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Lógica dos EUA de impôr sanções econômicas a países latino-americanos está chegando ao fim diz chanceler mexicano

Marcelo Ebrard defende, como AMLO, a substituição da OEA pela Celac e destaca que cooperação regional permitiu a México e Argentina produzirem vacinas em conjunto
Blanche Petrich
La Jornada
Cidade do México

Tradução:

Com sua atual política de sanções e castigo para Cuba, Washington “está chegando ao limite da lógica, inclusive da ética do bloqueio, porque diante de uma crise humanitária como a provocada pela pandemia de Covid-19, como se justifica dizer a um país que ele não tem direito a oxigênio?”, questiona o secretário de Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, em entrevista a La Jornada.

Por isso, na segunda-feira passada (26), o presidente Andrés Manuel López Obrador propôs ao seu homólogo estadunidense, Joe Biden, suspender as medidas que impedem Cuba de comercializar normalmente com o mundo há 60 anos. “O passo seguinte é ver que resposta têm os Estados Unidos e em função disso ajustar nossa rota”. 

— Pelo que disse, Biden não vai parar.

— Estou consciente disso. Necessitamos que mude. 

— O que teria que acontecer para que mude de opinião?

— Tratar de persuadi-lo, até onde possamos. Além disso, é muito difícil fixar uma rota. Mas me parece que se está chegando ao limite do fundamento mesmo do bloqueio, por causa da situação humanitária agravada pela pandemia. 

Na torre da chancelaria, poucas horas antes de voar a Lima para assistir à posse do novo presidente do Peru, Pedro Castillo, Ebrard analisa o espectro de temas de política exterior que ocuparam há alguns dias as intervenções presidenciais, entre elas a de privilegiar no multilateralismo regional à Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC) por cima da OEA.

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“O que vimos durante a pandemia é que a OEA nem sequer se pronunciou sobre a situação. Poderão dizer que a OEA é uma instituição política e que para as questões de saúde está a Organização Panamericana de Saúde. Segundo esse critério, nem sequer haveríamos votado na ONU a resolução do acesso universal à vacina. Não é um tema técnico, é um tema político central. O certo é que a OEA não se preocupou, nem perguntou a ninguém se tinha problemas para conseguir vacinas, algo tão essencial”. 

“É por isso que somos agora  muitos os que nos perguntamos: para que serve?” 

Marcelo Ebrard | Foto: Flickr

Ao longo da entrevista, Ebrard opinou sobre os protestos em dezenas de cidades de Cuba, capitalizadas por setores e governos de direita para somar pressões contra Havana: 

— Vimos protestos e mobilizações, em alguns casos relacionados com a pandemia e em outros por outras situações em vários países: Chile, Colômbia, Peru, Equador… O raro seria que em Cuba não ocorressem, sobretudo considerando que têm uma situação mais difícil ainda pela paralisia do turismo, que é mais importante para sua economia que em outros países. Pelo bloqueio nem sequer lhes está chegando combustível para poder garantir o funcionamento de seus hospitais. Seria sensato que não houvesse um bloqueio como este para que fossem os cubanos os que decidam que rota querem tomar em seu sistema e em suas instituições políticas. E o bloqueio se torna o principal obstáculo para que possam tomar alguma decisão.

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Adiantou também que, sobre a iniciativa de estabelecer uma mesa de diálogo entre os setores da oposição e o governo de Nicolás Maduro de Venezuela, se espera poder concretizar “algo” para novembro.

E afirmou sua convicção de que desta vez o voto majoritário de 184 países na ONU demandando o fim do bloqueio a Cuba — só com os votos favoráveis dos Estados Unidos e de Israel — terá repercussão, porque essa reprovação global à política estadunidense também mobiliza a opinião pública. 

Biden e a velha receita que não funcionou

“Historicamente — sustentou — as sanções têm demonstrado ser um erro. Primeiro, é eticamente questionável. É uma forma de intervenção direta que quase nunca teve resultados, mas termina provocando muito sofrimento. Parte da ideia de provocar o máximo de sofrimento a uma população com o objetivo de conseguir que determinado governo se debilite. Isso funcionou em algum lado? Não vejo onde. 

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“O que Cuba está necessitando hoje é oxigênio e seringas, que não pode importar pelo bloqueio. Que fundamento, que argumento ético pode haver para negar a um país o oxigênio?” 

— O argumento central do ex-presidente Barack Obama para decidir o acercamento a Cuba em 2016 foi: há 50 anos fazemos o mesmo e não funcionou. Está na hora de mudar a receita. E seu vice-presidente regressa à velha receita.

— Eu espero que logo consigamos, se não persuadir, pelo menos acercar as posições e sentimentos da América Latina e do Caribe com um governo que tem uma perspectiva muito mais progressista da política exterior. Gostaríamos de outro curso de ação. E não falo só do México, falo de um consenso na América Latina e no Caribe. Falo não só de um gesto para Cuba, mas sim para toda uma região. 

O que eu vi quando da política de Obama foi a tentativa de construir uma nova relação com toda a América Latina a partir da mudança em Cuba, estender uma ponte. O bloqueio atrapalha. 

— Há uma estratégia regional para persuadir os Estados Unidos? 

— A primeira estratégia é que nos vejam juntos. A segunda, que nos vejam votando juntos, como nos viram na Assembleia Geral. A terceira é a proposta que fez o presidente no sábado em Veracruz. O seguinte passo é ver o que dizem os Estados Unidos e em função disso ajustar nossa rota. 

Marcelo Ebrard defende, como AMLO, a substituição da OEA pela Celac e destaca que cooperação regional permitiu a México e Argentina produzirem vacinas em conjunto

Telám
Parceria entre México e Argentina permitiu a países produzirem vacina Aztrazênica de forma conjunta

— A Assembleia Geral há décadas vota a mesma proposta contra o bloqueio a Cuba e nada conseguiu. Ao que parece não tem força essa declaração. 

— Tem cada vez um maior impacto de opinião, de mobilização, de como pensamos no mundo sobre esse tema. Eu creio que terá consequências, sim. Pode tardar, mas é impossível que este voto quase unânime não termine por ter algum impacto em uma mudança de política. 

CELAC, OEA e pandemia

O chanceler Ebrard detalhou o contexto no qual AMLO propôs no sábado passado “substituir” a OEA pela CELAC.

— A CELAC e a OEA são contrárias, são complementares, podem coexistir? Quanto teria que crescer e consolidar-se a CELAC para efetivamente se converter em uma instituição que representa todo a região? 

— Eu diria que a OEA está em bancarrota moral, mas também política. A CELAC tem demonstrado durante a pandemia, nessa situação tão difícil, que tem uma razão para existir e para chegar muito longe. Eu digo isso porque a América Latina e o Caribe somos a região que teve mais mortes que lamentar e a maior quantidade de dificuldades em todos os aspectos, economia, medicamentos, em tudo.

Se não tivéssemos agido em conjunto, por exemplo, o México não teria nem sequer um terço das vacinas que agora tem, graças à colaboração que se conseguiu com a Argentina e a AstraZeneca. São 17 os países que hoje compram e recebem as vacinas; na Argentina se fabrica a substância ativa e se envasa no México. 

Outro exemplo é que impulsionamos juntos a resolução do acesso universal às vacinas na ONU, pressionamos o G20 e diversas instâncias. E foi o que fez que essa resolução tivesse êxito. 

Chegou o momento de perguntar-nos que tipo de organização nos faz falta nas Américas para assegurar a convivência dos países da América Latina, do Caribe e dos Estados Unidos no novo contexto geopolítico do mundo. 

Chegou o momento de propormos a construção de algo novo. Por isso foi que o presidente disse: “que tal se fazemos uma organização nova, que supere a ingerência tradicional da OEA, que parta de relações menos assimétricas e um tratamento mais respeitoso entre nós”. Tem sentido o que diz o presidente se pensamos que estamos a caminho de uma nova correlação de forças geopolítica no mundo. Não podemos continuar pensando como há 70 anos. É uma proposta, haverá que avançar nela. 

Veja também:

Vamos ver o que dizem os Estados Unidos e o Canadá; não houve uma reação. O que posso dizer é que houve uma reação muito relevante na América Latina e no Caribe, há muito interesse de poder avançar em algo assim.

— Entre as instituições do sistema interamericano está a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Sem ela não teria existido o Grupo Independente de Especialistas para a investigação de Ayotzinapa.

— A CIDH e a Organização Panamericana da Saúde fizeram um grande papel. Não estamos falando de acabar com todo o sistema interamericano, mas temos que mudar a arquitetura e os fundamentos da atual OEA. 

— Há outras perspectivas. Por exemplo, há forças sociais na Nicarágua que esperam algo da OEA diante da impossibilidade real que têm de agir politicamente no governo de Daniel Ortega.

— É complexo e há que definir muito claramente estes temas para poder tomar ações comuns favoráveis às liberdades das pessoas e seus direitos; sistemas democráticos, o mais aberto possível, mas sem intervencionismo. Não é fácil de resolver, mas necessitamos outro arranjo.

Por exemplo, os consensos. Não há consensos. Quem define a agenda? Washington. Nos preocupa a Nicarágua, nos preocupa o Haiti, nos preocupa que haja um entendimento político na Venezuela. Mas em todos estes casos há que separar o que é intervencionismo e o que é a ação comum. 

Já não somos três ou quatro países; há coesão

— A CELAC não esteve muito ativa nos últimos anos.

— Teve sim um decaimento muito importante, precisamente pelas diferenças em torno ao tema da Venezuela. Formou-se o Grupo de Lima e, inclusive, chegou a ser muito difícil reunir-se. Foi denominado um período de reflexão. 

Mas o que aconteceu durante a pandemia colocou fim neste chamado período de reflexão. 

A comunidade tem um futuro. Podemos ser a voz da América Latina. Não há uma só razão pela qual não possamos unificar nossas posturas. Às reuniões do G20 vamos Brasil, Argentina e México. Podemos levar a voz da América Latina a esse fórum. O México vai presidir agora em novembro as reuniões do Conselho de Segurança; juntos podemos recolher os pontos de vista dos demais países da região. 

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— Não são muitos os países que têm afinidade com estas ideias na América Latina. Se acredita que há interesse majoritário na CELAC?

— A esta reunião de chanceleres vieram 27 chanceleres. Já não somos três ou quatro países. Talvez tenha sido porque o grau de risco que todos enfrentamos tem sido tão alto que há um nível de coesão muito mais importante do que o que havia há alguns anos. 

As perguntas que fazemos são: alguém nos perguntou o que necessitávamos durante a pandemia? Alguém nos ofereceu enviar vacinas a tempo? Alguém se preocupou se algum país não tinha respiradores suficientes? Ninguém. A muitos países a primeira solidariedade chegou da América Latina. Conclusão: Ninguém vai fazer por nós o que nós não fizermos. Esta conclusão é aceita até pelos mais conservadores. 

— Como vai a iniciativa mexicana de impulsionar uma negociação entre as partes em conflito na Venezuela?

— O México propôs a iniciativa praticamente desde que chegamos ao governo, durante a reunião que houve em Montevidéu entre países da região com a União Europeia. Nesse momento, não houve o espaço para avançar. Os Estados Unidos tinham outra estratégia, hoje as condições são diferentes. 

— O que mudou? 

— O fracasso da ideia de impor um presidente interino [Ebrard não nomeia ao então autodenominado “presidente” Juan Guaidó] e que com isso iria resolver o problema; o ilusionismo da direita. Tampouco se pode manter as coisas como estão agora porque tanto o povo como o governo na Venezuela estão em uma situação muito difícil. Penso que haveria condições objetivas para alcançar, embora fosse uma solução limitada. E, outra vez, o tema do bloqueio: esperar que a Venezuela deixe de ter sanções, possa regularizar sua economia e decidir. A expectativa é que para o outono já pudéssemos estar trabalhando nos diálogos. 

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

*Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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