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Para quem valem as leis? É preciso cobrar o STF pela defesa da nossa Constituição

Isonomia é preceito constitucional. O país já não aguenta mais tanta desigualdade, tanto desprezo à pessoa humana, tantos privilégios
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Alguma coisa parece que não bate com o preceito constitucional da isonomia – todos são iguais perante a lei. Contrariando princípios da ética moral e em desrespeito à dignidade humana o Senado aprovou a prorrogação de decreto que possibilita a demissão sumária, sem justa causa, e redução dos salários dos trabalhadores comuns, empregados das empresas privadas. Fizeram isso com a justificativa de proteger o emprego. Com a justificativa de proteger o emprego joga milhões de pessoas na miséria.

Proteger o emprego seria garantir o emprego, seria o Estado assumir parte ou o todo dos salários para que o empregado não fosse demitido. Somam já 11 milhões de trabalhadores que aceitaram esse acordo agora prorrogado.Veja que nos últimos dois meses 1.4 milhão de trabalhadores ficaram sem trabalho por conta da Covid, sem remuneração alguma.

O MEIs, os micro empresários, que são 10 milhões, antes da pandemia, 52% tinham uma renda média em torno de R$ 2 mil; hoje, 70% (sete de cada 10) estão com renda menor do que o salário mínimo de R$1.045,00.

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Agora o STF se arroga o direito de governar os estados. No dia seguinte da publicação de mais essa maldade do Senado, o STF emitiu sentença que proíbe os Estados e Municípios a cortar salários dos servidores públicos. As justificativas das Associações de Servidores são corretas. Eles se prepararam para assumir a função e não são os que realmente pesam nas folhas de pagamento. Os que pesam são aqueles que a cada troca de governo ocupam centenas de milhares de cargos que são mais políticos do que técnicos.

Não podem cortar nem aumentar vencimento dos civis, mas aumentar o dos militares pode. O governo ocupado por militares acaba de autorizar um aumento de R$1.00 para militares como adicional por terem frequentado algum curso de especialização. O reajuste é geral. O soldo nominal de um general é R$ 13 mil. Nominal, nenhum deles ganha só isso pois têm uma dezena de penduricalhos que fazem o soldo bem próximo dos R$ 30 mil. Com a nova determinação vão receber a mais, em média, R$ 5.600,00.

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Com base na Constituição exigir que o STF ponha fim a essa barbárie anulando o pleito fraudado de 2011

A redução de gastos no setor tem que dar-se pelo lado que menos precisa, deixando em paz os que mais precisam. Diminuir os salários mais altos pode ser uma decisão das Câmaras Municipais. O Legislativo também pode, por iniciativa próprio ou do Executivo, aprovar leis que acabem com as mordomias. Nessa área o STF não tem como interferir. A Constituição e o Pacto Federativo garantem autonomia aos estados e municípios. Para exercer essa autonomia eles têm Constituição e câmara legislativa.

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Os servidores públicos têm muito poder neste nosso país. Lobby dos mais temidos por poderoso no Congresso. O justo seria usar essa força em benefício de todos os trabalhadores, não só para a corporação. O STF justifica com a obediência ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos. Vale só pra eles? Corporativismo num momento de aguda crise econômica agravada pela crise sanitária, em que muitos estão em desespero pela perda do trabalho é imperdoável. Temos que exigir direitos iguais para todos. 

Isonomia é preceito constitucional. Como é que o STF, sendo guardião da Constituição, faz que a Lei valer pra uns e não valer pra outros?

No México, no início da gestão de Lopes Obrador, os legisladores das duas casas, Senado e Câmara de Deputados, decidiram reduzir seus salários. O mesmo fez o presidente com os salários de ministros e funcionários de primeiro escalão. Além disso acabaram com as mordomias. Ministros e funcionários que tinham automóvel a seu dispor agora tem que solicitar um carro de uma frota única no caso de necessidade de locomoção por obrigação do serviço. Dignidade é isso.

Num momento como este, em que a população está em desespero, o emprego, ou melhor, o salário é vital, é mesmo questão de sobrevivência. A economia despencada não oferece perspectivas de melhora no futuro, então é urgente manter quem está ganhando alguma coisa que continue ganhando. Nem que seja a custa do Estado, pois o Estado é responsável pelo direito à vida de seus cidadãos.

Direito à vida que está sendo mais que negligenciado. Além de não garantir o salário nem uma renda mínima está o Estado sendo responsável por estar o país disputando com os Estados Unidos o maior número de contaminados e de mortos pela Covid-19, E isso, em ambos os países, por absoluta incompetência na gestão da saúde. 

É fato que no Brasil a saúde está completamente desgovernada. Três trocas de ministros num ministério ocupado por mais de uma vintena de militares sem saber o que fazer diante da pandemia que se alastra incontida. 

Dinheiro tem. Com o decreto de emergência foram designados para enfrentar a pandemia R$ 39,3 bilhões. Os incompetentes gastaram apenas R$ 11,5 bilhões, menos de 30%, assim mesmo mal, porque a realidade mostra o fracasso total da gestão. 58 mil mortos… Amanhã serão 60 mil. Nos hospitais e nas farmácias faltam medicamentos essenciais de uso contínuo para enfermidades crônicas. 

Precisamos mesmo reforçar a defesa da Constituição, exigir que a lei se cumpra para todos, o país já não aguenta mais tanta desigualdade, tanto desprezo à pessoa humana, tantos privilégios. E com base na Constituição exigir que o STF ponha fim a essa barbárie anulando o pleito fraudado de 2018.

Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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