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ToggleDurante a quarentena no mês de abril, a Polícia Militar de São Paulo matou 116 pessoas em casos registrados como “morte decorrente de intervenção policial” no Estado. Os números apontam que a cada seis horas uma pessoa tem a vida tirada por um PM paulista.
Para o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “esses números são absolutamente inaceitáveis em qualquer país democrático, e em qualquer nação minimamente decente do mundo”.
A quantidade de mortos pela Polícia Militar comandada pelo coronel Fernando Alencar Medeiros em abril deste ano é a maior para o mês desde o início da divulgação dos dados de letalidade policial mensalmente pelo Governo de São Paulo (em 2001).
Ponte Jornalismo
Dados publicados no Diário Oficial deste sábado (30/05), o número de mortos por policiais militares saltou 43,6%.
Estatísticas da letalidade
Abril de 2020 tem também o segundo maior número de vítimas da PM para um único mês, sendo menor apenas do que maio de 2006 — quando houve o histórico massacre policial após ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Conforme os dados publicados no Diário Oficial deste sábado (30/05), o número de mortos por policiais militares em serviço no Estado saltou 43,6% em relação ao mesmo mês do ano passado, indo de 71 para 102 pessoas mortas em supostas resistências. Já os mortos por PMs de folga subiram de 5 para 14, na comparação do quarto mês deste ano com o de 2019 — aumento de 180%.
Na avaliação de Alcadipani, o esvaziamento das ruas de São Paulo devido à quarentena decretada pelo Governo de São Paulo como medida de combate do novo coronavírus facilitou o deslocamento policial, ficando mais rápidas as ações e, com isso, aumentando a possibilidade de confrontos.
“Também não se pode esquecer que temos neste momento um clima de acirramento político muito forte no Brasil, no qual a posição extremada do presidente também é considerada”, afirma o professor.
Morte de negros no Brasil e nos EUA
No total, a Polícia Militar de São Paulo matou 373 pessoas nos quatro primeiros meses de 2020, sendo que 320 foram mortas após supostos confrontos com policiais militares fardados, e outras 51 morreram após suposta resistência à PMs de folga.
O professor da FGV compara os casos e reações das mortes causadas por policiais brasileiros e estadunidenses. “Neste momento, assistimos uma revolta da comunidade negra, contra a morte em decorrência de intervenção policial nos Estados Unidos e no Brasil constatamos que esses números são muito mais expressivos e que as autoridades parecem não tomar atitudes corretas”.
Nos Estados Unidos, o policial branco Derek Chauvin foi demitido e responderá pelo homicídio do homem negro George Floyd, ocorrido no estado de Minnesota, na última segunda-feira (25/05). Depois disso, o país vive uma série de protestos, principalmente da comunidade negra, contra a violência policial.
“Nos Estados Unidos, o policial rapidamente foi preso. Além dos protestos que, evidentemente, levaram a isso, lá tem um controle externo da atividade policial maior do que temos no Brasil. Hoje, o controle externo da atividade policial aqui no país é muito tênue, não se exerce efetivamente”, afirma Alcadipani.
Ouvidoria
Procurado pela reportagem, o Ouvidor da Polícia de São Paulo, advogado Elizeu Soares Lopes, disse que o papel da Ouvidoria é ajudar a melhorar o trabalho policial no Estado. “Vou analisar os dados com a minha equipe, tentar entender as circunstâncias de cada uma das ocorrências e discutir com o comando da Polícia Militar, a Secretaria de Segurança Pública e a sociedade em geral tudo o que envolve os fatos”.
Elizeu ainda defendeu a atuação policial. Segundo ele, “as forças de segurança atuam dentro da legalidade e qualquer desvio de conduta tem de ser devidamente apurado, visando sempre às demandas e necessidades da população de São Paulo”.
Benedito Mariano, ex-ouvidor da Polícia, procurou a reportagem neste domingo (31/5) e afirmou que a declaração do atual ouvidor mostra uma tentativa de esvaziar a função e a importância do órgão fiscalizador. “Os dados da letalidade em São Paulo em abril são inaceitáveis. Infelizmente a gestão atual da Ouvidoria da Polícia se omite em se posicionar sobre o aumento absurdo da violência policial”, escreveu à Ponte. E frisou o que sempre dizia quando ainda atuava como ouvidor: a importância de concentrar as investigações dessas mortes em supostos confrontos na Corregedoria da PM. “Enquanto isso não for feito, os números vão continuar a crescer”, conclui.
Outro lado
A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e a Polícia Militar sobre os números. No entanto, não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Através de nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo disse que as polícias atuam para “combater a criminalidade e proteger a população, prendendo e levando à Justiça àqueles que estão em desacordo com a lei”.
De acordo com o Governo paulista, o uso de tecnologia e posicionamento em áreas com maior incidência criminal, resulta em que “muitas vezes os policiais chegam aos locais de crime com a ocorrência ainda em andamento e os criminosos armados subjugando as vítimas”.
Assim como explicou Alcadipani, o governo paulista também diz que, devido à pandemia, a circulação dos policiais ficou mais rápida, o que eleva a possibilidade de confrontos. As informações oficiais ainda apontam que, entre janeiro e abril deste ano, 35 mil pessoas foram presas em flagrante no Estado.
“O compromisso dos policiais paulistas é com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas. Todas as ocorrências de MDIP, por determinação da SSP, são investigadas pela Polícia Civil e pela PM, através de IPMs que são acompanhados pela corregedoria, e comunicados ao Ministério Público”, disse a nota.
O governo informou ainda que as polícias contam com a corregedoria, que “não compactua com desvio de conduta de seus agentes”, e diz que, somente no ano passado, 510 policiais foram presos, demitidos ou expulsos das instituições”.
Maria Teresa Cruz, na Ponte Jornalismo.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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