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Nem republicanos, nem democratas: latinos são os mais impactados pelas eleições nos EUA

Com possível maioria de republicanos na Câmara Baixa, propostas de reforma migratória ou que protejam indocumentados ficarão estagnadas
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Na curiosa eleição intermediária dos Estados Unidos, o concurso agora é entre perdedores, isto é, que o partido e líder triunfador é o que menos perdeu.

Os democratas e seu líder, o presidente Joe Biden, estão festejando porque não sofreram as perdas que eram prognosticadas, embora se siga projetando que os republicanos tomarão o controle da câmara baixa por uma margem muito pequena. Por ora, nenhum dos dois partidos alcançou as 218 cadeiras que se requer para ser maioria. E os democratas ganham por não haver perdido por tanto.

Os republicanos e seu líder até agora, o ex-presidente Donald Trump, talvez ganhem a câmara baixa, mas a onda republicana que esperavam se esfumou. Isso, de imediato, deixou Trump mais vulnerável ante seus desafiadores republicanos para 2024 e debilitou, por ora, o seu controle no partido. 

E o controle do Senado ainda continua por ser determinado, processo que poderia demorar até um mês, o que é um triunfo democrata por não o perder por ora. O equilíbrio estará definido quando for concluída a contagem de três contendas, uma em Nevada, outra no Arizona e, como sucedeu há dois anos, na Geórgia, onde se espera haver um segundo turno programado para 6 de dezembro.

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Talvez os que têm mais a perder depois dessa eleição são os imigrantes e a relação com o México e com a América Latina. O tema da imigração continuará no centro da estratégia político-eleitoral de dois triunfadores republicanos, o governador da Flórida, Ron DeSantis, e o do Texas, Greg Abbott. Eles, junto com Trump e seus cúmplices, têm empregado a retórica anti-imigrante, controle fronteiriço e demonização do México e de líderes progressistas nas Américas com grande êxito para seus fins eleitorais.

Ao mesmo tempo, se os republicanos controlarem a Câmara Baixa, é quase seguro que não prosperará nenhuma tentativa de uma reforma migratória ou outras medidas para proteger, por exemplo, jovens indocumentados.

Alguns analistas concluíram que o maior perdedor desta eleição foi Trump, já que vários dos candidatos mais proeminentes que ele promoveu foram derrotados. Ainda mais, sem a onda republicana, Trump não pode se apresentar como o campeão político de seu partido. E durante as 48 horas pós eleição, já se via o início do pleito entre ele e seus possíveis desafiadores, sobretudo DeSantis. O New York Post, o tabloide direitista propriedade do magnata de meios conservadores, incluindo a poderosa Fox News, Rupert Murdoch, pôs, em sua primeira página do dia depois da eleição, o governador da Flórida na cabeça, brincando com seu nome, “DeFuture” (o futuro). A manchete provocou a ira do ex-presidente, que se referiu ao tabloide, que antes tanto elogiava, como “lixo”.

Apesar do conflito interno entre republicanos e um Partido Democrata encabeçado por um presidente cuja base prefere que não dispute a reeleição, é difícil determinar quem e o que ganhou nesta eleição.

Com possível maioria de republicanos na Câmara Baixa, propostas de reforma migratória ou que protejam indocumentados ficarão estagnadas

Foto: Jonathan McIntosh – Flickr

Foto: Jonathan McIntosh – Flickr




A maior presença latina no Congresso

Com as projeções até agora, especialistas afirmam que haverá o maior número de latinos no Congresso Federal na história do país. Atualmente, a câmara baixa tem 40 legisladores latinos, mas esse número se incrementará a pelo menos 42, reporta o portal Axios.

No entanto, mais latinos não necessariamente implica em um giro progressista. De fato, o novo Congresso incluirá uma novata latina, Anna Paulina Luna, na Flórida, que é fiel a Trump e se somará a outros latinos conservadores, enquanto que o governador DeSantis ganhou sua reeleição em parte graças a um amplo apoio do eleitorado latino, incluindo em zonas latinas nas quais nenhum republicano ganha há uma geração.

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No sul do Texas, se comentou muito sobre um marcado giro conservador entre eleitores latinos de herança mexicana em apoio a republicanos. Porém, democratas ganharam duas das três cadeiras disputadas nessa zona fronteiriça. “A onda republicana não aconteceu”, lamentou Mayra Flores, candidata republicana fiel a Trump que ganhou uma eleição especial há alguns meses, só para perdê-la na terça-feira (8).

Vale repetir que o eleitorado latino não é uma força homogênea nem monolítica. Por exemplo, uma pesquisa de Telemundo/LX News registrou que mais de 50% dos latinos na Flórida apoiam a decisão controvertida de DeSantis de enviar de avião, da Flórida a Martha’s Vineyard, em Massachusetts, imigrantes venezuelanos que buscavam asilo, transladando assim o problema a um bastião democrata liberal. Já uma pesquisa da Universidade Internacional da Flórida registrou que 57% dos cubano-estadunidenses apoiam manter o bloqueio sobre Cuba, um crescimento de 12 pontos desde 2008. 

Talvez uma possível consequência disto é que se os democratas não podem ganhar na Flórida, talvez poderiam deixar de atrair o voto dos cubano-estadunidenses e outros sobre o tema da política para Cuba. “Os resultados na Flórida das eleições intermediárias esta semana concebivelmente poderiam liberar o governo de Biden para fazer o que fez Barack Obama, começando a normalização da relação bilateral ou, pelo menos, promoção de uma política para Cuba diferente da de Trump e republicanos”, argumentou Fulton Armstrong, do Centro para Estudos Latino-americanos e Latinos, da American University, e ex-Oficial Nacional de Inteligência dos Estados Unidos para América Latina.


Quem ganhou? O que mudou? 

Robert Reich, um destacado comentarista democrata e antigo Secretário do Trabalho, salientou que o conflito básico entre os dois partidos nesta eleição foi a batalha entre as forças pró-democráticas e “neo-fascistas”. Disse que o que caracteriza um partido neo-fascista é “a sua maldade e a sua relutância em respeitar os resultados eleitorais”. Em outras palavras, Trumpismo”. Essa “corrente autoritária alimenta-se de raiva e medo, alimenta o ódio e a paranóia que levam os americanos a perder a confiança no sistema eleitoral e nos seus concidadãos, e pode alimentar a violência”. E conclui: a eleição “não foi tão má quanto poderia ter sido, mas ainda assim muito preocupante. Ainda estamos no precipício”.

David Brooks | Correspondente do La Jornada em Nova YorK, com a colaboração de Jim Cason, em Chapel Hill.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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