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Ciberguerra: batalha já começou e precisamos nos preparar

Os fatos demonstram que estamos de novo diante de uma corrida armamentista, agora por meio da cibertecnologia
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Atualizado em 18/02/2022 às 15:20

“São muitos os autores que conformam um quase consenso de que a crise atual, mais que uma crise sistêmica, é uma crise civilizatória. Chega-se a essa conclusão pelo somatório das interpretações da conjuntura global. A crise é sistêmica e cíclica porque se esgotaram os paradigmas. A crise é moral porque se perdeu o sentido ético nas relações humanas. É assim que eu a entendo, o que nos conduz ao grande desafio deste século: recuperar a humanidade dos habitantes deste planeta”. Paulo Cannabrava Filho

Não há justificativa, no marco da ética, para as guerras de agressão, guerras para satisfazer a voracidade consumista e assegurar maior lucro na implacável sede desse cassino global em que se transformou o manejo das finanças, concentradas, a cada dia, em um número mais reduzido de famílias. Também não há justificativa para um enfoque neutro ou imparcial na cobertura das guerras, o que em realidade é um implícito disfarce a sua plena aceitação. A dignidade humana já não importa. O que importa é o lucro, é o vencer por vencer e a qualquer custo.

Basta ver como os meios de comunicação estadunidenses transformaram a cobertura das guerras em espetáculo pirotécnico de grande atração para um espectador hipnotizado pela incrível massa de informação e de propaganda consumista. Lembro de ter escutado em uma palestra de um correspondente de guerra da Reuters, creio que lá pelo ano 2009, uma clara advertência: “Cuidado! Existe muita propaganda na guerra”. Ele chegou a essa conclusão ao constatar o número de correspondentes estrangeiros no pequeno estado de Israel; o espaço desproporcional que os meios dedicam a esse estado agressor em relação aos estados agredidos. A utilização cientificamente estudada de cada palavra na construção de toda informação que envolva Israel.

Pareceria ingenuidade, posto que sabemos desde Mussolini, passando por Goebles e os “son of a Bush”, depois de Clausevitch, que a guerra é a extensão da propaganda por outros meios. Quando as estratégias e tácticas psicossociais falham, invadem. Invadem primeiro militarmente e, antes que a fumaça se disperse, entra o “exército” econômico.

No Panamá, por exemplo, essa segunda tropa de ocupação foi coordenada pelo General Gordon Sumner, e resultou na apropriação de bens e empresas em dificuldades por causa da guerra. O general Sumner desde a 2ª Guerra Mundial esteve envolvido em guerras e operações encobertas. Apropriaram-se dos cassinos, da aviação comercial – Copa – de hotéis, bancos, indústria da construção, etc.

Essa mesma receita foi executada no Iraque e a estão executando na Líbia. Há que recordar que assim que os “rebeldes”– leiam-se mercenários – ocuparam a cidade portuária e petroleira de Sirte, os “assessores” econômicos já tinham em funcionamento um banco central associado aos bancos europeus. Desde a II Guerra Mundial, na ciência da informação e da comunicação, foram concentradas as maiores quantidades de investimentos, até que se chegou à era da convergência tecnológica e à infraestrutura global de comunicação que está sendo comandada e articulada a partir dos EUA.

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É interessante notar que a Europa ficou à zaga nesse processo e já faz um bom tempo que está tentando recuperar o espaço perdido afundando-se em privatizações. No auge do liberalismo, a era bush-thatcher, os investidores privados ultrapassaram, em avanços tecnológicos, muitos Estados. O melhor exemplo é a da computação em nuvem anunciada por Steve Jobs pouco antes de morrer. Obama criou uma comissão de alto nível para que essa tecnologia seja adotada pelo Pentágono.

Cabe perguntar: haverá limites na apropriação do estado pelos interesses do capital? Mas não há dúvida de que a parafernália de vendas on line criada por Jobs abre caminhos para um estrito controle de cada cidadão neste planeta. A estratégia é ampliar a conectividade, massificá-la, para ampliar seus negócios. Ao assumir recentemente o comando da cibersegurança nos EUA, o general Keith Alexander, também da Agência Nacional de Segurança, afirmou que sua agência está testando a computação em nuvem, que ele entende ser a mais segura.

Cuba e China cooperam no desenvolvimento de inteligência artificial e tecnologia de ponta

O “son of a Bush” tinha Richard Clark para coordenar sua ciberguerra. Contratado por Obama, ele declarou recentemente, em entrevista à Globo News, que nas próximas guerras, além dos ataques tradicionais serão utilizados os ataques cibernéticos. Clark era o responsável do contraterrorismo na Casa Branca. Nessa entrevista, não soube explicar como não se evitou o ataque às torres, uma vez que mais de 60 agentes da CIA e de outras agências sabiam da presença em território estadunidense de militantes da Al Qaeda. Revelou que a China já conseguiu, em março de 2011, desviar o tráfego de correio eletrônico dos EUA. Fiel à paranoia que grassa em seu país, alertou que a China e a Rússia já teriam colocado bombas lógicas capazes de destruir a infraestrutura do país.

Do outro lado do mundo, o jornal das forças armadas da China disse claramente que é necessário reforçar o poderio cibernético para se proteger dos Estados Unidos, formar um forte exército cibernético. No Reino Unido, o chefe das FFAA, general David Richard, em reunião com outros dirigentes de países membros da OTAN, concluíram que é necessário priorizar a compreensão e o arsenal para uma guerra cibernética. Em seguida, Obama ordenou que fosse preparada a Estratégia Internacional Estadunidense para o Ciberespaço. Em prefacio às 25 paginas do documento, Obama diz que é necessário garantir a liberdade em um espaço seguro e confiável, fomentar a inovação e os negócios e a defesa do direito de autor.

Em março, a edição de número 81 do Granma publicou extensa matéria sobre essa armação ciberguerreira montada por Obama. Em setembro, na Rússia, o responsável pela segurança no ministério de relações exteriores, Ilia Ragachyon, disse não ter dúvidas de que o “stuynet”, a invasão dos computadores dos centros de energia nuclear do Irã, foi obra dos EUA e de Israel. No final de outubro de 2011, Londres patrocinou uma reunião com os maiores especialistas em ciberweb de 60 países.

Estaríamos ante o prenúncio de uma OTAN-ciber? Na realidade, os fatos demonstram que estamos de novo diante de uma corrida armamentista, agora por meio da cibertecnologia. Há que ter presente que isso ocorre em um contexto em que os estados imperiais estão terceirizando a guerra, isto é, contratando empresas e mercenários para fazer o trabalho sujo em terra, ou os investimentos em tecnologia de ponta, como é o caso de Jobs. Enquanto a ele serve aos propósitos de ganhar dinheiro, ao estado serve aos objetivos de dominação.

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Outro exemplo está na dimensão e poder adquirido pelo grupo Bertersman. Essa mega corporação que nasceu como provedora de conteúdo para Hitler, depois que adquiriu a Randon House, é hoje seguramente, o maior grupo de mídia e editorial do planeta. O que caracteriza essas megacorporações é o controle que exercem sobre uma ampla gama de setores estratégicos, vitais diria eu, como alimentos, infraestrutura de comunicação, indústria de armamento, setores de educação, comunicação e bancos.

A mesma coisa acontece na França, onde grupos como Dasso e Lagardier têm suas cabeças na indústria bélica e os tentáculos nos meios de informação e comunicação, e na educação. E sabemos que não há grandes negócios, sejam lícitos ou ilícitos, sem a participação dos bancos. Estes fatos nos levam à constatação de que as TIC são também corresponsáveis pela ditadura do capital financeiro que se estende por grande parte da humanidade, e pelas décadas de desenvolvimento perdidas.

Os fatos demonstram que estamos de novo diante de uma corrida armamentista, agora por meio da cibertecnologia

Elchinator / Pixabay
Nossos ciberguerrilheiros devem ser formados desde a escola fundamental, não há meio termo; os rangers de ontem são os cibersoldados de hoje

No grande cassino virtual, as moedas se volatilizaram. Diz a Carta dos Direitos Humanos que informação é um desses direitos. Com a apropriação dos meios pelo grande capital, a mídia deixa de ser um serviço público que atende a um dos consagrados direitos humanos, para ser uma máquina de produzir mais lucro. Em outras palavras, a informação deixa de ser serviço e hoje é commodities.

Noam Chomsky, um dos poucos intelectuais do norte que não tem a língua presa – talvez o único – diz que o comportamento dos meios em seu país constitui uma grande fraude moral e intelectual, por haver contribuído para derrubar os valores que os cidadãos estadunidenses acreditavam que fossem nacionais, éticos e exemplares. Em nosso Sul, essa grande fraude esconde o maior flagelo dos últimos cinco séculos que é a servidão intelectual. Isso fez escola e é responsável pelo atraso civilizacional, o maior obstáculo ao desenvolvimento.

A ciberguerra – ou guerra cibernética ou virtual – há muito tempo deflagrada, pode também ser qualificada como guerra semiótica, isto é, a utilização da linguagem (texto) para manipular, persuadir. Chomsky de novo nos ajuda a entender esse momento de guerra ao definir os dez pontos da Estratégia de Manipulação. Resumindo: todos levam à distração, ao diversionismo. Durante décadas, sob o manto, ou se preferirem, disfarce da Guerra Fria, os EUA desataram, na verdade, uma guerra cultural, travada principalmente na Europa, mas também aqui na nossa América. Uma guerra cuja arma mais letal, a bomba semiológica, tratou de convencer os europeus e também a nós, que os EUA salvaram a humanidade do cataclismo, e de que todos os habitantes deste planeta deveriam desejar o modus vivendi estadunidense.

Um país destituído de historia cultural (intelectual) se transforma em paradigma cultural. Entendi bem o significado dessa guerra cultural quando ouvi de um diplomata estadunidense que o maior feito da política exterior de seu país havia sido conquistar um país como o Brasil sem disparar um só tiro.

Ontem, estive conversando com jornalistas da velha guarda cubana, ou melhor, latino-americana, pois aí estávamos um brasileiro, um peruano e creio que três cubanos, todos com longa trajetória internacionalista. Bem, chegamos à conclusão de que contra a guerra cibernética, a ciberguerra global, devemos antepor a guerrilha cibernética, a ciberguerrilha local. É isso.

Se de fato disso se trata, a prioridade é a formação em massa de ciberguerrilheiros. É preciso concentrar um grande esforço na formação de hackers – e não sei como dizer isso em vernáculo. Mas o que sei é que muitos desses hackers são regiamente pagos para testar a fragilidade dos sistemas imperiais. Como será a próxima guerra? Uma pergunta que é feita tanto lá como cá. No entanto, essa nova guerra já está em curso e já faz algum tempo.

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Devemos lutar pequenas batalhas em campos escolhidos, e devemos ser melhores que eles. Isso é o que diria o Che si estivesse vivo. Buscando respostas, a China atual deu grandes lances e parece haver entendido muito bem esse conceito de guerra cibernética. Quem não se lembra da IBM, pioneira em minicomputadores e computadores de grande porte. Hoje a IBM se chama Lenovo e é da China.

Há pouco tempo, jovens que colaboram comigo me convenceram a abandonar os sistemas criados por Gates, cansados dos travamentos, e migrar para as maravilhas criadas por Steve Jobs. Qual não foi nossa surpresa ao ver que tudo isso também é chinês! Tampouco lhes passou despercebido o que foi a utilização da mídia para fazer com que as pessoas se sublevassem contra a ineficiência.

Obama, ao justificar a criação do alto mando para a ciberguerra, alertou que a China teria invadido seus sistemas de distribuição de água e energia elétrica. Não faz muito tempo, hackers invadiram os sistemas da Polícia de Nova York, outros fizeram a mesma coisa nos sistemas da Sony e até os arquivos digitais da CIA já foram examinados por esses ciberguerrilheiros a serviço de nada, sem causas. Mas há cibersoldados dedicados ao roubo de tecnologia, à descoberta de segredos comerciais. No Brasil é possível adquirir, em uma rua especializada, CDs com os cadastros da Receita Federal, com todos os dados de cada contribuinte, seja individual ou empresarial.

Lá nas capitais do império, a ciberguerra é disciplina obrigatória nas escolas de estado maior, nos cursos de geopolítica, de estratégia. Quem assistiu ao filme Rede Social viu como as universidades de elite como Harvard estão dedicadas a formar os novos soldados para as novas guerras. Aí se conta como surgiu a rede Facebook. Um brasileiro participou dessa invenção e o tipo que ficou como proprietário é o mais jovem bilionário do planeta.

Isso põe em evidencia que temos que formar nossos ciberguerrilheiros desde a escola fundamental. Há que preparar-se para uma guerra de desafios tecnológicos. É isso ou isso; assim como não há meia gravidez, não há meio termo nessa questão. Nas capitais do império o hacker é o novo James Bond. Os rangers de ontem são os cibersoldados de hoje.

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Nossos ciberguerrilheiros devem ser formados no marco de uma nova política nacional de comunicação e uma estratégia regional pensada em grande. Será pouco o resultado se tivermos os nossos cibercomandos sem ter nossas próprias linhas de comunicação, sem ter nossos próprios backbones, se mantivermos a dependência da infraestrutura cibernética atual a serviço do império.

Os blogueiros já se firmaram como os novos menestréis levando as novidades para um universo dominado pelas grandes corporações midiáticas. E as redes de redes que se formam através da blogosfera já constituem para muitos a única fonte de informação. Enquanto alguns utilizam o Twitter para vender produtos de consumo ou para perseguir amigos, os venezuelanos revolucionaram a utilização desse meio, usando-o para a interação entre população e governo.

Temos que estar preparados para uma guerra na qual vale tudo. A guerra cultural, disfarçada de guerra fria, tinha como conceito básico a estratégia de controle, e esse continua sendo o objetivo da guerra atual. Uma guerra para alcançar o controle. Os ataques à Líbia e ao Iraque nos ensinaram como funciona essa nova guerra:

– Primeiro, a mobilização de setores da população, de grupos étnicos rivais, da classe média descontente;
– Segundo, a desestabilização estratégica: demonização e desmoralização de líderes nacionais, envenenamento da população por meio da mídia;
– Terceiro, o ataque cibernético para neutralizar os sistemas de defesa, radares e demais instrumentos de guerra; o sistema de controle do estado, dos bancos, tudo
– Quarto, a destruição física da infraestrutura: estradas, centrais energéticas, edifícios da administração pública;

Quando desembarcam, já têm sucedâneo para tudo e bastante trabalho para as empresas de reconstrução. O ciberespaço já é faz tempo o teatro da guerra que o império move contra Cuba. Há satélites de escuta permanente, transmissões radiais e televisivas; utilização de chamadas aos celulares com mensagens mobilizadoras; saturação das linhas.

No Brasil, a partir de 2010, o Ministério da Defesa começou a organizar o Centro de Guerra Cibernética, através do centro de comunicação e guerra eletrônica do Exército. Em 2016, também assinaram um contrato com a espanhola Panda Security, para treinamento de 700 militares.

Nessa guerra, as transnacionais, as grandes corporações empresariais. estão mais bem equipadas que muitos de nossos estados. Entretanto, já há algumas décadas, as redes sociais são utilizadas como ferramentas políticas. Antes disso, nas vésperas da reunião de Davos, em 2016, o secretário da União Internacional de Telecomunicação da ONU, Hamadoun Fouré, fez um apelo para que o mundo se organize para regulamentar a web, visando evitar o risco de uma guerra cibernética sem controle.

Termino imaginando os ciberguerrilheiros promovendo um apagão na ciranda financeira global.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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