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Manchetes à época do início dos julgamentos de Fujimori, em 2007 (Foto: Pedro Rivas Ugaz)

Morrer não inocenta Fujimori

Fujimori passará à recordação como uma das figuras mais sinistras do processo social no Peru, e seria situado por Dante Alighieri na sétima fossa do Oitavo Círculo do Inferno
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Se foram no mesmo dia. Em 11 de setembro de 2021, faleceu Abimael Guzmán, e em 11 de setembro de 2024, teve o mesmo destino Alberto Fujimori. E aqueles que acreditam na vida extraterrestre, bem poderiam supor que os dois foram para o mesmo lugar, e com a mesma idade, 86 anos.

Mas, além disso, há que dizer que um 11 de setembro também foi o empoderamento do terrorismo assassino no Chile — em 1973 — e, anos depois, a explosão das Torres Gêmeas de Nova York, que marcou o auge do terrorismo no país mais poderoso da América.

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Costuma-se dizer que na vida há coincidências, mas na política, elas não são casuais. Respondem a uma certa lógica elementar: os signos complementares se atraem entre si, e por isso ocorrem fenômenos como o que hoje nos ocupa.

Na linguagem popular, diz-se que “não há morto mau”. E é que, quando alguém morre, aqueles que sobrevivem o recordam sob uma ótica positiva. Falam de méritos e acertos, evocam as virtudes e relegam os defeitos. Simplesmente não falam deles para “não ferir” os familiares do falecido. Estranho costume que se impôs como uma expressão dos “modos” que temos que cultivar para “ficar bem” ante os demais.

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Mas, na realidade, a morte não muda a essência de ninguém. E Borges dizia: o fato de que um miserável morra não o enobrece. Por isso, não há lugar para a troca de discurso. A perfídia não se apaga com o fim dos dias do falecido.

O que muda, sim, é a conduta de alguns. Inclusive a de instituições e entidades oficiais. Por isso, o Peru é um país estranho: aqui se declara “luto nacional” pela morte de um tirano, lamenta-se até o pranto o desaparecimento de um assassino, deplora-se o fim de um ladrão comprometido em severas ações contra o povo. Em suma, converte-se um delinquente em um ícone inofensivo em nome da paz e da concórdia.

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E para dar carta de cidadania a esse procedimento perverso, recorre-se a mentiras colossais. No caso, afirma-se que Alberto Fujimori “salvou a economia”. E isso é falso. Quem elaborou o Programa Neoliberal nos anos 90 do século passado não foi Fujimori, mas sim Vargas Llosa. Fujimori o enfrentou.

Ocorreu, no entanto, que “el chinito de la yuca” (“o chinês da mandioca”, em tradução livre) passou para aos prédios do neoliberalismo a partir de junho de 1990, quando no aeroporto de Nova York foi pomposamente recebido pelo diretor do Fundo Monetário Internacional, que lhe ofereceu tudo para que deixasse nas mãos de sua entidade o processo de “recuperação econômica” orientado para enfrentar a crise.

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Em outras palavras, o FMI se pôs à sua disposição, em troca de que ele concordasse em vender o país a preço de banana. E assim ocorreu. Por isso, as empresas públicas foram liquidadas, o setor estatal da economia acabou, todos os projetos de investimento foram cancelados e milhões de pessoas foram jogadas na rua sem outra alternativa senão se tornarem taxistas ou vendedores ambulantes. E o preço se paga até hoje. Por isso, 79% da População Economicamente Ativa é informal, e o Produto Interno Bruto caiu espetacularmente nas últimas três décadas.

Não “se salvou” a economia, então. Salvaram-se os privilégios da Classe Dominante e os interesses do Grande Capital, mas empobreceu-se a maioria dos peruanos e envileceu-se a vida nacional. Ninguém pode negar isso.

Terrorismo: outra grande mentira

A outra grande mentira afirma que Fujimori nos “salvou” do Terrorismo. A primeira coisa a se dizer sobre o tema é que se agiganta artificialmente a suposta “ameaça Senderista“. Hoje se afirma sem vergonha alguma que o país estava “tomado” pelo terrorismo. Diz-se que Sendero ocupava 2/3 do território nacional e que Lima estava “bloqueada”. Ambas as asseverações são falsas. Refletem o pavor da classe dominante e o interesse de enganar as novas gerações. Também, a intenção de “embelezar” grupos assassinos justificando seus crimes.

O que imperava aqui era o Terrorismo de Estado. Expressou-se em dezenas de matanças ocorridas no interior do país — como em Pomatambo, Ocros, Cayara, Parcco Alto ou Pativilca —, 15 mil desaparecidos e brutais violações aos Direitos Humanos reconhecidas pelo mundo. E uma corrupção galopante. Quando Guzmán foi capturado, Fujimori pescava na selva. O governo ficou sem o Sendero, então teve que deter as ações terroristas. Disse então que o Terrorismo “havia sido derrotado” e suas ações “haviam desaparecido”.

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Aqueles que se dedicavam a essa tarefa haviam deixado de atuar. As mentiras têm pernas curtas. E isso, hoje a cidadania sabe. Por isso, já não crê na Classe Dominante e não se deixa enganar pela pregação dos meios pagos. Além da propaganda formal, o falecido passará à recordação como uma das figuras mais sinistras do processo social. Seu epitáfio bem poderia indicá-lo. E Dante Alighieri o teria situado na sétima fossa do Oitavo Círculo do Inferno, para não sair de lá.

Porém, cuidado: Fujimori morreu, mas o fujimorismo está vivo e requebrando. Parodiando Fernando Carvalho, ao evocá-lo, não se deve esquecer a verdade. É preciso dizer as coisas como são.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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