O Brasil é um exemplo ao mundo de sustentabilidade. É o país que cuida melhor da natureza. O problema ambiental está nas cidades e não no campo. O agronegócio brasileiro é o mais comprometido com a preservação do meio ambiente.
Com argumentos dessa ordem, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, tem respondido a críticas cada vez mais incisivas feitas a ele e ao governo Bolsonaro, dentro e fora do Brasil. Internamente, ele conseguiu reunir a oposição de oito distintos e até opostos antecessores no ministério: Rubens Ricupero, Gustavo Krause, José Sarney Filho, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira e Edson Duarte.
Externamente, atraiu a crítica de mais de 600 pesquisadores, dentre os quais cientistas de grande notoriedade, integrantes de algumas das melhores universidades do mundo, que publicaram um manifesto na Science, revista científica de credibilidade internacional.
Indo além do questionamento acadêmico ou intelectual, os subscritores do texto adotaram uma posição política: pediram à União Europeia que condicione suas parcerias com o Brasil à mudança da proteção ambiental do país, sobretudo em relação à Amazônia, que consideram cada vez mais ameaçada pelo avanço do desmatamento, que eliminou 18% da sua floresta em três décadas e tornou o Brasil o maior desmatador mundial no ano passado.
Felipe Werneck Agente do Ibama no combate ao desmatamento da Terra Indígena de Pirititi em Roraima em 2018
Em relação aos adversários domésticos, Ricardo Salles adotou a tática do ataque como a melhor defesa. Sobre um pano de fundo real (a deterioração ambiental ao longo dos governos que os oito ministros integraram, apesar dos avanços na legislação e nas políticas públicas setoriais), o ministro apesentou denúncias graves, embora destituídas das provas do que citou.
Como fez também em relação aos críticos internacionais, arguiu a má fé das suas iniciativas, sem demonstrar os fatos comprovadores. Nem por isso o que disse deve ser desconsiderado. No esclarecimento devido talvez esteja um dos caminhos para aproximar a ação oficial, em geral infrutífera ou insatisfatória, de uma realidade que com ela se choca: a manutenção ou o agravamento das práticas predatórias na realidade concreta, a despeito de todas as boas intenções e do discurso científico.
Ao se defender das objeções dos ex-ministros, Salles disse, em relação ao Conselho Nacional do Meio Ambiente, sobre o qual teria investido ruinosamente, que sua composição e funcionamento “remontam a um modelo ultrapassado, criado há mais de 30 anos e que não soube ou não quis modernizar-se”. Por isso, continuaria “servindo de palanque ao proselitismo de alguns que nele encontram guarida para angariar clientes ou causas remuneradas”.
Esses brasileiros – ainda anônimos no discurso do ministro – estariam servindo a uma “guerra comercial disfarçada”, a partir de outros países, concorrentes do Brasil, que sustentariam uma “permanente e bem orquestrada campanha de difamação promovida por ONGs e supostos especialistas, para dentro e para fora do Brasil, seja por preconceito ideológico ou por indisfarçável contrariedade face às medidas de moralização contra a farra dos convênios, dos eternos estudos, dos recursos transferidos, dos patrocínios, das viagens e dos seminários e palestras”.
Com dose alta de agressividade, ironia e arrogância, o ministro, depois de enumerar como positivos os mesmos itens apontados como negativos pelos críticos, saudou o uso por eles da expressão “governança”, comemorando “que finalmente tal palavra tenha entrado no vocabulário da seara ambiental, permitindo, quiçá, que muitos dos milionários projetos e despesas até então assumidos e desembolsados, com pouco ou nenhum resultado, possam ser verdadeiramente escrutinados pela sociedade que os paga e sustenta”.
Esse tipo de raciocínio pode ser remontado a 1972, quando o regime militar, no apogeu do “milagre econômico” do crescimento do PIB brasileiro (a taxas ao redor de 10% ao ano), às preocupações pioneiras da primeira conferência mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento, realizada na Suécia, reagiu com a mesma ironia. O Brasil não partilhava essa angústia ecológica. Pelo contrário, o governo garantia aos investidores que a poluição seria bem recebida no país, se essa era a maneira de desenvolvê-lo por meio da industrialização, com as mesmas chaminés presentes na Europa e nos Estados Unidos.
Vinte anos depois, de volta à democracia, o Brasil sediou a nova conferência mundial, no Rio de Janeiro, sob o governo Collor, o primeiro eleito pelo voto popular em mais de três décadas. A legislação ambiental, com seu março inicial em 1981, no ocaso da ditadura, com o pior dos seus governos, do general João Figueiredo, melhorara muito, assim como o aparato estatal, as unidades de conservação e a engrenagem institucional. O Brasil era a oitava economia mundial, mas continuava um dos mais desiguais e injustos do planeta. A redemocratização não eliminara essa ultrajante indignidade, apenas a recobrindo de novas cores.
O desmatamento na Amazônia atingira seu índice recorde em 1987, na véspera da edição da nova constituição, que iria ressaltar a hipoteca social como condicionante ao desenvolvimento econômico. Temendo a desapropriação das suas grandes propriedades para a reforma agrária, os fazendeiros instalados na fronteira trataram de derrubar a mata nativa para criar “benfeitorias” e se acautelar contra a intromissão estatal.
Em meio século, de maior ou menor desmatamento a cada ano, num ritmo que variou sem perder a constância, o avanço das frentes econômicas sobre a Amazônia resultou na maior destruição de florestas da história da humanidade em tão pouco tempo, graças ao endosso oficial, à cobiça dos agentes e à tecnologia da destruição, componentes históricos sempre mais fortes do que a retórica da preservação, tenha ou não base científica, seja ou não de boa fé, num debate que não consegue se aprofundar como seria necessário para por fim à celeuma entre os discursos opostos.
O ministro do meio ambiente de Bolsonaro tem razão ao lembrar que odesmatamento remonta há mais de sete anos, “cuja curva de crescimento se iniciou em 2012, portanto durante administrações anteriores, que ora pretendem, curiosamente, imputar ao atual governo a responsabilidade pela ausência de ações efetivas ou estratégias eficientes”.
Ambos os lados têm razão quando se acusam, mas delas ficam destituídos ao serem acusados. E assim, desprovida do seu principal recurso natural, que é a floresta, a Amazônia fica cada vez menos amazônica.
Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.
O Brasil vive neste momento uma escassez de imunizantes para o novo coronavírus, consequência de equívocos em logística que têm comprometido a vacinação.
O primeiro desses erros foi ter apostado todas as fichas numa única vacina, a do Laboratório AstraZeneca, da Universidade de Oxford, que acabou atrasando a importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). Faltou planejamento integrado, que teria antecipado todos os cenários possíveis, inclusive os mais catastróficos, o que daria ao País um leque de possibilidades para contornar a crise atual. É o que apontam especialistas ao Jornal do Engenheiro.
Atuando há 15 anos nesse segmento, sendo os últimos seis como gerente no setor farmacêutico, Eder Frois explica: “Existem quatro grandes macroprocessos na logística: compra, produção, distribuição e logística reversa. Um quinto processo integra todos esses, que é o planejamento integrado.”
Para Eder Frois, não comprar com antecedência foi erro grave. Mestrando do Programa de Engenharia de Produção e Manufatura da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele considera um “erro grave” o Brasil não ter efetivado a compra das vacinas no momento em que os fabricantes sinalizaram com resultados positivos nas primeira e segunda fases de testes clínicos, entre julho e agosto de 2020.
“Tão importante quanto o desenvolvimento da vacina é fazer com que ela chegue à população. Antes da parte operacional, deveria ter ocorrido o planejamento”, reforça o especialista em análise de processos logísticos.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ratifica que assumir o compromisso de aquisição naquele momento era um risco necessário. “Ninguém comprou vacina sem no mínimo saber como estavam os primeiros resultados. Em geral, quando as fases 1 e 2 dão certo, já é um indicativo que a fase 3 também dará”, aponta ele, que é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
No Brasil, Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), respectivamente dos governos estadual e federal, correram esse risco ao assinarem acordos de compra de IFA e de troca de tecnologia, prevendo envase do insumo e produção local. O primeiro apostou na Coronavac, do laboratório chinês Sinovac Biotech, e o segundo, na do Laboratório AstraZeneca, da Inglaterra.
Atraso e desorganização
No País, estão sendo vacinadas em média 250 a 300 mil pessoas por dia. Número inexpressivo, se comparado a campanhas nacionais. Em 2010, na imunização contra o vírus H1N1, foram 100 milhões de pessoas em três meses. Em 2020, vacinaram-se quase 80 milhões contra a gripe, também em um trimestre. Uma média de 1 milhão ao dia.
Agravante em meio à pandemia são os adiamentos e recusas feitos pelo Ministério da Saúde (MS). Seu Plano Nacional de Imunização de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, publicado em 16 de dezembro último, já está na quarta edição, sofrendo diversas modificações. A principal delas diz respeito à disponibilização das vacinas, espinha dorsal do plano.
Isso porque o Ministério segue em negociação com diversas farmacêuticas, sendo elas Janssen, Moderna, Gamaleya, Pfizer, Sputnik V, dentre outras. Ainda assim, a Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19 teve início no dia 18 de janeiro de 2021.
No plano, o MS prevê obter 350 milhões de doses para o ano, sendo 102,4 milhões até julho próximo e mais 110 milhões (já em produção nacional) entre agosto e dezembro da vacina proveniente da parceria da Fiocruz com o laboratório de Oxford. Também conta com 46 milhões de doses da Coronavac no primeiro semestre deste ano e 54 milhões no segundo semestre.
Na primeira versão do plano havia previsão de que o Brasil receberia 70 milhões de doses da Pfizer-BioNTech, cujo registro definitivo foi dado somente em 23 de fevereiro pela Anvisa, a qual estendeu a autorização para importação às clínicas privadas. Na atual situação emergencial, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve usar inclusive as que não forem adquiridas diretamente pelo governo, de acordo com a Constituição Federal.
Naquele momento inicial, o governo brasileiro recusou a remessa, alegando falta de garantias. A Pfizer fez uma segunda oferta de 2 milhões de doses. No entanto, o MS divulgou nota em 23 de janeiro afirmando ter novamente recusado, desta vez por ser pouca quantidade, o que "causaria frustração em todos os brasileiros". O total, porém, é exatamente o mesmo que foi importado da AstraZeneca.
Devido à falta de vacinas, o Brasil precisou recorrer ao Covax Facility, consórcio de nações ricas, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para ajudar países em situação de vulnerabilidade econômica e social como Nigéria, Congo e Haiti. Segundo o governo federal, serão disponibilizadas 42,5 milhões de doses, sendo 10 milhões até julho. Mais 20 milhões foram negociadas para obtenção da Covaxin, da Precisa Medicamentos, em parceria com o laboratório indiano Barat Biotech.
O governo brasileiro também recusou lotes maiores que foram ofertados pelo Butantan no ano passado. O primeiro ofício encaminhado à pasta, em 30 de julho de 2020, propunha 60 milhões de doses de vacinas prontas para entrega ainda em 2020 e 100 milhões para 2021, conforme afirmado pelo diretor do instituto, Dimas Covas, em coletiva de imprensa no dia 19 de fevereiro último.
Mau uso do sistema
“Nesse ritmo atual, vamos levar mais de quatro anos para vacinar toda a população alvo da campanha. Temos um sistema eficiente na cadeia logística da imunização, reconhecido internacionalmente, poderíamos ter feito melhor uso”, diz Frois, referindo-se ao Programa Nacional de Imunização (PNI), criado pelo governo federal em 1973.
Até agora, as vacinas só podem ser aplicadas em pessoas maiores de 18 anos, já que não foram feitos testes em crianças, adolescentes e gestantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse grupo soma 159,1 milhões de brasileiros.
O PNI viabiliza a logística de aproximadamente 300 milhões de doses dos 47 imunobiológicos distribuídos anualmente, segundo dados do Ministério da Saúde. A rede conta com uma central nacional, 27 estaduais, 273 regionais e aproximadamente 3.342 municipais, além de 38 mil salas de imunização, que podem se ampliar para 50 mil, e 52 Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie).
Alguns desses centros nas capitais teriam capacidade de se estruturar rapidamente para receber por exemplo a da Pfizer-BioNTech, que exige um armazenamento a menos 70 graus celsius. É o que afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI de 2011 a 2019.
Além disso, a fabricante desenvolveu um contêiner pequeno que mantém a vacina por até 30 dias com gelo seco, que precisa ser reposto. Depois desse período, a vacina pode ficar em uma geladeira comum, de dois a oito graus celsius, por até cinco dias. Com isso, os grandes centros urbanos poderiam usar as vacinas da Pfizer. As da AstraZeneca e Coronavac, armazenadas em geladeira comum, seriam enviadas para regiões afastadas.
Outra medida que poderia ter dado agilidade e confiabilidade neste momento seria um pré-cadastro bem feito, que coibiria os fura-filas e evitaria o desperdício, como vem ocorrendo em cidades como Rio de Janeiro, que, por falta de um planejamento diário na convocação do público-alvo, perdeu doses da vacina da AstraZeneca, que vem numa ampola de 10ml e só pode ser aplicada até seis horas após aberta.
As vacinas em geral possuem duas doses, têm tempos de intervalo diferentes e não são intercambiáveis. Ou seja, é preciso ainda ter o cuidado de fazer o registro nominal para garantir que a pessoa, quando retornar ao posto, tome a mesma vacina. Uma medida simples que facilitaria esse controle teria sido o envio de doses de um mesmo fabricante.
Outras estratégias
Domingues é categórica: “Para ter celeridade diante dessa situação pandêmica, precisaríamos vacinar entre 1,5 milhão e 2 milhões por dia.”
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