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Foto: Adam Schultz / Casa Branca

Manobra eleitoral: Biden entre no jogo de Trump ao proibir asilo a indocumentados

Medida em vigor deste quarta-feira (5) determina que "o ingresso de todo não cidadão aos EUA através da fronteira sul está por ora suspenso e limitado"
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O presidente Joe Biden anunciou nesta terça-feira (4) uma nova medida executiva, que entrou em vigor no mesmo dia, para dissuadir imigrantes indocumentados de chegarem à fronteira dos Estados Unidos com o México, ameaçando limitar seu direito de asilo em uma manobra claramente eleitoral contra um opositor que tem usado incessantemente e com sucesso o tema de “uma fronteira aberta” para colocar o democrata na defensiva. Em uma ordem executiva, a Casa Branca declarou efetivamente que quase todo imigrante que tentar cruzar a fronteira sem ingressar pelos pontos oficiais terá negado o direito de solicitar asilo, com algumas exceções.

A ordem permitirá ao presidente suspender solicitações de asilo quando o número total de migrantes indocumentados encontrados pela Patrulha Fronteiriça entre pontos oficiais de ingresso na fronteira superar 2.500 em qualquer dia.

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Um dia depois de felicitar à presidenta eleita do México e expressar seu desejo de aprofundar a cooperação na relação bilateral, Biden buscou divulgar uma mensagem de que estava impulsionando uma medida que lhe permitiria “fechar a fronteira” de maneira unilateral para frear o fluxo de imigrantes indocumentados.

“Temos que enfrentar uma verdade simples”, disse Biden ao apresentar as medidas cercado por alguns prefeitos e legisladores de zonas fronteiriças. “Para proteger os Estados Unidos como uma terra que acolhe imigrantes, primeiro temos que assegurar a fronteira e assegurá-la agora”. Uma proclamação oficial emitida pela Casa Branca esclarece que esta ordem executiva “responde a esse chamado ao suspender o ingresso de não cidadãos através da fronteira sul durante este período de cruzamentos fronteiriços elevados”.

Mensagem severa a indocumentados

Parte da estratégia por trás desta medida, esclareceram funcionários do governo de Biden, é enviar uma mensagem severa a quem deseja chegar à fronteira. A proclamação afirma que “o ingresso de todo não cidadão aos Estados Unidos através da fronteira sul está por ora suspenso e limitado… Esta suspensão e limitação de ingresso entrará em vigor às 00h01 [hora de Washington] do dia 5 de junho de 2024”.

O presidente Biden também realizou uma chamada telefônica com o presidente Andrés Manuel López Obrador para felicitá-lo pela eleição em seu país e, segundo o mandatário mexicano, para comentar a nova ordem executiva para a fronteira. Em sua apresentação à mídia sobre a medida hoje, Biden explicou que “pelos arranjos que alcancei junto com o Presidente Obrador, o número de migrantes chegando ilegalmente a… nossa fronteira compartilhada nos meses recentes despencou dramaticamente. Mas enquanto esses passos são importantes, não são suficientes”, disse ao justificar as novas medidas.

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Críticos apontaram que a medida viola o direito ao asilo garantido nas leis nacionais e internacionais e que, pior ainda, é uma versão de medidas anti-imigrantes impulsionadas primeiro por seu antecessor Donald Trump. A União Americana de Liberdades Civis (ACLU) e outros grupos de direitos humanos e civis condenaram imediatamente a ordem. “O governo [de Biden] nos deixou sem opção a não ser apresentar uma demanda [nos tribunais]”, declarou Lee Gelernt da ACLU. Ele enfatizou que esta ordem “foi ilegal sob Trump e não é menos ilegal agora”. A ACLU foi bem-sucedida em sua demanda contra a proibição de asilo impulsionada por Trump como presidente.

Democratas protestam

Talvez antecipando esses desafios legais, a Casa Branca informou na terça que haverá exceções a essa proibição para solicitações de asilo, incluindo menores de idade desacompanhados e algumas outras categorias de solicitantes. No entanto, isso não freou o coro de protestos e denúncias tanto de líderes políticos quanto de defensores de imigrantes. Uma notável gama de legisladores federais do mesmo Partido Democrata de Biden condenou o anúncio. O senador federal Alex Padilla declarou que “ao reviver a proibição de asilo de Trump, o presidente Biden minou os valores americanos e abandonou as obrigações de nossa nação de conceder a pessoas que fogem da perseguição, violência e autoritarismo uma oportunidade para buscar refúgio nos Estados Unidos”.

Também na terça, em uma entrevista coletiva em frente ao Capitólio e com migrantes avisando, “Biden, ouça, estamos na luta”, um grupo de cerca de dez legisladores democratas condenou a ordem executiva. “Em vez de impulsionar a ordem executiva limitada, o presidente Biden deveria pôr fim às sanções na América Latina e atualizar nossas políticas de comércio e econômicas”, declarou o deputado federal pelo Texas Greg Casar. “Isso reduziria a pressão sobre nossos recursos limitados na fronteira sem recorrer a medidas extremas à la Trump”. Outros que criticaram a medida ao longo do dia incluíram os deputados Jesús Chuy García e Joaquín Castro.

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Organizações de migrantes também se somaram ao coro de denúncia. “Ao fechar a fronteira, a iniciativa impediria que milhares de solicitantes de asilo buscassem a proteção humanitária que merecem”, afirmou Óscar Chacón, diretor-executivo da rede de organizações imigrantes Aliança Américas.

Detalhes da medida não foram divulgados

Mas os detalhes sobre como funcionariam essas medidas e se poderia ser realmente implementada ainda não eram conhecidos. Para aqueles imigrantes indocumentados “encontrados” pela Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos tentando ingressar no país, as autoridades supostamente os retornariam diretamente ao México, talvez em números ainda maiores que antes, ou seriam deportados para seus países de origem se o México não os admitir de volta, e alguns seriam processados e permitidos permanecer nos Estados Unidos à espera da determinação de suas solicitações.

Ariel G. Ruiz Soto, analista de políticas do Migration Policy Institute, diz que, mesmo com as novas ordens emitidas hoje, espera que todas essas três vias continuem sendo utilizadas, embora agora com maior ênfase em negar o asilo de maneira mais acelerada. “Por essa razão, não é realista nem preciso falar que isso se trata de ‘fechar a fronteira’”, comentou em entrevista ao La Jornada.

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“As pessoas continuarão cruzando por pontos oficiais de ingresso com documentação, e aqueles que tentam fazer isso de maneira irregular provavelmente ainda serão verificados e alguns serão permitidos entrar no interior do país”. Atualmente, o México aceita todos os mexicanos expulsos dos Estados Unidos, juntamente com um total de 30 mil nicaraguenses, cubanos, haitianos e venezuelanos a cada mês. Ainda está por ver se o México estará disposto a receber números maiores se a nova ordem for implementada.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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