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Toggle“Nosso povo está morrendo. Morrendo!”. A fala de Pjhcre, liderança maranhense do povo Akroá Gamela na frente da Esplanada dos Ministérios, nesta quinta-feira (15) em Brasília, não é modo de dizer. O mês de setembro começou com uma escalada de violência contra os povos originários no Brasil. Em um período de 10 dias – entre 3 e 13 de setembro – seis indígenas dos povos Pataxó, Guarani Kaiowá e Guajajara foram assassinados e um se suicidou nos estados da Bahia, do Mato Grosso do Sul e do Maranhão.
“Era para as crianças enterrarem nós, os velhos. Mas somos nós que estamos enterrando nossas crianças”, denuncia Pjhcre. Dos sete mortos, três eram menores de idade. Aproximadamente 120 lideranças de nove povos marcharam até o Ministério da Justiça, em Brasília (DF), denunciando os ataques, exigindo justiça e reivindicando o direito de viver em suas terras ancestrais.
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Os manifestantes protestaram contra a paralisação da demarcação dos territórios indígenas (durante o governo Bolsonaro não houve nenhum processo concluído); o desmonte dos mecanismos de fiscalização e proteção territorial; e o estímulo governamental às invasões de terras por parte de grileiros, fazendeiros e garimpeiros são denunciados pelos indígenas como aspectos que têm acirrado os conflitos e os ataques violentos.
A delegação reivindica, ainda, que o Supremo Tribunal Federal (STF) retome e conclua o julgamento do marco temporal, que está suspenso desde setembro de 2021. Os indígenas pedem que essa tese – segundo a qual só poderiam ser demarcadas terras indígenas ocupadas pelos povos até 1988 – seja definitivamente derrubada.
CIMI
Além das vidas perdidas, dois indígenas de 16 e 14 anos, foram baleados na Bahia e no Maranhão
Entenda os ataques recentes:
Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul
Comerciante e morador da aldeia de Amambai, Vitorino Sanches, guarani kaiowá de 60 anos, dirigia seu carro no centro da cidade na tarde desta terça-feira (13) quando foi morto a tiros. Segundo testemunhas, os disparos foram feitos por dois homens em uma moto. No início de agosto ele sobreviveu de um atentado similar.
A aldeia onde Sanches vivia é vizinha do Tekoha Gwapo’y Mi Tujury, território ancestral que está em nome da Fazenda Borda da Mata da empresa VT Brasil Administração, da família Torelli, e que foi retomado por indígenas em junho. Foi ali que aconteceu, em 25 de junho, o que ficou conhecido como Massacre de Gwapo’y, quando a polícia militar invadiu a área, feriu 15 pessoas e matou o indígena Vitor Fernandes. Menos de um mês depois, Márcio Moreira, uma liderança da retomada, foi assassinado em uma emboscada.
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Ouvido pelo Brasil de Fato, um integrante da Aty Guasu – a Grande Assembleia Guarani Kaiowá – explicou que os ataques contra a retomada de Gwapo’y extrapolam estes que são mais explícitos. Além dos assassinatos, segundo ele, fazendeiros da região estimularam comerciantes a não vender alimentos e outros produtos para os indígenas que estivessem na fazenda ocupada. Vitorino Sanches, apoiador do movimento de recuperação de terras indígenas, foi um dos poucos que não aderiu ao boicote.
Em nota, a Aty Guasu afirma não saber “exatamente o que está acontecendo, quem são os mandantes e mandados”. Destaca, no entanto, que Márcio Moreira e Vitorino Sanches, além de terem sido mortos em emboscadas, “têm em comum estarem ligados à nossa retomada”.
“A polícia ataca, o Estado permite, o público e o privado funcionam em uma única direção. Ampliar a monocultura sobre os cemitérios que um dia foram nossas terras. Assim eles pensam, mas não permitiremos nem deixaremos de lutar”, informa a Aty Guasu.
A execução de Vitorino acontece três dias depois de dois jovens Guarani Kaiowá perderem suas vidas também de forma violenta no Mato Grosso do Sul. Em Dourados (MS), Ariane Oliveira Canteiro, de 13 anos, foi encontrada morta no último sábado (10) depois de uma semana desaparecida. Segundo a Polícia Civil, um adolescente de 17 anos foi preso e confessou o assassinato por motivo de ciúmes.
Nesse mesmo sábado (10), Cleiton Isnard Daniel, de 15 anos, se suicidou. Ariane e Cleiton viviam na aldeia Jaguapiru, na lotada Reserva Indígena de Dourados.
Guajajara no Maranhão
Na madrugada do dia 3 de setembro na cidade de Amarante (MA), Janildo Oliveira Guajajara foi assassinado com tiros nas costas. Este mesmo ataque feriu um adolescente de 14 anos, que foi hospitalizado.
Janildo fazia parte do Guardiões da Floresta, grupo auto-organizado que atua na fiscalização e defesa do território indígena contra invasores. Desde 2007, quando o coletivo foi criado, 37 rotas de extração ilegal foram fechadas pelos guardiões. No mesmo dia 3, no município de Arame (MA), Jael Carlos Miranda Guajajara foi morto em um atropelamento. Todos são da Terra Indígena Arariboia.
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Uma semana depois, no último domingo (11), na estrada que leva ao povoado Jiboia e que fica perto dos limites da TI Arariboia, Antônio Cafeteiro Sousa Silva Guajajara foi morto com seis tiros.
Pataxó na Bahia
Cerco de pistoleiros, tiros, ameaças e a atuação de uma milícia anti-indígena vem sendo denunciados sistematicamente pelo povo Pataxó das TIs Barra Velha e Comexatibá Cahy Pequi, no extremo sul da Bahia, desde o final de junho. Nos últimos três meses, os indígenas avançaram no seu processo de auto-demarcação, com cinco retomadas. Desde então, a tensão na região se acirrou e, na madrugada do último 4 de setembro, a tragédia anunciada se concretizou.
Atirando, de dentro de um carro, com fuzil e bombas de gás contra indígenas que estavam na recém ocupada Fazenda Samambaia, localizada dentro da TI Comexatibá Cahy Pequi, pistoleiros mataram um adolescente de 14 anos. Gustavo Silva da Conceição foi atingido com um tiro na nuca.
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“Estamos ameaçados dentro do nosso próprio território”, afirmou em Brasília o cacique Suruí Pataxó, da Aldeia Barra Velha. Ele integrou a delegação de lideranças que foi à capital do Brasil em defesa dos direitos dos povos indígenas. Em frente ao ministério da Justiça, ele segurava, junto com seus companheiros, uma faixa verde com os dizeres “Justiça Gustavo Pataxó”.
“Estão mandando recado, diariamente eles [pistoleiros] vem atirando, matando nosso povo”, destacou Suruí. “Nós não somos invasores, somos os primeiros”, ressaltou. A TI Barra Velha fica na chamada “costa do descobrimento” no sul da Bahia, onde houve o primeiro contato dos colonizadores com os povos originários do que viria a se chamar Brasil.
“País de todos?”
“Dizem que é um país de todos, de igualdade?”, questiona o cacique Pataxó. “Nós pedimos respeito de toda a sociedade brasileira. Não somos bandidos, quem está matando são eles”.
Com lágrimas nos olhos, a fala de Suruí Pataxó foi seguida por um canto coletivo. “Gustavo perdeu a vida querendo demarcação / o direito e o dever de lutar pelo nosso irmão / Por esse Brasil afora tem índio de toda nação / o que aconteceu agora, a morte do nosso irmão”.
Com uma criança indígena ao lado, Edinho Macuxi, coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR) deixou explícito que nenhuma das lideranças presentes no ato em Brasília estariam ali, se tivessem escolha. “Queríamos estar nas nossas aldeias, estudando, trabalhando, cultivando e cuidando do nosso território. Mas nós estamos aqui. Essa criança, que deveria estar na escola”, ele aponta, “está aqui. Por quê? Porque nosso povo está sendo assassinado, nosso território está sendo invadida, nossa água contaminada, nosso solo envenenado”, vocaliza.
“A gente não pode continuar assistindo de braços cruzados a injustiça que está sendo cometida contra os povos indígenas. Queremos que seja tirado o [Marcelo] Xavier da Funai”, reivindica Edinho Macuxi, se referindo ao presidente do órgão, criticado pelo movimento indígena por atuar contra os povos pelos quais deveria trabalhar para proteger. “Queremos que Bolsonaro saia porque ele é um assassino, está matando o povo brasileiro”, completa.
“Nós, povos indígenas, não vamos abrir mão dos direitos que temos, dos nossos territórios, da nossa dignidade”. Aos gritos coletivos de “demarcação já”, Edinho Macuxi afirmou que, se preciso for – e ao que tudo indica, está sendo – os povos originários defenderão, com sangue, sua liberdade.
Gabriela Moncau | Brasil de Fato
Edição: Thalita Pires
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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