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O que marxismo nos ensina sobre nacionalismo e internacionalismo para a causa operária

Para grandes clássicos do século XIX, houve um repúdio ao nacionalismo como antagônico ao interesse comum da classe internacional
Salvador López Arnal
Espai-Marx
Barcelona

Tradução:

José Luis Martín Ramos é catedrático emérito de História Contemporânea da Universidade Autônoma de Barcelona. Suas pesquisas concentraram-se na história do socialismo e do comunismo.

Entre suas últimas publicações: Territori capital. A guerra civil contra a Catalunha, 1937-1939 (2015), A Frente Popular: vitória e derrota da democracia na Espanha (2016), Guerra e revolução na Catalunha, 1936-1939 (2018), História do PCE (2021).

Focamos nossa conversa em seu último livro, publicado por El Viejo Topo: A Internacional Comunista e a questão nacional na Europa (1919-1939).

Para grandes clássicos do século XIX, houve um repúdio ao nacionalismo como antagônico ao interesse comum da classe internacional

Max Gerlach – Flickr

A questão nacional deve ser considerada de maneira integral, pondo-se o foco tanto nas minorias como nas maiorias nacionais




Confira a integra

Salvador Arnal | Estudo deslumbrante, 361 páginas cheias de boa história, rica documentação e excelentes análises. Temo ser obrigado a deixar muitas perguntas e temas no tinteiro. O que devemos entender por questão nacional?
José Luis Martín Ramos | Em meados do século XIX esta questão se referia tanto à unificação alemã e italiana como à diversidade nacional do Império Austríaco e o do Czar. Resolvidas aquelas unificações, reorganizado o império dos Habsburgo como Império Austro-Húngaro –que mantinha aberta a questão da diversidade nacional ao satisfazer apenas os húngaros–, a questão se deslocou de maneira exclusiva para o problema das minorias na Europa oriental e balcânica. Foi uma consideração parcial da questão que durante décadas obscureceu o das identidades nacionais majoritárias, sobre a qual não se projetou nenhum foco social, indispensável para que não ficasse alienada pelo nacionalismo.

A questão nacional deve ser considerada de maneira integral, pondo-se o foco tanto nas minorias como nas maiorias nacionais, sem deixar de considerar nunca que todas se construíram e continuam se construindo historicamente.

Além do que traz para nosso conhecimento histórico, que interesse têm para nós, hoje, os debates sobre o tema gerados pela III Internacional entre 1919 e 1939?
Continuar acumulando de maneira crítica a tradição da esquerda, sem a qual a própria esquerda corre o risco de cair no adanismo. E evitar que a ignorância, além de potencializar o adanismo, nos faça cair nos mesmos erros do passado; esquecendo ou ignorando as contribuições e soluções corretas que estiveram presentes nos debates.

Por que a limitação à Europa? Não há “questão nacional”, não há reflexões de interesse sobre o tema, em outras partes do mundo?
Obviamente, sim. Há questão em todas as partes do mundo, articulada já na base de estados formalmente independentes. Mas ir além da Europa teria me desviado do motivo de meu estudo que era analisar como, no movimento comunista, no tempo concreto da Internacional Comunista, se deformara a posição de Lênin e se descuidara da consideração integral da questão entre a segunda metade dos anos vinte e a primeira dos trinta do século XX; algo que Dimitrov reconheceu implicitamente quando propôs no VI Congresso da IC fazer autocrítica do nihilismo nacional. A complexidade que adquire a questão nos estados surgidos das descolonizações, as do século XIX na América Latina e as do século XX na África, Ásia e Oceania necessita de um estudo específico que vincule descolonização, nacionalismos e definição nacional dos estados independentes. As descolonizações, com frequência, não resolveram os problemas de identidade interna, ao contrário, os enredaram. Também precisa de um tratamento específico o dos estados que se constituíram populacionalmente pela imigração massiva, como EUA e Argentina, e que em cima desta imigração reconstruíram – não sem conflito, claro – a identidade original, anglosaxã ou espanhola crioula nas novas identidades estadunidense e argentina. Para tirar as conclusões fundamentais sobre a política da IC sobre a questão nacional, no tempo em que esta existiu, achei suficiente circunscrevê-la a seu tempo e ao espaço europeu, e considerar nela os casos em que se realiza um debate aberto com transcendência na política comunista. Por isso tampouco aparecem outros casos de questão nacional, como o irlandês –que só menciono no final– o belga, ou outros. E colado ao tempo da IC, tampouco entrei no desenvolvimento da questão a partir de 1943, na segunda metade do século XX, tempo em que a questão continua ativa e tem, para não cair em experiências locais, desenvolvimentos tão importantes como o caso de Trieste (quem é o sujeito de autodeterminação?, quando é pertinente a autodeterminação em territórios de populações mistas?) ou o da Iugoslávia (como foi destruído não só um estado, mas uma identidade nacional iugoslava).

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Você começa com advertências metodológicas. A primera: a história da questão nacional no marxismo (especificamente na socialdemocracia e no movimento comunista) “não pode ser feita como o desenvolver de uma doutrina, que se desenvolve de maneira imanente, partindo de uma proposta inicial que de ideia em ideia culmina em uma determinada formulação”. A história da questão nacional é “a história da resposta dada pelos defensores de um projeto emancipador fundamentado na igualdade social, nas situações históricas concretas que viveram, incluindo suas próprias condições.” Uma história “não unilinear, e sim tão plural como o é na prática o pensamento e a ação de Marx”. Não há então, propriamente falando, uma teoria, uma “doutrina” do marxismo sobre o tema?
O que denominamos marxismo –buscaram-se outros nomes, mas nenhum o substituiu de maneira universal– é um pensamento e uma prática política muito plural, em que há um princípio e um corpo nuclear compartilhado e no qual poucas coisas foram estabelecidas como doutrina única.

Não houve tal unanimidade no âmbito da análise econômica, nem no das formas de organização da praxis política. Tampouco na resposta dada aos conflitos da identidade nacional.

Outra advertência: “é preciso ter presente o caráter também histórico do que chamamos o fato nacional, cujo conteúdo se constrói e muda como a própria comunidade em que se produz”. Você está indicando que o conceito “fato nacional” (ou “nação” ou “nacionalidade”) varia com a história, que não se pode falar propriamente de nações milenares, por exemplo?
Há culturas milenares, línguas mais ou menos milenares, religiões milenares… Mas penso que nenhuma delas em si mesmas ou combinadas entre si produzem o fato nacional. Não há tampouco um desenvolvimento imanente da nação, a partir de um embrião imaginário, que se desenvolve por si mesmo, contra vento e maré. Que uma comunidade assuma de maneira explícita, para si, uma identidade nacional é resultado de um processo histórico em que o fator político, a organização do poder, é determinante. Quando falamos de processo histórico, falamos de construção histórica, de todas as relações humanas e também desta relação social que é a nação, e acrescento: as características concretas desta nação, da mesma maneira que não são eternas nem imanentes, tampouco são permanentes. Não que «evoluam», mas sim que estão sempre em construção, respondendo a tudo o que acontece a esta comunidade nacional.

Tal como penso, não conheço nenhuma nação milenar. No máximo, a identificação com um espaço territorial, com uma “terra”, mas as dimensões geográficas desse espaço são muito variáveis e o conteúdo humano dele varia no tempo.

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Você afirma que em seu trabalho destacará as posições que assumiram Marx, Engels, Kautsky, Bauer, Stálin, as propostas políticas de Lênin e dos bolcheviques. Estas foram, em sua opinião, as contribuições mais importantes na tradição marxista? E Gramsci ou Rosa Luxemburgo, por exemplo? Há contribuições mais recentes que lhe pareçam de interesse?
Essas contribuições referem-se ao conteúdo do livro, à história da política da IC, que inclui seu antecedente da socialdemocracia. Desde logo, houve e continuaram havendo contribuições. Lembro as dos marxistas britânicos, muitas das quais de todas maneiras compartilham os eixos principais dos nomes que você menciona. Rosa Luxemburgo está incluída na primeira parte do livro, ainda que eu a trate da perspectiva crítica de Lênin; pode ser discutível, mas é minha posição.

A questão de Gramsci é diferente, porque suas contribuições originais mais importantes só foram conhecidas depois de sua morte, quando foram publicados seus Cadernos do cárcere. Antes de ser preso, Gramsci não deu contribuições públicas notáveis. Talvez pudéssemos considerar alguma reflexão concreta sobre a questão sarda e é significativo que na questão das minorias eslavas ou alemãs do Norte da Itália, se referisse aos acordos políticos da IC e nada mais. Podemos rastrear inícios de seus pensamentos do cárcere ou da importância que dava de fato à questão nacional, relativa à identidade nacional italiana; mas, repito, isso não foi ainda ensinamento, nem teve transcendência na IC.

Você comenta que os movimentos nacionalistas, vertebrados ou muito influenciados pela igreja católica e as condenações de Pio IX, adotaram uma posição beligerante contra as «ideias modernas», a socialdemocracia e o anarquismo, e contra a própria democracia. Foi o caso do nacionalismo bretão e do catalão de final do século XIX, «representado pelo repúdio de La Veu de Catalunya ao sufrágio universal –a “mentira universal” dissera Pio IX– e a adoção de um sistema eleitoral corporativo e limitado às Bases de Manresa». Estas posições antidemocráticas e contrárias às, digamos, ideias modernas, tiveram seu percurso histórico, ou foram flor de semanas ou meses?
Tiveram percurso. No setor majoritário do nacionalismo catalão, a Liga, perduraram até 14 de abril de 1931, quando foi deslocado de sua posição pela Esquerra Republicana de Cataluña. O nacionalismo bretão continuou sendo majoritariamente católico e contrário à república democrática, pelo menos até a derrota do fascismo em 1945.

Ao falar de Marx você diz: “não elaborou nenhuma teoria geral nem desenvolveu uma resposta política também geral que pudesse ser considerada precedente imutável de uma doutrina única do marxismo, que tampouco existe”. No entanto, por que tantos marxistas tantas vezes disseram o contrário?
Por isso mesmo que eu disse, porque o que chamamos «marxismo» é amplamente diverso e nessa diversidade há quem tenha pretendido que só há um pensamento de Marx, imanente e doutrinário, que não muda nem duvida ao longo de sua vida. E quando estendemos isso para outros exponentes importantes chegamos então à aberração do marxismo-leninismo e já não digamos do marxismo-leninismo-estalinismo-maoísmo-pensamento de Enver Hoxha.

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Quais foram em sua opinião as contribuições mais destacadas de Marx neste âmbito? O que você destacaria de sua perspectiva?
No âmbito da questão nacional destacaria quatro: o reconhecimento e o repúdio da opressão das minorias nacionais, sejam irlandesas ou húngaras; o repúdio do nacionalismo como alternativa à opressão nacional; a defesa, acima dos movimentos nacionais, da unidade de classe básica e da maior unidade de estado possível; e a consideração de complementariedade e não exclusão entre identidade nacional e internacionalismo, algo que está presente nas Críticas ao Programa de Gotha.

Por que lemos tão mal a passagem do Manifesto, um sarcasmo na sua opinião, onde se afirma que os trabalhadores não têm pátria? Temos ou não temos? Temos ou não temos identidade nacional?
A identidade nacional não é nenhuma ánima alojada em alguma parte de nosso corpo nem em sua suposta quarta dimensão, nem uma soma de características físicas, nem um carnê… É uma identidade comum que se assume individualmente e que é tão variada como a realidade histórica de cada comunidade, que todas as tentativas de defini-la fracassaram ou criaram artefatos intelectuais que impedem conhecer a nação real. Há quem não queira assumir nenhuma, mas isso tem pouco percurso. A história é o que é. E a história deu lugar à construção dessa identidade, que se mostrou sólida no tempo histórico presente. Bauer afirmou que uma vez substituído o capitalismo por um sistema internacional de igualdade –o socialismo– as nações não desapareceriam. O operário alemão sente-se alemão, o francés, francês, etc. Identifica-se com sua pátria, com a comunidade a que pertenceram seus pais. Esta identidade é manipulável pelo nacionalismo, como outras identidades. A operária é também manipulável pelo corporativismo ou pelo populismo fascista. Mas que seja manipulável não quer dizer que não seja legítima e é real, se não fosse não caberia a manipulação. Quando Marx escreveu esta frase, referia-se ao mesmo a que anos mais tarde referiu-se Bauer: não é que não tenham pátria/nação e sim que é alienada dos trabalhadores pela burguesia que lhes impõe seu particular conceito de nação.

Pelo mesmo caminho, como entenderam os grandes clássicos do século XIX o internacionalismo? Ser internacionalista é ser anti-nacionalista ou não nacionalista?
Houve uma consideração comum, a da solidariedade internacional de todas as classes trabalhadoras e o repúdio ao nacionalismo como antagônico ao interesse comum da classe internacional, o proletariado. A partir daí havia diferenças. O programa do congresso de Gotha de 1875, em que foi fundado o Partido Socialdemocrata Alemão, considerou-o em termos de “esforço comum” e do objetivo da “fraternidade internacional dos povos”; Marx criticou esta fórmula não porque fosse contra essa fraternidade, e sim porque era “curta”, não concebia as “funções internacionais da classe operária alemã”, isto é, não levava em conta o internacionalismo como pensamento e prática política ativa. Na Segunda Internacional manteve-se essa diferença entre um internacionalismo passivo –retórico– e um internacionalismo ativo, do qual Rosa Luxemburgo, Pannekoek, Lênin e Martov foram os principais expoentes. Em seu pensamento e em sua ação, internacionalismo e nacionalismo eram antitéticos. Não ser nacionalista, mas ser antinacionalista tinha que resolver-se de maneira concreta. Sob o domínio do imperialismo, o nacionalismo podia ter um papel positivo, até revolucionário; mas não universalmente, nem sempre. Lênin aceitou neste sentido a retificação de Roy no Segundo Congresso da IC de falar em termos de nacionalismo revolucionário, não só de nacionalismo, como potencial aliado dos comunistas.

Descansemos um pouco, se você concorda.
Concordo.

Salvador López Arnal | Espai.Marx
Tradução de Ana Corbisier


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