quando o governo argentino critica a Grã Bretanha por não se sentar para negociar, de vender licenças de pesca, com a qual grandes barcos fábricas roubam os recursos naturais do mar argentino, ou quando vende licenças de exploração de petróleo a grandes transnacionais que se instalam com uma plataforma em nossas Malvinas, isso é imperialismo, claramente.
Quando o governo argentino protesta, o que a Grã Bretanha responde? Que claro, seguirão sustentando e utilizando a plataforma de exploração de petróleo, que seguirão vendendo licenças para exploração de petróleo e licenças de pesca. Eles vão defender esse “direito”, embora na verdade seja um roubo, vão defender esse roubo, com a base militar que têm nas nossas Malvinas. Vale dizer, aí está claro do que se trata, mas para isto é necessário ver concretamente o que o imperialismo faz, não é o único que faz, e o faz porque é muito forte militarmente.
Você denunciou várias vezes a cultura estratégica, a associação entre o Comando Sul e a Universidade da Florida onde se realiza uma espécie de “análise antropológica” das diferentes nações e povos latino-americanos, porém, uma antropóloga estadunidense de nome Adrienne Pine denunciou como uma operação ideológica…
Na realidade esse convênio é para realizar oficinas financiadas pelo Comando Sul, pactuado com a Universidade Internacional do Estado da Florida. Cada uma dessas oficinas trata sobre a cultura de cada um de nossos países da América Latina e Caribe. Sabemos que já foram feitos 16 desses encontros. Então, a denúncia que a antropóloga faz é que na realidade o que pretendem é claramente penetração ou dominação cultural e para isso querem inserir seu conceito de cultura e de mundo em lugar da cultura de cada um de nossos povos. E isso é diretamente um objetivo de dominação cultural. Começamos a analisar alguns desses trabalhos. A primeira vista parecem trabalhos toscos, parecem bobagens. As primeiras impressões das companheiras que começaram a traduzir para os que não lemos em inglês, é que é uma coisa que serve para nada, mas a realidade é outra quando se lê mais detidamente, porque eles colocam ali o que eles querem que seja o pensamento cultural de nosso povo. Essa é a grande tergiversação.
Isto ocorre especificamente para cada um dos países?
Sim. Porém, a quem convocam? Convocam a uns poucos acadêmicos e lhes pagam para irem até lá e participar dos debates. Quem depois faz os resumos dessas oficinas são dois ou três, e as coisas que colocam sobre nossos antecedentes ou nossa idiossincrasia é tudo aquilo que eles gostariam que fossemos para que nos passam dominar. Ou seja, isso não é nem ingênuo nem bobo nem nada que se pareça. Na Argentina, o político convidado foi Ricardo López Murphy, um representante da direita em nosso país. Podiam ter convidado a uns quantos intelectuais, mas não, convidam a esse homem. E também a chefes militares.
E isso sob o manto de uma universidade que supostamente é uma das maiores e mais prestigiosas da América do Norte, como a da Florida.
Bom, o Estado da Florida é famoso por ser um dos mais reacionários. Há que lembrar que graças a esse estado e a seu irmão governador Bush, em seu momento, ganhou a eleição para presidente dos Estados Unidos. Porém, nas formulações de Adrienne Pine ela define a cultura estratégica como propaganda pró imperialista. O que quero dizer é que os chefes do Comando Sul, do Pentágono, têm claro o que pretendem com isso. Não é casual o que fazem. Há um documento elaborado em que falam de uma doutrina denominada de espectro completo. Então, essa é uma doutrina militar. O que quer dizer espectro completo? Que eles não planejam só a dominação militar, não só a dominação política, nem só a dominação econômica. Na realidade do que estão falando é de dominação cultural que engloba tudo isso e isso tem direta relação com essas aberrações que eles denominam de cultura estratégica de cada país.
Quantas bases militares estadunidenses na América Latina vocês já contaram?
Entre Postos de Operação Avançada (SOA), bases militares tradicionais e demais, há confirmadas 76, em estudo há dez ou quinze mais.
Esse número pode crescer?
Totalmente. Em três anos passaram de 21 para 76 E novas formas de base, Centros de Operações para Desastres, centro de operações para ajudar as operações de paz da ONU como a de Concón.
Em algumas bases não há nem mesmo militares estadunidenses, não é?
Marechal Estigarribia (no Paraguai) não tem um só militar estadunidense, mas têm a pista mais extensa de América Latina, de onde podem decolar e aterrissar aviões com todo o necessário para uma invasão ou qualquer tipo de operação militar. Agora, por exemplo, estão proliferando no Peru um monte de Centros de Operações de Emergência Regional. O último que conhecemos, confirmado, porque temos dez mais para investigar, está em Piura. E por casualidade Piura é uma localidade que fica a oeste do Equador, como uma cunha que penetra nas costas do Equador pelo Pacífico. Esse centro foi instalado depois que o presidente do Equador botou pra fora os ianques da base de Manta. Porém, por traz dessa base em Piura, agora tem aparecido nos jornais peruanos e de outros lugares, há pelo menos dez mais. São todas bases pequenas. Parecem mais como uma rede de pequenos postos de operações. Ocorre que eles já têm as grandes troncais, não necessitam enormes bases como a de Malvinas ou a de Marechal Estigarribia ou a de Palanquero, pois já as têm. Porém, ocorre também que há uma reformulação do exército estadunidense para que seja um exército mais dinâmico e não tão centrado na potência de fogo pesado exclusivamente. A reformulação decorre de que devido aos avanços tecnológicos já necessitam coisas diferentes. Uma base de operações pode ser um radar e um sistema básico de comunicação pode ser uma base de operações porque com isso se exerce o controle. Claro que continuam com as grandes bases. Eles funcionam em rede ou em realidade mais que uma rede é um tecido que é algo muito mais entrelaçado. Então, essas são coisas concretas, são presenças específicas das políticas imperialistas. Eles elaboram um conceito como o de dominação de espectro completo, ou seja, em todos os planos, e depois trabalham através de sua presença direta nas zonas que interessa dominar. Para dar um exemplo, a presença do lítio nas fronteiras entre Argentina, Bolívia, Chile e Peru converte essa porção dos Andes em uma zona que interessa dominar
Países que fazem parte da Aliança do Pacífico….
Claro. A Aliança do Pacífico são quatro países principais mais alguns associados. Os principais são Colômbia, Peru, México e Chile. Depois Panamá se associou. Agora eles procuram associar a outros países da América Central, ou seja, estão trabalhando nessa direção. Eles têm conspirado para tentar de fracionar a Bolívia, separar toda a parte da meia lua do resto do território boliviano. Ainda não conseguiram mas trabalham nessa direção. Ou seja, voltando a pergunta inicial, a questão é que o imperialismo mesmo está nos demonstrando não só que existe mas também que aplica políticas atualizadas para dominar aos povos, para dominar suas riquezas naturais, para dominar territorialmente, para estender sua influência. Por exemplo, a IV Frota pode ser vista de diferentes maneiras, mas o que sim está claro é que é formada por uma quantidade enorme de naves.
Mesmo assim, Rússia realizou umas manobras conjuntas com Venezuela no “mare nostrum” estadunidense.
É que a IV Frota tem tanta potência de fogo como um conjunto de bases militares móveis, pois as dimensões dessas naves são enormes, como os porta-aviões, e cumprem múltiplas funções. Não obstante, dizem que cumprem funções humanitárias, o que é uma enorme mentira. Eles posicionaram um porta-aviões por ocasião do terremoto no Haiti e praticamente a solidariedade não podia ser desembarcada porque o porto estava bloqueado. Ou seja, a IV Frota cumpre muitas funções mas entre elas pode-se considerar como a de um conjunto de bases militares móveis, pequenas, mas, absolutamente funcionais. Agora eles foram conseguindo na costa do Pacífico e também do Caribe, portos de provisionamento a todas as naves da IV Frota. Por exemplo, a região de Turbo, na Colômbia, no Caribe colombiano, que é uma entrada muito grande como se fosse uma espécie de estuário. Ali há uma zona de provisionamento da IV Frota. Porém, no porto de Callao, no Perú, há outra zona de aprovisionamento, entre outras. Ou seja que todas as bases aeronavais que eles instalaram nos últimos dois ou três anos no Panamá, que são muito pequenas, porem tudo isso lhes serve como forma de provisionamento para seus planos gerais de dominação. De forma que o imperialismo se preocupa de mostrar que existe, que atua em função de seus interesses e contra os povos.
*Publicado em Miradas al Sur, Buenos Aires, maio de 2013