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Foto: Lian Begett / Unsplash

Marxismo ecológico: como Marx entendia a relação entre mudança climática e capitalismo?

Apesar de a emergência climática estar explodindo em nossa cara, hoje muito se desconsidera o papel que as relações sociais de produção capitalista tem no problema
Lenin Contreras
Rebelión
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

O dado é mais alarmante caso se considere que entre 2015 e 2022 foram registrados os oito anos mais quentes de que se tem notícia desde 1850.[i] Segundo os estudos da Organização Meteorológica Mundial (OMM), apenas a temperatura mundial, em 2022, ficou 1,15 °C acima da temperatura média do período 1850-1900. Preocupante é que o organismo indicou que o período de 2022-2027 será o mais quente jamais registrado.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM) com o aquecimento global, as ameaças de aquecimento dos oceanos, o retrocesso dos glaciares e a perda de gelo marinho antártico são uma realidade. Apesar da crise ecológica estar explodindo na nossa cara, na maioria dos estudos ou relatórios institucionais ou governamentais desconsidera-se o papel que a reprodução das relações sociais de produção capitalista tem na mencionada crise. Neste sentido surge a pergunta: Existe uma crítica ao capitalismo que incorpore uma crítica ecológica? O que disse Marx sobre a mudança climática?

Marx foi prometeísta?

É um lugar-comum reiterar a ideia de que Marx e Engels celebraram o submetimento da natureza à produção capitalista, enaltecendo o desenvolvimento das forças de produção ao ponto de reivindicar um modelo civilizatório sustentado pelo hiper industrialismo [ii]. Desta forma, segundo Edgardo Lander, o marxismo professaria uma espécie de prometeísmo ilustrado que idealizaria o progresso a todo custo por meio de “uma admiração sem limites das forças produtivas desenvolvidas pela burguesia na sociedade capitalista.” [iii]

Michael Löwy chega mesmo a afirmar que a idealização do progresso predominou no marxismo do século 20, “seja em sua forma social-democrata ou comunista (estalinista)” [iv] e isto se deve a que, em Marx e Engels, além de reflexões limitadas sobre o meio ambiente, falta “uma noção geral dos limites naturais no desenvolvimento das forças produtivas”.

Nestas afirmações subjaz a tese de que os trabalhos de Marx e Engels, ao focar na contradição entre o capital e o trabalho, não atenderam à relação entre o capital e a natureza senão fragmentária e isoladamente. [v] A esse respeito, Saito aponta que em alguns trabalhos de Marx e Engels se encontra uma visão prometeísta, mas que isto dificilmente poderia ser generalizado para toda a sua obra. [vi]

Também é verdade que a classificação do marxismo como uma teoria idealizadora do produtivismo, em geral, minimiza as discussões de pelo menos três gerações de marxistas ecológicos [vii], ou os importantes debates soviéticos sobre a degradação ambiental, o problema ecológico, o progresso técnico e seu impacto na biosfera, etc. [viii]

Recentemente, apesar das discrepâncias teóricas, os marxistas ecológicos chegaram à conclusão que as preocupações ecológicas de Marx são sistemáticas, não só simples notas soltas ou reflexões fragmentadas, razão pela qual as acusações de um suposto Marx prometeísta adorador do modernismo industrial burguês são simplesmente falsas. Marx explorou, como fundamentos adicionais, o papel do desmatamento, a desertificação e a mudança climática. Segundo Marx, “a escassez ou ausência de mata aumenta sem exceção a temperatura e a secura do ar”.

“O desmatamento de uma região, particularmente quando possui um solo muito árido e arenoso ou mesmo calcáreo, constitui a causa mais poderosa da criação de calor […] A composição do solo [condiciona] as precipitações das quais derivam as influências climáticas descritas acima. As zonas de mata cobertas de vegetação retêm a umidade com mais firmeza e a luz do sol as esquenta menos do que as zonas não férteis. [Como resultado,] também atraem mais chuva e por isso estas áreas não só são frias, como também distribuem uma refrescante corrente de ar frio às quentes áreas circundantes. A distribuição da umidade no ar muda enormemente a temperatura e as diversas capacidades de condução de calor da matéria na superfície da terra” [ix]

Saito reitera que Marx conhecia o impacto da mudança climática nas transformações históricas e como expressava um limite do mundo material ou mesmo um perigo para as civilizações. Desta forma, o desenvolvimento do capital não só degrada a fertilidade da terra, como, ao desertificar antigas áreas de mata, muda o clima, transformando e reorganizando “radicalmente o mundo inteiro sem deixar nenhum espaço do planeta intacto, criando um meio ambiente, no momento, mais favorável para sua ilimitada autovalorização”[x].

Neste sentido, István Mészáros argumenta que uma das características da ordem do sistema metabólico do capital é ser totalizante, porque submete à sua lógica de obtenção de mais-valia todas as dimensões da vida social, incluindo a consciência e a natureza. “Não há nada que escape ao sistema de controle do metabolismo social do capital, já que é definitivamente incontrolável” [xi]

A lógica expansiva da produção capitalista baseada na máxima valorização do capital e apropriação de mais-valia, por meio da mercantilização-objetivação do homem e da natureza, submete todas as esferas da vida social e natural à tentativa do metabolismo social do capital, desgarrando a base material e natural da vida humana: esgota o solo fértil, desmata e desertifica, muda o clima e o torna inóspito para certas formas de vida, o que desemboca em uma crise ecológica com dimensões inclusive ontológicas devido a que a submissão da totalidade social e da natureza pelo sistema metabólico do capital desloca tanto a natureza humanizante do trabalho como a base natural da existência humana.

Notas:

É muito conhecida a frase lapidar de Marx exposta no último item do capítulo XIII do tomo I do Capital, dedicado a analisar a Maquinaria e Grande Indústria, que expõe: “a produção capitalista, por conseguinte, não desenvolve a técnica e a combinação do processo social de produção senão para socavar, ao mesmo tempo, os dois mananciais de toda riqueza: a terra e o trabalhador.” [xii] Esta frase lapidar deveria bastar para compreender que não haverá possibilidade de conter ou enfrentar a crise ecológica se não se impõe um freio à lógica destrutiva da acumulação capitalista.

[i] Organização Meteorológica Mundial, 2023, consultado em https://public.wmo.int/es/media/comunicados-de-prensa/el-informe-anual-de-la-omm-pone-de-relieve-el-avance-continuo-del-cambio  (OMM, 2023).

[ii] Saito, Kohei, 2022. A natureza contra o capital- O eco-socialismo de Karx Marx

[iii] Lander, Edgardo, 2006. Marxismo, eurocentrismo e colonialismo na teoria marxista hoje. Problemas y perspectivas, p. 221.

[iv] Löwy, Michael, 2020. Walter Benjamin e José Carlos Mariátegui: Dois marxistas dissidentes contra a ideologia do «progresso» em Utopía y Praxis Latinoamericana.

[v] Tagliavini, Damiano; Sabbatella, Ignacio, 2012. A expansão capitalista sobre a Terra em todas as direções. Contribuições do Marxismo Ecológico.

[vi] Saito, Kohei, Óp. Cit.

[vii] Ibid.

[viii] Kapitsa, Piotr; Flolov, Ivan; Vinogradov, Alexander, 1981.  A sociedade e o meio ambiente. Concepção dos cientistas soviéticos

[ix] Marx citado por Saito, Ibid. 

[x] Ibid.

[xi] Mészáros, István, 2010, Para além do capital. p. 58.

[xii] Marx, Carlos, 2005. O Capital. Crítica da economia política, tomo I.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Lenin Contreras

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