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Economias africanas podem levar gerações para se recuperar, diz presidente de Ruanda

O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola está trabalhando com governos e sociedade para fornecer aos jovens as oportunidades necessárias
Aslihan Arslan
IPS
São Paulo (SP)

Tradução:

Avisos, nos estágios iniciais da pandemia de Covid-19, de que a África poderia ser atingida por uma onda de até dez milhões de casos em seis meses, felizmente agora parecem infundados, embora ainda seja muito cedo para ser muito confiante.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, em 22 de maio, que o vírus parece estar “tomando um caminho diferente” no continente, com uma taxa de mortalidade mais baixa e um aumento mais lento de casos do que em outras regiões. No entanto, três semanas depois, a entidade alertou que a pandemia estava se acelerando na África e observou que foram necessários 98 dias para atingir cem mil casos e apenas 19 dias para passar para 200 mil casos.

Em 23 de junho, a África havia registrado mais de 232 mil casos confirmados e 5.117 mortes, ainda muito menos em comparação com a Europa e as Américas. Os especialistas ainda estão analisando como a África evitou o pior, com a pobreza generalizada, os sistemas de saúde pública frágeis e a infraestrutura fraca em muitos países. Ações preventivas imediatas por parte dos governos e populações predominantemente jovens são citados como fatores importantes.

Embora devamos evitar as armadilhas da complacência e das estatísticas às vezes duvidosas, causadas em parte pela falta de testes, o perigo emergente agora é que as consequências de vida ou morte da queda econômica decorrente da pandemia serão muito mais graves que o próprio vírus. O continente africano está prestes a afundar em sua primeira recessão em 25 anos.

Analistas do Banco Mundial projetam que a África Subsaariana e a Índia sejam as duas regiões mais atingidas globalmente em termos econômicos. As últimas projeções estimam que 26 a 39 milhões de pessoas, muitas delas agricultores de subsistência, serão levadas à extrema pobreza na África Subsaariana este ano.

O presidente Paul Kagame, de Ruanda, que reagiu rapidamente para impor o bloqueio de seu país, alertou que, sem uma intervenção coordenada, algumas economias africanas podem levar “uma geração ou mais” para se recuperar.

As cadeias de valor agrícola foram seriamente afetadas pelos bloqueios, e não apenas as culturas alimentares. A indústria de flores do Quênia, por exemplo, foi atingida pelo fechamento de mercados nos países desenvolvidos. Mais de 70 mil agricultores foram demitidos e é relatado que 50 toneladas de flores tiveram que ser descartadas a cada dia.

No curto prazo, tudo isso equivale à dupla ameaça, causada diretamente ou exacerbada pela pandemia de Covid-19, de redução de renda e grave escassez de alimentos, dado que as famílias compram cerca de 50% de seus alimentos, mesmo na zona rural africana. Além disso, enxames devastadores de gafanhotos do deserto na África Oriental – o pior surto no Quênia em 70 anos –, combinados com um ano de seca e inundações, colocaram milhões de pessoas naquela região em risco de fome e penúria.

O mais imediato dos perigos para a segurança alimentar da África é agravado pelas tendências de longo prazo das taxas de crescimento populacional e urbano mais rápidas do mundo. A população urbana da África está projetada para quase triplicar entre 2018 e 2050.

O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), da Organização das Nações Unidas, está trabalhando com governos e sociedade civil para fornecer aos jovens as habilidades e oportunidades necessárias, e criar empregos no sistema agroalimentar, a fim de salvaguardar a segurança alimentar, aliviar a pobreza e contribuir para a estabilidade social e política. Os desafios são enormes e diversos.

O Fida está, cada vez mais, concentrando seus recursos nos jovens como prioridade, uma vez que a transformação rural bem-sucedida depende de sua inclusão no processo. É uma parceria com o Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA), entidade sem fins lucrativos, um dos principais financiadores de um projeto de três anos na África Subsaariana, que oferece 80 bolsas de estudo para jovens africanos que cursam mestrado ou doutorado com foco em pesquisa na promoção do envolvimento dos jovens na agricultura.

Conhecido como Care (Melhoria da Capacidade de Aplicação de Evidências de Pesquisa), o programa combina orientação com treinamento em metodologia, análise de dados e redação científica, com o objetivo de produzir evidências e recomendações de pesquisa para os formuladores de políticas. Vozes jovens e competentes estão sendo levadas à mesa, aumentando a representação dos jovens nos processos domésticos e políticos.

Os resumos de políticas produzidos até o momento ilustram como pesquisadores, incluindo inúmeras jovens profissionais, estão desafiando narrativas e estereótipos comuns. Sim, a migração para fora das áreas rurais é uma tendência aparentemente imparável, mas muitos jovens ainda estão envolvidos no setor agrícola e no sistema agroalimentar, o que exige investimentos consideráveis.

Destaca-se a seguir alguns exemplos de suas descobertas recentes.

■ Adewale Ogunmodede, da Universidade de Ibadan, na Nigéria, analisa as deficiências do Programa N-Power Agro, com o objetivo de melhorar os meios de subsistência rural e argumenta que a abordagem de cima para baixo está falhando em atrair jovens para a agricultura.

■ A pesquisa de Akinyi Sassi, na Tanzânia, desafia a visão estereotipada de que as mulheres usam menos a tecnologia da informação e comunicação (TIC) que os homens para acessar dados sobre o mercado agrícola. Ela aponta que o custo do uso do telefone e a confiabilidade das informações são fatores críticos.

■ Cynthia Mkong examina a questão de modelos, status social e experiência anterior para determinar porque alguns estudantes têm mais probabilidade de escolher a agricultura como seu curso em duas universidades nos Camarões. Ela diz que suas descobertas indicam que a agricultura aumentará de estatura, tanto como um campo de estudo quanto de ocupação.

■ Grace Chabi analisa porque o envolvimento dos jovens na agricultura continua a diminuir no Benin, apesar das iniciativas do governo. Entre suas recomendações de política, há um chamado para remover os preconceitos de gênero das práticas de propriedade de terras, crédito e emprego.

Com a população mais jovem e de crescimento mais rápido do mundo, as comunidades ainda predominantemente rurais da África continuarão a crescer, mesmo com o aumento da migração e da urbanização. É de suma importância investir em empregos rurais e apoiar milhões de famílias de agricultores de pequena escala, além de melhorar a conectividade (física e digital) nas áreas rurais para alicerçar os sistemas agroalimentares.

O Fida compartilha da visão do IITA de aprimorar a percepção e a mentalidade sobre os sistemas agroalimentares, para que os jovens vejam as oportunidades para empresas interessantes e lucrativas, à medida que os consumidores demandam mais diversidade de produtos alimentícios. O projeto Care, que preenche essas lacunas de conhecimento, já está começando a produzir pesquisas relevantes e completas que as comunidades africanas necessitam para construir segurança e resiliência alimentar contra choques futuros e alcançar a transformação rural, inclusive da juventude rural.

Aslihan Arslan, economista sênior da Divisão de Pesquisa e Avaliação de Impacto do IFAD.

Zoumana Bamba, representante nacional do IITA na República Democrática do Congo.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
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