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O exemplo vivo do jornalista Pedro Lobaina

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Jorge Luna*

Visitei Pedro Lobaina quando estive em La Habana em fevereiro de 2015. Ele já estava bastante debilitado pelo tratamento de um câncer que insistia em invadir seus pulmões. Mesmo assim, combinamos que ele começaria a escrever para Diálogos do Sul. Apesar da maldita doença ele mantinha o entusiasmo de sempre, sonhando com novos projetos e com um mundo melhor. Não conseguiu. Nossa homenagem ao grande jornalista revolucionário e melhor amigo: Paulo Cannabrava Filho Visitei Pedro Lobaina quando estive em La Habana em fevereiro de 2015. Ele já estava bastante debilitado pelo tratamento de um câncer que insistia em invadir seus pulmões. Mesmo assim, combinamos que ele começaria a escrever para Diálogos do Sul. Apesar da maldita doença ele mantinha o entusiasmo de sempre, sonhando com novos projetos e com um mundo melhor. Não conseguiu. Nossa homenagem ao grande jornalista revolucionário e melhor amigo: Paulo Cannabrava Filho

O jornalista cubano Pedro Lobaina, falecido recentemente em La Habana, na realidade podia ter sido morto no Chile em 1973, na Nicarágua em 1979, ou em qualquer das missões que realizou de maneira destacada como correspondente da agência de notícias Prensa Latina.

Coube a ele locais de risco e acontecimentos como o processo político chileno que culminou com o golpe de estado de Augusto Pinochet e a guerra de libertação da Nicarágua, coroada com o triunfo sandinista. Também foi correspondente no Panamá durante os difíceis primeiros anos do regime encabeçado pelo general Omar Torrijos.

Contudo, lembro dele encurralado por soldados golpistas no Chile, que invadiram a sede da agencia e que, entre outros abusos, seguraram ele no terraço como um “escudo humano”, junto com o colega Mario Mainadé, para deter um ataque de membros da resistência entrincheirados num edifício em frente do nosso.

Esteve assim durante vários minutos, sereno, apesar do alto risco de vida, até que cessou o tiroteio. Nuca crônica publicada no ano passado, o próprio Lobaina declarou: “Nunca esquecerei como fizeram comigo e Mainadé, parados num terraço em meio a um tiroteio, nem como todos fomos colocados contra a parede com os fuzis apontados a nossas cabeças”.

Ele se referia aos jornalistas que estávamos na sede de Prensa Latina em Santiago de Chile: além de Lobaina e Mainadé, o chefe da sucursal, Jorge Timos, Omar Sepúlveda, Orlando Contreras e eu, ameaçados por uma vintena de soldados que já tinham incendiado a vizinha sede da revista Punto Final e que acabavam de assaltar o palácio presidencial de La Moneda.

Isso ocorreu era meio-dia, porém, lembro que as 6;30 desse 11 de setembro, enterado da sublevação  da Armada chilena no porto de Valparaíso -sinal do início do levante militar- ele chegou ao meu alojamento e me despertou com a curta frase: “Houve golpe, vamos”.

Em uma crônica que publicou 30 anos depois, Lobaina recordou: “a viagem em nosso Fiat 600 até a sede da agência foi feita com muito trabalho, observando já colunas de caminhões militares que se dirigiam ao La Moneda. Um cerco da polícia de Carabineiros nos parou na altura da Biblioteca Nacional, e dai seguimos a pé, uns vinte quarteirões mais, agora ruas semi-desertas, e conseguimos chega à sede um pouco depois das 9 da manhã”.

Depois de constatar que o serviço de teletipo e de telex internacional tinham sido cortados pelos militares utilizamos o telefone para transmitir notícias à nossa sucursal de Buenos Aires, Argentina, que por sua vez retransmitia para a central da agência em La Habana.

Também me lembro da serenidade de Lobaina em momentos de muita incerteza e tensão, qu os golpistas pretendiam atenuar alternando marchas e comunicados castrenses com desenhos animados pela cadeia nacional de televisão. Os “bandos militares” incitavam os chilenos a cessar qualquer resistência  e aos estrangeiros a se apresentar ante as “novas autoridades”.

Em determinado momento, Timossi, que estava em contato telefônico com La Moneda, chamou Lobaina a seu escritório e eu, curioso, também ingressei. Disse-nos que o presidente Salvador Allende estava morto, algo que ninguém queria acreditar, que o golpe se consolidava. Ao mesmo tempo nos ordenou  que pedíssemos a alguns amigos e jornalistas chilenos que tinham se apresentado solidariamente à sede da agência, que se retirassem, por nossa sede estava em perigo, como efetivamente ocorreu pouco depois a invasão.

Depois, textualmente disse que tínhamos instruções de não abandonar a sede nem tampouco resistir a uma eventual invasão, orientação complexa, difícil de assimilar, aparentemente contraditória, porém, permitiu que sobrevivêssemos  e pudéssemos depois contar esta história.

Como segundo responsável pela redação, Lobaina era o mais reflexivo de nosso coletivo. Preferia meditar antes de tirar conclusões rápidas sobre a marcha diária dos acontecimentos. Muitas vezes guardou longo silêncio diante de rumores e versões alarmistas para em seguida nos fazer analisar com serenidade e chegar a conformar cenários mais realistas dentro da fluida e atropelada situação chilena.

Quando dois dias depois da invasão chegamos a la Habana, junto com o pessoal da Embaixada de Cuba, igualmente invadida pelos golpistas, Lobaina foi entrevistado pelo jornalista Eduardo Luís Martín, do matutino provincial Vanguarda.
Nessa ocasião, manifestou opinião de que o golpe chileno “tinha características jamais conhecidas antes, nem nos mais violentos golpes de estado havidos até aquela data na América Latina”, e o comparou com o massacre de milhares de pessoas por gangues reacionárias no golpe de Estado contra o presidente Sukarno, na Indonésia, em meados dos anos 1960.

Denunciou também que o governo popular de Allende “foi vítima de uma sistemática desestabilização mediática, financeira, política e de grupos subversivos desde há mais de dois anos antes do golpe”. Seu relato pessoal dos fatos descrevem o assedio dos membros do grupo fascista “Pátria y Libertad”, com correntes, bolinhas de aço e bombas incendiárias contra transeúntes de determinados bairros ca capital chilena: “meus filhos, então cursando o primeiro, ficaram presos junto comigo no automóvel e foram testemunhas daquelas tropelias e não se esquecem jamais de que muitas vezes me perguntavam o que é o fascismo e naquele dia eu disse que aquilo que estavam vendo era o fascismo em ação.

De trajetória intensa como quadro politico e jornalístico, também viveu de perto o triunfo da Revolução Sandinista na Nicarágua, onde estabeleceu a primeira sucursal de Prensa Latina naquele país.
Também conheceu em profundidade e divulgou o posterior processo de recuperação democrática em vários países latino-americanos e seus esforços pela unidade e integração. E soube afetar sobre os riscos que ameaçam a região e, em artigo publicado no ano passado, denunciou com sólidos argumentos como Estados Unidos emprega contra Venezuela e outros países métodos de desestabilização semelhantes aos que aplicou contra o governo popular de Allende.

Durante os anos em que Lobaina trabalhou na região cultivou amizade com numerosos latino-americanos que agora sentem sua ausência junto com sua obra escrita, seu exemplo de compromisso e lealdade.

*Prensa Latina, de La Habana especial para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
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